Tatiana Teixeira[1]
4 de outubro de 2025
Em parceria com o Observatório Político dos Estados Unidos (OPEU), o Boletim Lua Nova republica a análise em três partes sobre os discursos dos Presidentes Lula e Trump na Assembleia Geral das Nações Unidas. O texto foi originalmente publicado em 25 de setembro de 2025, no site do OPEU.
***
Categórica rejeição do governo Trump 2.0, de seu tarifaço e da tentativa de intervenção na política brasileira; ampliação e fortalecimento do grupo Brics; julgamento e condenação do ex-presidente golpista; aprovação em alta; entrevistas para importantes veículos da imprensa internacional (BBC News, Christiane Amanpour/CNN, Le Monde, PBS News Hour, The New York Times); artigos de opinião publicados no NYT e no britânico The Guardian; reconhecimento de analistas, acadêmicos e líderes mundiais como destemido e incansável defensor da democracia e da soberania nacional; retirada do Brasil do Mapa da Fome da FAO; e multitudinárias manifestações no último domingo (21), em todas as regiões do Brasil, contra a anistia a Jair Bolsonaro e a seus cúmplices e contra a indecente PEC da Blindagem, tramitada vergonhosa e subrepticiamente pela Câmara dos Deputados: foi com esse apoio e capital simbólico que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva desembarcou em Nova York para participar da 80ª Assembleia Geral da ONU.
O Brasil está na moda, mais uma vez. Foi um longo caminho desde o editorial “Brazil’s Moment” do NYT, de 24 de janeiro de 2004, um ano após a posse do primeiro mandato de Lula, em que ele é descrito como “uma presença cada vez mais poderosa no cenário global”; ou desde a capa “Brazil takes off”, da revista The Economist, de novembro de 2009; ou do relatório Global Brazil and U.S.-Brazil Relations, publicado em 2011 pelo think tank Council on Foreign Relations (CFR), que recomendou o apoio dos Estados Unidos à candidatura do Brasil a um assento no Conselho de Segurança da ONU e afirmou que o Brasil importa “regional” e “globalmente”. Nos anos 2000, de repente, o mundo pareceu (re)descobrir o país, e essa onda voltou.
No dia 23, conforme a tradição iniciada em 1955, o presidente brasileiro fez o discurso de abertura da AGNU, seguido do anfitrião. Nesta plataforma, chefes de Estado e de Governo atualizam seus pares sobre avanços, desafios e necessidades de seu país. Expõem conquistas obtidas no plano doméstico, na tentativa de transformá-las em recursos de poder. Também é o momento de apresentar sua agenda internacional, de modo a manter ou (re)conquistar visibilidade, legitimidade e respeito, e aumentar sua projeção e relevância. Pelo menos 150 líderes mundiais ocupam a tribuna nesta edição.
Este ano, o contraste entre os discursos de Lula e de Donald Trump foi especialmente marcante. No caso do primeiro, em pouco mais de 15 minutos, vimos a firmeza e o entusiasmo de uma fala inclusiva, propositiva e vigilante, acolhida por reiterados aplausos. No segundo, de cerca de uma hora, salvo no momento de piadas não relacionadas com o discurso e do pedido de libertação dos reféns do Hamas, os olhares incrédulos e o peso do silêncio constrangedor do plenário disseram muito mais do que as palavras sombrias e agressivas de seu orador, cujo tom monocórdio acentuava o visível cansaço.
Lula convocou os países – especialmente os centrais – à ação pelo bem comum e à revisão de suas prioridades. Trump lhes disse para fecharem suas fronteiras, abandonarem a energia renovável e, à exceção da proposta para tentar reduzir a existência de armas biológicas, nada mais ofereceu, além de ressentimento e de uma visão limitada do mundo. Lula condenou o genocídio dos palestinos e criticou os ataques do Hamas. Na mesma semana em que Austrália, Canadá, França, Portugal e Reino Unido reconheceram formalmente o Estado palestino, Trump voltou a negar seu apoio, alegando que seria uma “recompensa para o Hamas”.
De um lado, tivemos um discurso contundente, durante o qual se condenou as sanções dos Estados Unidos e seus danos à economia internacional; em que se defendeu o multilateralismo e a própria ONU, como um dos espaços de cooperação global para enfrentar a mudança climática, a fome, a pobreza e outras questões que ultrapassam fronteiras geográficas; e em que se frisou, apaixonadamente, o limite inegociável da democracia e da soberania. Tratou-se de um pronunciamento para o mundo e, do mesmo modo, de uma advertência para a extrema direita, aqui e acolá.
Do outro, o pronunciamento foi, em grande parte, às avessas da sociedade internacional, aqui conceitualmente tomada no sentido formulado por Hedley Bull (A sociedade anárquica, UnB/Ippri, 2002): um grupo de Estados que compartilham valores e interesses, participam de instituições comuns, cooperam entre si e agem conforme normas e regras acordadas coletivamente. Trump atacou seus aliados (em especial os europeus) e suas política migratórias; criticou a ONU, minimizando sua relevância e seu trabalho (“palavras vazias”); manifestou sua estranha obsessão pelo ex-presidente Joe Biden (seis vezes mencionado diretamente, e seu governo, outras tantas); e, sem surpresa, evocou seu negacionismo climático (“‘Tudo verde’ é ‘tudo falido’”) e rejeitou a solução de dois Estados para o conflito em Gaza.
Entre outros pontos, seu discurso foi um longo, desinteressante e também preocupante tutorial para as lideranças mundiais sobre como lidar com seus problemas – nos planos doméstico e internacional.
Leia a parte seguinte aqui.
* Este texto não reflete necessariamente as opiniões do Boletim Lua Nova ou do CEDEC. Gosta do nosso trabalho? Apoie o Boletim Lua Nova!
Referência imagética: (Arquivo) Bandeiras sendo arrumadas para o debate da Assembleia Geral da ONU, Nova York, em 17 set. 2017 (Crédito: UN Photo/Kim Haughton/Flickr). Disponível em: https://www.opeu.org.br/2025/09/25/o-estadista-e-o-autocrata-delirante-parte-i. Acesso em 01 out 2025.
[1] Editora-chefe do OPEU e U.S. State Department Alumna (SUSI 2025). Esteve nos EUA em junho e julho de 2025 para participar do curso de American Politics and Political Thought, realizado no âmbito da Civic Initiative, do Donahue Institute, vinculado à Universidade de Massachusetts Amherst (UMass). O programa Study of the United States Institutes (SUSI 2025) é patrocinado pelo Departamento de Estado dos EUA e administrado pela Universidade de Montana (UM). Trabalhos decorrentes do programa ou outros relacionados aos Estados Unidos são considerados de totais autonomia, iniciativa e responsabilidade da pesquisadora e não representam qualquer endosso ou adesão a quaisquer políticas e agendas por parte do governo americano atual, ou anteriores. Contato: tatianat19@hotmail.com.