Marcia Ribeiro Dias1
25 de setembro de 2024
Marcando as eleições municipais de 2024, o Boletim Lua Nova convidou pesquisadores e pesquisadoras de diferentes capitais do Brasil para analisarem e comentarem sobre o pleito em suas cidades. Os textos desta série especial podem ser encontrados aqui.
Introdução
A campanha eleitoral à prefeitura das cidades brasileiras em 2024 tem sido dominada pela animosidade entre candidatos, acusações mútuas e até mesmo violência física, tendo a principal capital brasileira, São Paulo, como palco central de um espetáculo dantesco. A dimensão propositiva dos debates entre candidatos tem sido praticamente nula, sendo esse espaço dominado pela campanha negativa e pela tentativa incessante de cada uma das candidaturas de desqualificar seus adversários.
Diante desse cenário, pouco espaço é destinado aos temas próprios à gestão municipal, como infraestrutura, saúde, educação, transporte público, entre outros. Além disso, um espaço ainda menor tem sido dedicado a temas relacionados aos direitos fundamentais dos cidadãos: direitos humanos, em geral, e das minorias, especificamente, o atendimento à população economicamente vulnerável e políticas relacionadas ao meio ambiente, são tratados de forma subalterna nas agendas dos candidatos.
Porém, no silêncio das agendas programáticas das candidaturas, documento desprestigiado nas campanhas eleitorais, é possível identificar a relevância que é destinada aos temas relacionados aos direitos fundamentais dos cidadãos por cada uma das pessoas aspirantes ao cargo de prefeito e prefeita de seus municípios. Meu objetivo neste artigo é mapear a abordagem dos referidos temas nos programas de governo à capital do Rio de Janeiro, a fim de conhecer a visibilidade, diversidade e prioridade com que são tratados por seus proponentes.
Antes disso, porém, importa conhecer a conjuntura eleitoral da cidade do Rio de Janeiro em 2024. Na campanha deste ano apresentaram-se 9 candidaturas nas diferentes dimensões do espectro ideológico. No centro político encontra-se o candidato à reeleição e líder das pesquisas de intenção de voto (57%, segundo a pesquisa Quaest divulgada em 18 de setembro), Eduardo Paes (PSD), aliado ao presidente Lula e à federação de partidos que o apoia. Com apoios partidários tanto à esquerda quanto à direita do espectro ideológico, Paes se apresenta muito mais como o gestor de um governo bem avaliado do que como o porta-voz de uma agenda promotora de valores políticos. Se as pesquisas de opinião forem precisas, o atual prefeito da cidade do Rio de Janeiro deve permanecer no cargo a partir de 06 de outubro.
À esquerda do espectro ideológico, identifiquei 4 candidaturas: Tarcísio Motta (PSOL), Cyro Garcia (PSTU), Juliete Pantoja (UP), Henrique Simonard (PCO). Destas candidaturas, apenas a de Tarcísio Motta apresenta intenção de voto minimamente relevante (4% segundo a pesquisa Quaest de 18 de setembro, anteriormente mencionada), embora esteja em declínio desde o início da campanha eleitoral.
À direita do espectro ideológico, identifiquei outras 4 candidaturas: Alexandre Ramagem (PL), Rodrigo Amorim (União Brasil), Marcelo Queiroz (PP), Carol Sponza (NOVO). Destes, apenas Ramagem (18%, segundo a mesma pesquisa Quaest) apresenta candidatura competitiva e, em caso de ocorrência de segundo turno, deverá disputar contra o atual prefeito. Sendo assim, é possível afirmar que a balança ideológica pende para a centro-direita na disputa eleitoral à prefeitura da cidade do Rio de Janeiro.
Normalmente atribuída à esquerda do espectro ideológico, a agenda dos direitos será avaliada nos programas de governo de todas as candidaturas à prefeitura do Rio de Janeiro a fim de verificar sua ocorrência e relevância tanto individual quanto comparativa. A seguir tratarei cada um dos temas selecionados.
Assistência Social
Selecionei a temática da assistência social no intuito de verificar o quanto as candidaturas no Rio de Janeiro reconhecem a importância do problema da fome e da miséria em suas plataformas governamentais, entendendo o direito à vida como o mais fundamental entre todos.
O tema da assistência social foi segmentado em algumas categorias chave, como o da vulnerabilidade social, a atenção à população em situação de rua, a dependência química e a proteção social.
Em termos de visibilidade, ou seja, da identificação da problemática na plataforma governamental, foi possível constatar que esse tema importa à maioria das candidaturas, estando presente de forma universal. As candidaturas foram divididas em três grupos de visibilidade do tema da assistência social: relevante, mediana e predominantemente indiferente. Do primeiro grupo fazem parte três candidaturas: Tarcísio Motta (PSOL), Marcelo Queiroz (PP) e Rodrigo Amorim (União). Do segundo grupo fazem parte outros três candidatos: Alexandre Ramagem (PL), Eduardo Paes (PSD) e Carol Sponza (NOVO). No último grupo estão as candidaturas de Cyro Garcia (PSTU), Juliete Pantoja (UP) e Henrique Simonard (PCO).
Em termos de diversidade de sub temas abordados pelas candidaturas na chave da assistência social, Tarcísio Motta e Marcelo Queiroz se destacam em sua ampla cobertura. Eduardo Paes e Alexandre Ramagem ignoraram 7 subtemas elencados pela pesquisa, concentrando suas propostas em outros 7 subtemas. As demais candidaturas trataram os subtemas da assistência social de forma marginal ou insignificante.
Quanto à prioridade no tratamento da assistência social à população economicamente vulnerável, notamos que quase todas as candidaturas trataram o tema em um tópico específico, à exceção das candidaturas de Cyro Garcia (PSTU), Juliete Pantoja (UP) e Henrique Simonard (PCO). Isso não significa que o tema esteja ausente de suas plataformas governamentais, mas sugere que não houve um destaque a ele.
Direitos Humanos
O tema dos direitos humanos foi mapeado em termos da universalidade da sua condição: todos os cidadãos, em algum momento do seu desenvolvimento, estarão sujeitos a esses direitos. Assim elenquei nesse tópico: a diversidade social, o combate às variadas formas de discriminação social, o direito à infância e velhice dignas, políticas para a juventude, a igualdade civil e as liberdades em geral, incluindo a liberdade religiosa.
Na categoria dos direitos humanos, a plataforma governamental do candidato do PSOL respondeu por mais de 40% dos trechos classificados em todas as campanhas, destacando-se de forma significativa. O programa de governo de Motta fez menções variadas a todos os subtemas, com destaque nos temas relacionados à proteção à infância e à velhice.
As demais candidaturas responderam juntas por cerca de 60% das menções ao tema em seus programas de governo. Os candidatos do PP, do PL e do União Brasil, surpreendentemente, se destacaram na visibilidade com que seus programas tratavam dos subtemas relacionados aos direitos humanos. Juntos, agregaram quase 46% das menções. Enquanto Queiroz contemplou uma variedade de temas de forma relativamente equilibrada, Ramagem e Amorim deram ênfase prioritária às políticas de proteção à infância e adolescência, correspondendo ambos a uma visão conservadora sobre o entendimento dessa proteção social.
Cumpre ressaltar que enquanto Tarcísio Motta foi protagonista na abordagem de cinco dos sete subtemas elencados, Marcelo Queiroz se destacou em apenas dois: diversidade social e juventude.
Os demais candidatos abordaram de forma sutil os referidos temas, com maior ou menor diversidade, mas, sobretudo também na área de políticas para a infância.
Direitos das Minorias
Entendo aqui os direitos das minorias de forma separada dos direitos humanos em geral em virtude da exclusividade das categorias incluídas: gênero, raça, etnias (indígenas e quilombolas), LGBTQIA+ e pessoas com deficiência.
Dos trechos programáticos classificados como propostas na área dos direitos de minorias sociais, o candidato do PSOL se destacou ainda mais: 56% foram identificados em seu programa de governo. Em todos os sub temas pesquisados, o candidato prevaleceu com o maior número de propostas sobre os demais.
Chama atenção a relevância atribuída pela maioria das candidaturas à inclusão de pessoas com deficiência na sociedade: subtemas como acessibilidade, educação especial, comunicação em libras, foram amplamente contemplados nos programas de governo, especialmente entre os candidatos à direita do espectro político, enquanto que as questões de gênero, raça e relacionadas à população LGBTQIA+, estiveram mais presentes nos programas eleitorais das candidaturas de esquerda, especialmente nas de Tarcísio Motta (PSOL) e Juliete Pantoja (UP).
Em contrapartida, os temas mais ignorados do conjunto de direitos das minorias foi o das comunidades tradicionais – com ênfase em indígenas, quilombolas e ribeirinhos – e aqueles relacionados às identidades LGBTQIA+.
Além disso, os temas relacionados às desigualdades de gênero e políticas para mulheres obtiveram mais visibilidade do que aqueles relacionados às desigualdades raciais e à população negra. Nesse aspecto, as questões de gênero foram ignoradas pelas candidaturas do PSTU e do PCO, ambos partidos de esquerda, enquanto os temas raciais foram deixados de lado por partidos de direita, como PL e União Brasil.
Meio Ambiente
A pauta ambiental foi a que mais agregou variedade aos subtemas. Sendo um tema já consagrado na pauta pública em virtude das mudanças climáticas e seus efeitos, frequentemente devastadores sobre a vida das cidades, admite uma variedade de aspectos a serem enfrentados pelo poder local. Maior variedade, menor probabilidade de produzir consensos nos conteúdos programáticos das candidaturas. Logo, apenas o subtema do combate às enchentes foi tratado de forma unânime. Apenas as candidaturas de Eduardo Paes (PSD) e de Rodrigo Amorim (União Brasil) trataram o meio ambiente superficialmente, enquanto Henrique Simonard (PCO) não abordou o tema em seu programa de governo.
Em virtude da ampla variedade de subtemas presentes nos programas de governo, cada candidatura priorizou alguns temas em comparação aos demais. Alexandre Ramagem (PL) enfatizou a preservação dos ecossistemas; Carol Sponza (NOVO) investiu, sobretudo, no tema da Economia Verde; Cyro Garcia (PSTU) dividiu sua atenção entre os temas do combate à poluição e da gestão de resíduos; Eduardo Paes (PSD) se destacou pela preocupação no combate a enchentes; Juliete Pantoja (UP) enfatizou a necessidade de combate à poluição; Marcelo Queiroz (PP), embora tenha contemplado todos os subtemas do meio ambiente, destacou-se especialmente na defesa da sustentabilidade e da proteção às áreas verdes; Rodrigo Amorim abordou os temas da mudança climática e da necessidade de proteção ambiental; Tarcísio Motta (PSOL) destacou-se pela defesa da educação ambiental e na abordagem do tema dos corpos hídricos.
Conclusões
Nos programas de governo das candidaturas à prefeitura da cidade do Rio de Janeiro foi possível identificar que temas relacionados aos direitos fundamentais dos cidadãos encontram alguma proeminência ao lado de temas tradicionais no campo das políticas públicas municipais.
Dentre os temas selecionados para a análise, o que apresentou maior adesão por parte das candidaturas foi o do meio ambiente, o que sugere que o problema da mudança climática não pode ser desprezado no planejamento governamental. Em segundo lugar, identificou-se o volume de propostas destinadas aos direitos de grupos sociais minoritários, seguido pela área dos direitos humanos e, finalmente, da assistência social à população economicamente vulnerável.
Em todos esses temas, duas candidaturas se impuseram como as mais abertas a diagnosticá-los e oferecerem políticas que contemplem soluções para os problemas a eles relacionados: a de Tarcísio Motta (PSOL) e a de Marcelo Queiroz (PP), uma de cada lado do espectro ideológico.
Interessante notar, entretanto, que nenhum dos dois candidatos empenhados na agenda dos direitos apresenta competitividade na disputa pela prefeitura do Rio de Janeiro. Enquanto isso, o candidato favorito dos cariocas, o atual prefeito Eduardo Paes (PSD) apresentou a referida agenda apenas de forma protocolar. Seu principal adversário, Alexandre Ramagem (PL), tampouco se empenhou na promoção dessa agenda, estando sua campanha focada no tema da segurança pública que, embora seja um tema caro ao cidadão carioca, não é uma atribuição municipal.
Em síntese, a análise dos programas de governo das candidaturas à prefeitura do Rio de Janeiro em 2024 revela uma preocupação desigual com os direitos fundamentais dos cidadãos. A análise aqui empreendida evidencia um desafio crítico para a dinâmica eleitoral: a necessidade de que as elites políticas não apenas reconheçam a relevância dos direitos fundamentais, mas também os integrem efetivamente suas plataformas governamentais e passem a fazer parte do debate público local.
Nota Metodológica
O trabalho de pesquisa foi realizado a partir da coleta e análise dos programas de governo das candidaturas à prefeitura do Rio de Janeiro no ano de 2024. Os documentos utilizados foram aqueles divulgados pelos candidatos em suas redes sociais e por meio de portais da internet – os programas das candidaturas também estão disponíveis no site de divulgação de candidaturas do TSE. Foi utilizado o programa NVivo para a identificação, mapeamento e classificação dos temas e sub temas escolhidos para a análise.
* Este texto não representa necessariamente as opiniões do Boletim Lua Nova ou do CEDEC. Gosta do nosso trabalho? Apoie o Boletim Lua Nova.
- Professora adjunta e diretora substituta da Escola de Ciência Política da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), atua como membro permanente do PPG em Ciência política da UNIRIO. Tem experiência na área de Ciência Política, com ênfase em Estudos Eleitorais e Partidos Políticos, atuando principalmente nos seguintes temas: partidos e eleições, campanha eleitoral, comportamento político, representação e participação política, orçamento participativo e opinião pública. ↩︎
Referência imagética: Prédio da Prefeitura do Rio de Janeiro. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Rio_de_Janeiro_-_Pr%C3%A9dio_da_Prefeitura_(2129531551).jpg