Ulysses Ferraz[1]
De acordo com John Rawls (2016, p. 7), para que as concepções de justiça sejam viáveis, além de exigirem algum grau de consenso, elas devem lidar com “problemas sociais fundamentais, em especial os da coordenação, da eficiência e da estabilidade”. Rawls argumenta, na esteira do pensamento de Pareto[2], que “uma disposição da estrutura básica é eficiente quando não há como alterar [uma] distribuição para elevar as expectativas de alguns sem reduzir as expectativas de outros” (Ibidem, p. 85).
Economistas definem eficiência como “a propriedade que a sociedade tem de obter o máximo possível a partir de seus recursos escassos” (MANKIW, 2013, p. 464). Mas, esse princípio de eficiência não pode servir como fundamento último de uma concepção de justiça: a menos que se trate de alguma concepção utilitarista, cujo critério de justiça seja, por exemplo, a maximização da utilidade média. Para a justiça como equidade, como propõe Rawls, dentre as diversas possibilidades de arranjos eficientes, o problema é encontrar um arranjo que seja justo à luz dessa concepção de justiça escolhida na posição original[3], uma vez que o justo é prioritário em relação ao eficiente e independe da maximização da utilidade (2016, p. 85).
Na perspectiva rawlsiana, a eficiência não é um fim em si mesmo, mas possui um valor meramente instrumental na medida em que possa contribuir para melhorar a situação dos menos favorecidos da sociedade e, assim, promover uma distribuição mais justa. Isso não significa dizer que a teoria de Rawls é insensível a questões de eficiência. O que ele rejeita é uma perspectiva extrema, meramente orientada pela eficiência, que seja cega a questões de equidade e justiça social. E rejeitar um extremo não significa sustentar seu oposto. Por essa razão, não é o caso que Rawls, para sustentar suas posições igualitárias, faça apologia da ineficiência. Ao contrário, o teórico (2016, p. 96) sustenta que o quando o princípio da diferença é plenamente satisfeito, “é impossível melhorar a situação de qualquer indivíduo representativo sem piorar a de outro, ou seja, a do indivíduo representativo menos favorecido, cujas expectativas devemos elevar ao máximo”. Sob esse aspecto, a justiça como equidade é compatível com a eficiência.
De todo modo, os críticos de arranjos institucionais igualitários costumam usar o princípio da eficiência como argumento contra políticas redistributivas de renda e riqueza, tais como tributação progressiva da renda e benefícios de seguro-desemprego, porque alegam, mesmo sem apresentar bases empíricas sólidas, que elas produzem resultados ineficientes e, no fim das contas, pioram a vida de todos, inclusive a dos possíveis beneficiários de tais políticas. Esse tipo de argumentação, a priori, em sua forma mais usual, é apresentada por Mankiw (2013, pp. 4-5, grifos do autor) nos seguintes termos:
As pessoas enfrentam trade-offs[4]. […] Para conseguirmos algo que queremos, precisamos abrir mão de outra coisa de que gostamos. A tomada de decisões exige escolher um objetivo em detrimento do outro. […] [Um] trade-off que a sociedade enfrenta é entre eficiência e igualdade. Eficiência significa que a sociedade está obtendo o máximo que pode de recursos escassos. Igualdade significa que os benefícios advindos desses recursos estão sendo distribuídos de maneira uniforme entre os membros da sociedade. Em outras palavras, a eficiência se refere ao tamanho do bolo econômico e a igualdade, à maneira como o bolo é dividido em partes individuais. Quando as políticas do governo são formuladas, esses dois objetivos, de modo geral, entram em conflito. […] Quando o governo redistribui renda dos ricos para os pobres, reduz a recompensa pelo trabalho árduo; com isso, as pessoas trabalham menos e produzem menos bens e serviços. Em outras palavras, quando o governo tentar cortar o bolo econômico em fatias mais iguais, o bolo diminui de tamanho.
Sobre esse alegado trade-off, conforme explica Anthony Atkinson (2015, p. 295),
A visão de que existe um trade-off inevitável entre equidade e eficiência tem suas raízes na economia do bem-estar clássica. O “primeiro teorema da economia do bem-estar” declara que, em determinadas condições, o equilíbrio de um mercado perfeitamente competitivo é eficiente no sentido de que ninguém pode melhorar sua situação sem degradar a situação de outro. Isso é chamado de “eficiência de Pareto” (ou “ótimo de Pareto”), em homenagem ao economista italiano (que também é famoso pela descoberta da “curva de Pareto” como descrição da distribuição de renda).
Em resposta a esse tipo de argumento, muitos economistas defendem que “um menor bolo distribuído de forma mais justa pode ser preferível a um bolo maior com os atuais níveis de desigualdade. Ambos os aspectos – tamanho e distribuição – devem ser considerados em conjunto” (ATKINSON, 2015, p. 293). Segundo Atkinson (Ibidem), “com uma perspectiva […] rawlsiana (preocupada com os menos favorecidos), um aumento nas alíquotas no topo que gerasse uma receita [tributária] adicional representaria um trade-off aceitável entre eficiência e equidade”. Essa receita adicional, explica Atkinson, seria usada para “financiar transferências a pessoas em pior situação” (Ibidem). Além disso, economistas, como Peter Bofinger[5] (2021), sustentam que não há nenhuma evidência empírica de que tal trade-off sequer ocorra nos países realmente existentes. Segundo Bofinger, os dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) sobre distribuição de renda (medida pelo índice Gini[6] de acordo com as rendas líquidas das famílias) mostram uma desigualdade muito alta em países pobres, como África do Sul, México, Turquia e Bulgária; em contraste, os países escandinavos, que são economicamente muito poderosos – em termos de produto interno bruto per capita –, possuem baixíssima desigualdade de renda entre as famílias (Ibidem).
Em acréscimo à descrição incorreta da relação entre distribuição de renda e desempenho econômico, o fato de Mankiw descrever a redistribuição de renda como um processo no qual os incentivos para o “trabalho duro” são reduzidos implica que as pessoas com rendas mais altas trabalham mais arduamente do que aquelas com rendas mais baixas, o que também não teria nenhuma correspondência com a realidade (Ibidem). Com efeito, conforme observa Chang (2015, p. 91), esse tipo de argumentação nos leva a uma lógica curiosa: “por que precisamos fazer os ricos mais ricos para que eles trabalhem mais, porém devemos tornar os pobres mais pobres para esse mesmo fim?”.
No caso específico dos Estados Unidos, em que há desigualdade significativa em meio à prosperidade econômica, é importante ressaltar que uma boa parte do crescimento norte-americano das últimas décadas não é resultado do setor produtivo da economia, mas do setor financeiro, que além de improdutivo, é um dos que mais contribuem para a concentração de renda e riqueza nas sociedades contemporâneas. Conforme explica Mariana Mazzucato (2020, p. 143), a receita dos bancos provenientes dos serviços de intermediação financeira não era contabilizada no cálculo do Produto Interno Bruto (PIB) até 1993, quando então passaram a ser incluídos nele. Essa mudança simplesmente contábil “transformou, da noite para o dia, o que era antes era visto como um custo inútil [extração de valor] em uma fonte de valor adicionado” (Ibidem).
Segundo Mazzucato (2020, p. 22), “a maneira como a palavra ‘valor’ é usada na economia moderna fez com que ficasse mais fácil para as atividades de extração de valor se mascararem como atividades de criação de valor”. Assim, países como os Estados Unidos e o Reino Unido, cujas economias são altamente financeirizadas, apresentam produtos internos brutos inflados em razão da hipertrofia do setor financeiro da economia. E mesmo sendo um país próspero em termos de PIB per capita, para economistas como Joseph Stiglitz, os Estados Unidos vem apresentando nas últimas décadas uma perversa combinação de estagnação e desigualdade crescente. De acordo com esse autor (STIGLITZ, 2020, p. 60),
[o]s trabalhadores americanos estão recebendo uma fatia menor de uma torta que está crescendo mais devagar; tão menor que sua renda está estagnando. A parte salarial, especialmente se excluímos os 1% do topo — que incluem banqueiros e CEOs, tratados como “trabalhadores” para propósitos estatísticos, mas que não correspondem ao que a maioria de nós quer dizer quando usa esse termo —, tem declinado de modo acentuado e sem precedentes, de 75% em 1980 para 60% em 2010, um declínio de 15 pontos percentuais no curto período de trinta anos.
Piketty, por sua vez, rejeita o argumento segundo o qual impostos elevados para fins redistributivos são incompatíveis com taxas de crescimento robustas porque reduziriam a eficiência econômica. Ao mencionar o contexto de alto crescimento econômico e redução de desigualdades ocorrido entre os anos de 1930 a 1980, Piketty observa que “a experiência histórica demonstra que as alíquotas marginais da ordem de 70%-90% sobre as altas rendas permitiram pôr fim a remunerações astronômicas e inúteis, em benefício dos salários mais baixos e da eficiência econômica e social como um todo” (2020, p. 847).
Conforme alega Piketty, as altas alíquotas progressivas de imposto de renda, sobretudo em países europeus e nos Estados Unidos, não implicaram redução do crescimento, mas foram cruciais para a redução das desigualdades durante o período citado. Ou seja, o “bolo econômico” não ficou menor, como sustenta Mankiw, mas seus pedaços foram distribuídos de modo mais igualitário. Nessa mesma linha de argumentação, o economista Ha-Joon Chang argumenta que existem fortes indícios de que “não só […] a maior desigualdade produz resultados econômicos e sociais mais negativos, como também há muitos exemplos de sociedades igualitárias com crescimento muito mais acelerado do que sociedades comparáveis, porém mais desiguais” (2015, p. 293). Como suporte da sua alegação, Chang oferece como exemplo os “milagres” econômicos do Japão e da Coreia do Sul, que cresceram a taxas elevadas quando comparadas a países muito mais desiguais na África e na América Latina (CHANG, 2015, p. 293). Outro exemplo expressivo oferecido por Chang é o da Finlândia:
Apesar de ser uma das sociedades mais igualitárias do mundo, até mesmo do que os países do antigo bloco soviético nos tempos do socialismo, a Finlândia cresceu muito mais rápido do que os Estados Unidos, uma das sociedades mais desiguais dentro do mundo dos ricos. Entre 1960 e 2010, a média de crescimento de renda per capita na Finlândia foi de 2,7%, contra 2% nos Estados Unidos. Isso significa que, durante esse período, a renda nos Estados Unidos cresceu 2,7 vezes, enquanto a renda na Finlândia cresceu 3,8 vezes (Ibidem, p. 294).
De volta às questões sobre o alegado trade-off entre redução de desigualdade e eficiência, Joseph Stiglitz (2012, p. 162), na mesma linha de Chang, argumenta em sentido oposto ao argumento apresentado por Mankiw e afirma que poderíamos ter uma economia mais produtiva e eficiente com mais igualdade. Segundo Stiglitz, (2020, p. 22), “uma sociedade menos dividida, com uma economia mais igualitária, apresenta um resultado melhor; […] e ações que aumentam a desigualdade desaceleram o crescimento, especialmente no longo prazo”. Como sustenta Atkinson (2015, p. 294), “equidade e eficiência podem apontar para a mesma direção”. É o que sustenta também Mariana Mazzucato (2020, p. 178), quando afirma que “os recentes aumentos da desigualdade têm sido associados a um crescimento mais lento e ao impacto social, bem como ao efeito deflacionário, da redução de receitas já baixas”.
Nesse sentido, Chang (2015, p. 294) afirma que, “a maior parte dos estudos estatísticos que observam um grande número de países mostra uma correlação negativa (que não necessariamente significa que há uma causalidade) entre o grau de desigualdade de um país e sua taxa de crescimento”. Outro aspecto destacado por Chang é que “durante as três últimas décadas, apesar de a parcela de renda daqueles que estão no topo ter crescido na maior parte dos países, o investimento e o crescimento econômico desaceleraram na maior parte deles” (CHANG, 2015, p. 294). A despeito do famoso aforismo que diz “quando a maré sobe levanta todos os barcos”, não há evidências empíricas de que uma distribuição mais benéfica para o topo mais rico da pirâmide traga benefícios para todos.
Outra questão relevante, conforme ressalta Stiglitz, é sobre a desigualdade de oportunidades: problema que está relacionado à primeira parte do segundo princípio de justiça de Rawls. Para Stiglitz (2012, p. 147), a falta de investimentos em políticas associadas ao bem comum, como educação pública, contribuíram para o declínio da mobilidade social e para o desperdício do potencial humano em países como os Estados Unidos. Isso trouxe, segundo Stiglitz (2012, p. 147), consequências importantes para o crescimento e a eficiência do país, pois sempre que diminuímos a igualdade de oportunidades, deixamos de usar nosso ativo mais valioso — as pessoas — do modo mais produtivo possível. Nesse sentido, conforme explica Chang,
Uma menor mobilidade social significa que pessoas capazes, porém vindas de famílias mais pobres, são excluídas dos melhores empregos, e assim, têm seus talentos desperdiçados tanto do ponto de vista individual quanto do ponto de vista social. Também significa que alguns dos que ocupam esses empregos não são os melhores que a sociedade colocaria lá caso houvesse maior mobilidade social. Se mantidas ao longo de gerações, essas barreiras fazem com que pessoas jovens de setores menos privilegiados desistam de tentar os melhores empregos. Isso leva a uma “endogamia” intelectual entre os membros da elite. Se você acredita que grandes mudanças exigem ideias novas e atitudes não convencionais, uma sociedade com uma elite “endogâmica” parece ser um ambiente pouco provável para que ocorra uma inovação. O resultado é um menor dinamismo econômico (2015, pp. 292-293).
Os argumentos de Stiglitz (2012, pp. 134-135), de que a desigualdade é um motor da ineficiência econômica, expõem com bastante clareza como os riscos à democracia aumentam quando grupos econômicos controlam as instâncias políticas e, tal fato, está diretamente relacionado com o problema da ineficiência dos arranjos desigualitários. Quando um grupo de interesse detém muito poder econômico, ele é capaz de influenciar os legisladores na aprovação de políticas que o beneficiam em detrimento de outros arranjos institucionais mais favoráveis à sociedade com um todo (Ibidem).
Assim, quando os mais ricos usam seu poder político para beneficiar as grandes corporações por eles controladas, grande parte das riquezas socialmente construídas são transferidas para os bolsos de poucos em vez de beneficiar a sociedade de um modo mais amplo (2012, p. 135). Segundo Stiglitz (Ibidem), os ricos não existem no vácuo, mas precisam de uma sociedade cujos arranjos institucionais sustentem sua posição e permitam que rendas elevadas sejam extraídas de seus ativos. Para usar a linguagem de Rawls, os detentores do poder econômico precisam de uma estrutura básica cujas instituições lhes sejam favoráveis. Os ricos resistem aos impostos redistributivos, mas são esses impostos que permitem a realização de investimentos que sustentam o crescimento do país (Ibidem). Para Stiglitz, quando os investimentos em educação são muito baixos por falta de recursos públicos, as escolas não produzem o capital humano necessário para as empresas prosperarem e, por conseguinte, as economias operam abaixo de sua potencialidade (Ibidem). O resultado é que sociedades desiguais não funcionam de modo eficiente e suas economias não são nem estáveis nem sustentáveis no longo prazo.
Um outro aspecto ressaltado por alguns economistas diz respeito ao fato de que uma desigualdade elevada supostamente reduziria a coesão social e contribuiria para o aumento da instabilidade política (CHANG, 2015, p. 291). E, como a instabilidade política acarreta incertezas quanto ao futuro, haveria um desestímulo para se realizar investimentos produtivos que, por sua vez, reduzem as expectativas de crescimento e geração de empregos (Ibidem). Segundo Chan, a desigualdade também contribuiu para a crise financeira global de 2008, “especialmente no caso dos Estados Unidos, [onde] as rendas mais altas cresceram ao mesmo tempo que os salários reais permaneceram estagnados para a maior parte da população desde os anos 1970” (Ibidem, p. 292). Essa estagnação salarial, conforme explica Chang, “fez com que as pessoas tivessem alto nível de endividamento a fim de acompanhar o padrão de consumo crescente dos que estavam no topo” (Ibidem). Com o aumento nas dívidas relacionadas ao setor de habitação (estopim da crise), a economia tornou-se mais instável e mais vulnerável a choques (Ibidem). Outro tipo de argumento oferecido por economistas, segundo Chang, é que uma alta desigualdade dificulta o acesso à educação de qualidade e cria barreiras à mobilidade social, uma vez que “pessoas capazes, porém vindas de famílias mais pobres, são excluídas dos melhores empregos e, assim, têm seus talentos desperdiçados tanto do ponto de vista individual quanto do ponto de vista social” (Ibidem).
Em uma argumentação filosófica, os exemplos de ineficiência econômica associada à desigualdade não substituem argumentos normativos em defesa de uma perspectiva de justiça igualitária, como o da arbitrariedade moral apresentado por Rawls[7]. Até porque, como bem observa Chang, “esses exemplos não provam que maior desigualdade leva a um crescimento menor” (Ibidem, p. 293). No entanto, tais exemplos são suficientes para rejeitar argumentos pretensamente técnicos e científicos de que a desigualdade favorece o crescimento e a eficiência econômica (Ibidem). Se os economistas ainda não chegaram a um acordo em relação a essa questão – que como se vê é muito disputada e controversa – os argumentos igualitários de Rawls, se não puderem ser amparados por algum tipo de consenso teórico da ciência econômica, tampouco deveriam ser vulneráveis a alegações de ineficiência com base nessa mesma ciência.
É certo que fatos podem amparar princípios, mas como disse G. A. Cohen em uma de suas conferências[8], princípios que refletem fatos, os refletem somente porque também refletem princípios que não refletem fatos. Isso significa que, mesmo que a ciência econômica um dia chegue a um acordo sobre fatos relativos à desigualdade e suas consequências e ainda que esses fatos corroborem uma perspectiva mais igualitária de sociedade e deem sustentação a princípios de justiça rawlsianos, sempre será possível argumentar normativamente à la Nozick e sustentar que a desigualdade é uma consequência justa porque decorre de relações contratuais voluntárias.
E caso a ciência econômica chegar a um consenso oposto, com base em sólidas evidências empíricas de que realmente a desigualdade promove eficiência e o crescimento, ainda assim é possível argumentar normativamente em favor da igualdade nos termos de Rawls, uma vez que o fundamento de sua teoria não é econômico, mas normativo, e sustenta que melhorar a condições dos menos favorecidos é prioritário em relação a um princípio de eficiência que, no limite, poderia permitir até que uma única pessoa detivesse todos os recursos disponíveis, sem que isso violasse critérios de eficiência. Por essa razão, o núcleo duro da teoria de Rawls em defesa de regimes mais igualitários é o argumento da arbitrariedade moral.
A importância de se refletir sobre argumentos econômicos à luz da teoria da justiça de Rawls tem um sentido mais negativo do que positivo, ou seja, serve para afastar argumentos pretensamente científicos que não discutem a justiça ou injustiça das políticas de redução da desigualdade, mas procuram descartá-las a priori em razão de uma alegada impossibilidade fática ou ingenuidade utópica de toda e qualquer pretensão igualitária. Portanto, compreender que o alegado trade-off entre igualdade eficiência é no mínimo controverso, e não desfruta de nenhum consenso científico, tem o mérito de remover possíveis obstáculos epistêmicos ou ideológicos às perspectivas igualitárias de justiça e ratificar a força dos argumentos normativos no seio desse debate.
* Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Boletim Lua Nova ou do Cedec.
Referências:
ATKINSON, Anthony B. Desigualdade: o que pode ser feito? São Paulo: Leya, 2016.
CHANG, Ha-Joon. Economia: modo de usar. São Paulo: Portfolio-Penguin, 2015.
MANKIW, N. Gregory. Princípios de microeconomia. São Paulo: Cengage Learning, 2013.
MAZZUCATO, Mariana. O valor de tudo: produção e apropriação na economia global. São Paulo: Portfolio-Penguin, 2020.
RAWLS, John. Uma teoria da justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2016 [1999].
STIGLITZ, Joseph E. The Price of Inequality: How Today’s Divided Society Endangers Our Future. Nova Iorque: W.W. Norton & Company, 2012.
STIGLITZ, Joseph E. Povo, poder e lucro: Capitalismo progressista para uma era de descontentamento. Rio de Janeiro: Editora Record, 2020.
PIKETTY, Thomas. Capital e ideologia. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2020.
[1] Mestre em Lógica e Metafísica (PPGLM-UFRJ) e doutorando em Ciência Política (IESP-UERJ)
[2] Eficiência de Pareto (ou Ótimo de Pareto) é uma situação em que nenhuma reorganização ou troca pode aumentar a utilidade ou satisfação de uma pessoa sem que diminua a utilidade ou a satisfação de outra pessoa (SAMUELSON & NORDHAUS, 2012, p. 585).
[3] Na teoria da justiça de Rawls, a posição original é um “procedimento de construção” que especifica um ponto de vista objetivo sobre o qual é possível derivar os princípios de justiça.
[4] Trade-off pode ser entendido como uma situação de escolha econômica conflitante.
[5] Cf. BOFINGER, Peter. “Best of Mankiw: Errors and Tangles in the World’s Best-Selling Economics Textbooks”. Institute for New Economic Thinking, 2021. Disponível em: https://www.ineteconomics.org/perspectives/blog/best-of-mankiw-errors-and-tangles-in-the-worlds-best-selling-economics-textbooks. Acesso em 15.04.2022.
[6] O Índice de Gini é usado para medir a igualdade ou a desigualdade na distribuição de renda dos diversos países. Os valores do coeficiente de Gini variam entre 1 e zero; quanto mais próximo de 1 for o coeficiente, maior será a concentração na distribuição de qualquer variável. O oposto ocorre quando esse coeficiente se aproxima de zero.
[7] Na escolha de princípios de justiça, Rawls (Cf. 2016, p. 6) sustenta que não devemos levar em consideração os aspectos do mundo que parecem arbitrários de um ponto de vista moral, tais como classe social, sorte na distribuição das dotações e das capacidades naturais etc.
[8] Ver G. A. Cohen on Justice and Incentives. Disponível em: https://www.tvo.org/video/archive/ga-cohen-on-justice-and-incentives. Acesso em: 20. 11. 2020.
Fonte Imagética: Imagem de John Rawls, em Economic Theorists: John Rawls (HKT Consultants). Disponível em: https://sciencetheory.net/john-rawls/. Acesso em 14 jun 2022.