Alan Rangel Barbosa[1]
Maria Teresa Miceli Kerbauy[2]
Este trabalho foi inicialmente apresentado no 27° Congresso Internacional de Ciência Política (IPSA), realizado em Buenos Aires e faz parte do pós-doutorado que está sendo realizado no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais/UNESP/Campus de Araraquara. O objetivo é investigar a relação entre financiamento de campanha e sucesso eleitoral na Bahia, nas eleições municipais de 2016 e 2020.
Em 2015, conforme a Lei n° 13.165/2015 (BRASIL, 2015), do Código Eleitoral Brasileiro, o financiamento empresarial foi encerrado, com a alteração já valendo para a eleição seguinte. Neste período, ocorreu também a criação do Fundo Eleitoral de Financiamento de Campanha (FEFC), aprovado em 2017, por meio da Lei nº 13.487 de 6 de outubro de 2017 (BRASIL, 2017a), que nasceu com o objetivo de minimizar o impacto da ausência de recursos privados empresariais. O FEFC foi iniciado na eleição de 2018, com recurso de R$1,7 bilhão, e em 2020 para as eleições municipais. Também para a eleição de 2020 foi estabelecido o fim das coligações partidárias nos pleitos proporcionais, conforme a emenda constitucional n° 97/2017 (BRASIL, 2017b).
Grande parte das pesquisas sobre financiamentos de campanha no âmbito municipal estão concentradas nas regiões Sul e Sudeste do Brasil. O foco nas especificidades regionais, especialmente em um estado da importância da Bahia, no Nordeste, com poucas pesquisas sobre financiamento de campanha municipal, contribui para dirimir uma lacuna na agenda de pesquisa sobre o tema. A importância da Bahia, entre muitas razões, se deve ao fato de ser o quarto maior colégio eleitoral do país, perdendo apenas para São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. O estado possui 417 municípios, o quarto maior em número de municípios no Brasil.
O fim do financiamento empresarial possibilitou a redução da dependência potencial dos candidatos eleitos aos seus financiadores, desobrigando-os a um comprometimento de recursos, privilégios, favores e beneficiamentos, o que deveria aumentar a autonomia dos mandatos e proporcionar maior legitimidade da representação política. Abre-se a possibilidade de fortalecimento para um mandato eletivo mais independente das influências do mercado, contribuindo na melhora da qualidade da democracia vis-à-vis à captura do interesse público pelo privado, estabelecendo mais confiança da população no sistema político.
O fim do financiamento de empresas na disputa eleitoral tem a possibilidade de beneficiar, timidamente, a igualdade de oportunidades dos candidatos em disputa, mesmo que não elimine as disparidades na concorrência pelos votos.
É fundamental discutir os valores democráticos sobre as formas de regulamentação técnica das diferentes configurações de financiamento eleitoral existentes. Tais valores passariam pela equidade cidadã; por um modelo de competição entre partidos e candidatos; pela prevenção contra arranjos corruptos entre quem financia e os futuros eleitos, e a possibilidade de implementação da lei (SPECK, 2005).
As doações empresariais sempre foram a maior fonte de custeio das eleições, seja por financiamento direto aos candidatos, seja pela via dos partidos, numa ação indireta (MANCUSO et al., 2015). O que se coloca é quando e quanto do dinheiro acaba por se tornar um óbice ou uma má influência ao determinar os rumos das eleições à governança pública (DESCHAMPES et al., 2021).
De acordo com Pironi (2008, p. 147), o principal problema do financiamento empresarial é que esse modelo “abre espaço para que políticos passem a atuar como agentes do interesse privado daqueles que os financiam, e não mais como agentes do bem comum”.
São necessários questionamentos sobre a avaliação para além do montante de recursos nas campanhas, os aspectos meramente quantitativos, e ter um olhar mais fundamental, substancial, na qualidade da democracia, observando a efetivação dos princípios de igualdade política, visando o aperfeiçoamento do Estado democrático de direito.
A pesquisa centrada no âmbito local é de fundamental importância para olhar as eleições municipais brasileiras, pois desempenham papel crucial para a democracia e o sistema político como um todo. Disputas realizadas de meio-termo dão início a organização de partidos e candidatos para as eleições seguintes, nacional e regional, que abarcam o Congresso Nacional, as Assembleias Legislativas, os governos estaduais e a Presidência da República, apontando como será estruturada a correlação de forças entre os diferentes atores políticos (CERVI, NEVES, 2019).
Kerbauy e Rocha (2014)ressaltam a importância de uma agenda de pesquisas na esfera municipal observando, entre muitas dimensões, os padrões de competição eleitoral e o papel dos partidos. Sobretudo, a partir da redemocratização, durante a década de 80, e com os diversos impactos sociais e políticos na vida local brasileira, a descentralização decorrente avivou a importância dos municípios no novo pacto federativo. Há uma lacuna de pesquisa sobre os desdobramentos eleitorais das minirreformas políticas ocorridas para as duas últimas eleições municipais, 2016 e 2020, destacando o peso do financiamento sem os recursos empresariais. A pesquisa realizada sobre financiamento de campanha, nas eleições municipais de 2016 e 2020 na Bahia procurou cobrir esta lacuna.
Utilizando o teste estatístico Jamovi, para análises com duas variáveis (independente para gastos de campanha e dependente para êxito eleitoral), especificamente a correlação de Spearman, os resultados da nossa pesquisa mostraram uma associação positiva e forte entre gastos de campanha e sucesso eleitoral na Bahia, tanto em 2016 (com o fim do aporte empresarial) como no pleito de 2020 (com o fim do custeio empresarial e o aporte do FEFC – Fundo Especial de Financiamento de Campanha), sendo que em 2020 a associação foi positivamente muito forte.
Apoiando-se em Callegari-Jacques (2003), se o resultado da correlação for 0,00<r<0,30, ela pode ser considerada fraca; se 0,30≤r<0,60, a correlação pode ser considerada moderada; se 0,60≤r<0,90, a correlação pode ser considerada forte; se 0,90≤r<1,00, a correlação pode ser considerada muito forte. Logo, o resultado mostrou que todas as correlações lineares foram consideradas positivas e fortes, conforme mostra as tabelas abaixo.
TABELA I – COEFICIENTE DE CORRELAÇÃO DE SPEARMAN, COEFICIENTE DE DETERMINAÇÃO E VALOR P, ENTRE DESPESA DE CAMPANHA E ELEITOS NA BAHIA – 2016
Fonte: Desenvolvido pelos autores a partir de dados brutos retirados do TSE.
TABELA II – COEFICIENTE DE CORRELAÇÃO DE SPEARMAN, COEFICIENTE DE DETERMINAÇÃO E VALOR-P, ENTRE DESPESA DE CAMPANHA E ELEITOS NA BAHIA – 2020
Fonte: Desenvolvido pelos autores a partir de dados brutos retirados do TSE.
Em 2016, as despesas declaradas privadas na Bahia, de acordo com a atualização do TSE, em 23 de setembro de 2020, totalizaram R$3.281.874,36; já as públicas, foram de R$12.656.711,22. Esses dados inverteram um padrão estabelecido nas eleições anteriores, de que o investimento de pessoa jurídica dominava as campanhas eleitorais, conforme os estudos desenvolvidos por Cervi (2009) e a sistematização das pesquisas subnacionais realizadas por Mancuso (2015). A proibição desse investimento privado, portanto, alterou a lógica anterior.
As despesas declaradas privadas em 2020, na Bahia, de acordo com a atualização do TSE, em 23 de setembro de 2020, totalizaram R$83.447.800,06. Comparado com 2016, houve um aumento de R$80.165.925,70. Já as fontes públicas tiveram aporte de R$255.480.736,76. Comparado com 2016, o aumento foi de R$242.824.025,54. Esses números corroboram com a inversão da lógica de investimentos que dominavam as campanhas no Brasil antes de 2016. Do ponto de vista legal, são as despesas públicas que dão o suporte das campanhas, mas não se deve descartar a influência do caixa dois.
Em 2017, foi aprovado pelo Congresso Nacional o Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) com a finalidade de turbinar as campanhas visando compensar a perda de investimentos privados empresariais desde 2015. O Fundo foi utilizado nas eleições nacionais e estaduais de 2018, e sua distribuição é definida pela Lei Orçamentária Anual (LOA) com transferência ao TSE através do Tesouro Nacional. O próprio TSE é o responsável por repassar os valores aos diretórios nacionais. Nas eleições de 2018, houve uma injeção de R$1,7 bilhão; e nas eleições municipais de 2020, o montante foi de R$2,03 bilhões (BRASIL, 2022b).
Sobre o Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) e êxito eleitoral, os resultados apontaram uma correlação positiva forte, o que indica algum grau de influência na campanha eleitoral de 2020 na Bahia, conforme a tabela III abaixo.
TABELA III – COEFICIENTE DE CORRELAÇÃO DE SPEARMAN COEFICIENTE DE DETERMINAÇÃO E VALOR-P, ENTRE DESPESAS DE CAMPANHA DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA (FEFC) E ÊXITO ELEITORAL – ELEIÇÃO DE 2020 – BAHIA
Fonte: Desenvolvido pelos autores a partir de dados brutos retirados do TSE.
Na primeira correlação entre FEFC e prefeitos eleitos, o valor de rho foi 0.795, evidenciando uma correlação positiva forte; já na segunda correlação, entre FEFC e vereadores eleitos, o valor de rho foi 0.783, evidenciando uma relação positiva também forte; por fim, a correlação entre FEFC e o total de eleitos, que teve rho: 0.786. Logo, em todos os cenários o resultado foi de uma correlação positivamente forte, associando gasto com êxito eleitoral.
A pesquisa realizada apontou que mesmo com as novas regras eleitorais, a distribuição dos recursos públicos aos partidos políticos ainda aparece bastante concentrada em uma minoria, obtendo maior êxito eleitoral. A distribuição desigual dos recursos ainda não alcançou a disputa em igualdade mínima de condições entre partidos e candidatos. A própria distribuição interna dos recursos a determinados candidatos precisa também ser mais bem apreciada, fugindo dos objetivos da nossa pesquisa
As correlações realizadas na pesquisa não ignoram outras variáveis, tais como capital político (carreira política, partido, situação ao governo de turno, reeleição) ou capital social (sexo, cor e gênero) que influenciam na variável dependente êxito eleitoral, normalmente trabalhada com testes estatísticos para análises multivariáveis, enriquecendo as pesquisas sobre eleições municipais. Devem ser observadas as novas regras vigentes, visando também o aperfeiçoamento do sistema eleitoral brasileiro, com a contribuição da ciência política, e um olhar mais atento para o cenário local.
Passado o período que era muito comum no Brasil a coação eleitoral e as sucessivas fraudes – o que degenerava, e muito, qualquer possibilidade de desenvolvimento do cidadão munido de direitos civis e políticos, vide a literatura sobre o voto de cabresto e o coronelismo brasileiro (LEAL, 2012; QUEIROZ, 1976) -, hoje, com a atualidade e a confiança na urna eletrônica, os mais importantes óbices para o aperfeiçoamento da República, da vida política e eleitoral brasileira, passam a ser o abuso de poder econômico e a corrupção sistemática (CUNHA, LIMA, 2012). Isso acaba por perpetuar a desigualdade entre os concorrentes e interferir na competição livre e justa. Destoa da Constituição brasileira de 1988, no artigo 14, inciso 9, que fala sobre a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico e o abuso do exercício de função na administração.
Por fim, consideramos que o aperfeiçoamento da democracia no país passa pelo aprimoramento do sistema eleitoral e partidário, no caminho do equilíbrio dos recursos, aumento da fiscalização, menos oligarquização e mais competitividade no campo das ideias e propostas efetivas.
*Este texto não reflete necessariamente as opiniões do Boletim Lua Nova ou do CEDEC.
Referências
BRASIL. Lei nº 13.165, de 29 de setembro de 2015. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, 2015a Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13165.htm>. Acesso em: 20 jul. 2022.
BRASIL. Lei nº 13.487, de 6 de outubro de 2017. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, 2017a. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13487.htm>. Acesso em: 25 jul. 2022.
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QUEIROZ, M. I. P. de. O mandonismo local na vida política brasileira e outros ensaios. São Paulo: Alfa-mega, 1976.
[1] Doutor em Ciências Sociais pela UFBA. Pós-doutorando em Ciências Sociais- UNESP. Bolsa UNESP
[2] Pós- Doutora em Ciência Política pelo Instituto de Ibero-américa – Espanha (2011). Professora da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, UNESP- Ciências Sociais -FFCL/ Araraquara. Bolsista de produtividade do CNPq.
Fonte Imagética: Brasília DF Brasil – TSE, Tribunal Superior Eleitoral. Creditos: Josue Marinho, CC BY 3.0 <https://creativecommons.org/licenses/by/3.0>, via Wikimedia Commons. Acesso em 18 out 2023.