Deni Alfaro Rubbo[1]
A breve trajetória do intelectual-militante cubano Julio Antonio Mella (1903-1929) pode ser comparada a um filme de ação com desfecho trágico. Como se Mella tivesse vivido diversas vidas em uma só, guiado por uma inabalável profissão de fé: a ação revolucionária. Marxista subversivo, incendiário e romântico, foi um dos personagens mais emblemáticos e emocionantes da história da esquerda latino-americana.
Nascido em Havana, iniciou sua militância política em organizações estudantis e grupos de esquerda, inspirando-se na Reforma Universitária de Córdoba. Sua experiência política contribuiu para a criação da Universidade Popular dos Trabalhadores em Cuba. Inspirado em José Martí e Lênin, participou ininterruptamente de atividades políticas como a fundação do Partido Comunista Cubano e tornou-se um dos dirigentes do movimento anti-imperialista latino-americano.
Sempre controvertido, “o Sandino cubano” foi expulso momentaneamente do partido e chegou a ser preso em seu país – na ocasião fez greve de fome que teve repercussão internacional. Perseguido, exilou-se no México, viajou pelo mundo e continuou escrevendo para jornais. Com estilo direto e prático, escrevia com pressa, como se a oportunidade da libertação e da revolução na América Latina se encontrasse na próxima esquina. Tanto fez que se tornou persona non grata tanto para o governo cubano de Gerardo Machado quanto para a esquerda comunista de sua época. Em 1929, enquanto voltava à sua residência com a fotógrafa italiana Tina Modotti, sua companheira, foi assassinado com dois tiros nas costas na capital mexicana.
Organizado e prefaciado pelo historiador Luiz Bernardo Pericás, que já se dedicou a escrever sobre Che Guevara, José Carlos Mariátegui e Caio Prado Jr., este livro é a primeira coletânea de Julio Antonio Mella publicada no Brasil. A leitora e o leitor terão em mãos cinquenta textos de Mella, compostos, em sua maioria, de intervenções políticas, análises de conjunturas e debates estratégicos. Não precisam concordar com todas as conclusões de Mella para apreciá-lo em sua integralidade. O livro é um convite às aventuras políticas e intelectuais do revolucionário cubano, entre riquezas e misérias.
Quem tem medo de Julio Antonio Mella? Em tempos de ascensão da extrema direita e de nostalgia de estados autoritários e burocráticos de esquerda, aventurar-se no universo do “anjo rebelde”, marxista insubordinado e vencido da história significa, no mínimo, uma experiência provocativa e desconcertante para a esquerda brasileira. O livro lança também uma nova iniciativa para que a cultura política brasileira se volte definitivamente para a história latino-americana e caribenha, a fim de incorporar seus próprios personagens, experiências sociopolíticas e formulações teóricas.
Que a obra de Mella toque um “alarme de incêndio”, como invocava Walter Benjamin. Afinal, o capitalismo “nunca vai morrer de morte natural”. Precisamos, mais do que nunca, rememorar aquelas e aqueles que se colocaram na trincheira oposta à ordem existente.
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* Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Boletim Lua Nova ou do CEDEC.
[1] Doutor em Sociologia pela USP e professor de Ciências Sociais na UEMS. Atualmente realiza pós-doutorado em Sociologia na Unicamp.
Fonte Imagética: Julio Antonio Mella: textos escolhidos, organizado por Luiz Bernardo Pericás, Editora Lutas Anticapitalistas, 2022. Disponível em <https://lutasanticapital.com.br/products/pre-venda-julio-antonio-mella-textos-escolhidos>. Acesso em 24 ago 2022.