Jefferson dos Santos Estevo[1]
9 de maio de 2025
Esta publicação faz parte de uma série especial de análises sobre a 17ª Cúpula dos BRICS, que ocorrerá no Brasil sob a presidência rotativa do país em 2025. Fruto de uma nova parceria entre o Boletim Lua Nova e pesquisadores do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília, esta série visa aprofundar o debate sobre os principais temas, prioridades e desafios que marcarão este importante encontro multilateral.
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Em 2025, o Brasil sediará a 17ª Cúpula dos BRICS – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, guiada pelo lema “Fortalecendo a Cooperação do Sul Global para uma Governança mais Inclusiva e Sustentável”, a presidência brasileira se concentrará em duas prioridades: (i) Cooperação do Sul Global e (ii) Parcerias BRICS para o Desenvolvimento Social, Econômico e Ambiental. Esta é a quarta vez que o Brasil assume a presidência do BRICS, tendo exercido essa função anteriormente em 2010, 2014 e 2019. Após a presidência do G-20 em 2024, o país busca manter um papel de importância internacional, reforçando a importância dos BRICS como espaço estratégico para a articulação de agendas do Sul Global, sediando mais um evento de grande importância.
Em 2001, o economista Jim O’Neill, do grupo financeiro Goldman Sachs, identificou em um estudo que Brasil, Rússia, Índia e China eram as principais economias emergentes com potencial de transformar a ordem global. Na análise, China e Índia despontavam como futuros líderes na distribuição global de bens e serviços, enquanto Brasil e Rússia se destacavam como grandes fornecedores de matérias-primas. A formação original se ampliou em 2011, quando, durante o terceiro encontro do grupo, a China convidou a África do Sul a se juntar aos BRIC. Com a entrada do país africano, a sigla passou a ser BRICS, refletindo sua nova composição.
O grupo foi oficialmente formado em 2009, com a primeira Cúpula em Yekaterinburg, Rússia. Naquele momento, o tema central estava na reformulação do sistema financeiro global, em um momento de crise, também na busca de maior inserção dos países emergentes. Em 2023, seis novos países foram admitidos: Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Irã. A Indonésia formalizou sua adesão ao grupo em 2024. No ano seguinte, foi criado um novo status, o de “País Parceiro do BRICS”, com Belarus, Bolívia, Cazaquistão, Cuba, Malásia, Nigéria, Tailândia, Uganda e Uzbequistão obtendo essa condição no início de 2025. Com a adição dos novos membros, o grupo representou em 2023 39% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial, 24% do comércio internacional, 48,5% da população mundial, 36% do território global, 72% das reservas de minerais raros, 43,6% da produção global de petróleo, 36% do gás natural e 78,2% das reservas de carvão.
Principais Pautas da Cúpula no Brasil
O Brasil pretende reforçar o papel dos BRICS em temas-chave das relações internacionais: Cooperação em Saúde Global; Comércio e Investimentos; Mudança do Clima e Desenvolvimento Sustentável; Inteligência Artificial e Transformação Digital; Reforma da Arquitetura Multilateral de Paz e Segurança;e Desenvolvimento Institucional dos BRICS.
Em Saúde Global, o mundo ainda lida com os efeitos da pandemia de COVID-19 e enfrenta novos desafios em um cenário de crescente negacionismo científico e resistência à vacinação. A saída temporária dos Estados Unidos da Organização Mundial da Saúde, durante o governo Trump, gerou preocupações sobre o futuro da cooperação sanitária global. Nesse contexto, os BRICS podem exercer um papel crucial ao fortalecer os sistemas públicos de saúde, ampliar o acesso a vacinas, medicamentos e tecnologias, e promover a cooperação científica e farmacêutica entre países em desenvolvimento.
Na área de Comércio e Investimentos, o Brasil assume a presidência dos BRICS em um momento de crescente fragmentação das cadeias produtivas e tensões no sistema multilateral de comércio. O legado das políticas protecionistas de Donald Trump, como o uso de tarifas unilaterais, ainda reverbera na economia global. Nessa dimensão, a China é o país com as maiores tarifas. Os BRICS, como grandes economias emergentes, são fundamentais para preservar uma ordem comercial aberta, previsível e baseada em regras. Neste sentido, o presidente estadunidense prometeu impor tarifas de até 100% ao grupo caso eles avancem com uma agenda de substituição do dólar. Ao mesmo tempo, o grupo busca fortalecer a cooperação em investimentos estratégicos, infraestrutura e inovação, com destaque para o papel do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), conhecido como “Banco dos BRICS”. Um dos principais avanços desse banco está justamente em substituir o dólar nos projetos financiados, promovendo as moedas locais.
No campo Climático e Ambiental, a presidência brasileira deve posicionar os BRICS como atores relevantes no debate climático, especialmente no contexto preparatório para a COP30, que será realizada em Belém do Pará em 2025. Diante do avanço do negacionismo climático, com a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris e da lentidão nas metas de descarbonização, o bloco pode fortalecer o papel dos países em desenvolvimento na construção de uma agenda climática, sobretudo com Brasil e China. O grupo tradicionalmente trabalha nas negociações climáticas como BASIC, sem a Rússia, com ênfase nas responsabilidades comuns, porém diferenciadas. As questões como a regulação das emissões de aviação internacional e a navegação marítima, podem ser incorporadas à agenda.
A Inteligência Artificial será outro eixo importante, tendo em vista os impactos da automação, da governança de dados e da soberania digital. Os BRICS podem construir parâmetros regulatórios que contemplem os interesses do Sul Global, evitando tanto a captura corporativa como a assimetria de poder que marca os fluxos digitais e tecnológicos. A criação de centros de pesquisa compartilhados, o intercâmbio técnico e o fortalecimento da alfabetização digital são caminhos possíveis para reduzir desigualdades tecnológicas e garantir que a IA contribua para o desenvolvimento social. Nessa área, também se observa a relevância da participação de empresários dos Estados Unidos na política, articulando leis e ações no governo, que impactam globalmente.
Outro eixo estratégico da presidência brasileira será a Reforma da Arquitetura Multilateral de Paz e Segurança. Às vésperas de seu 80º aniversário, a ONU enfrenta desafios crescentes à sua legitimidade e eficácia. Conflitos prolongados, como na Ucrânia, em Gaza e no Sudão, expõem os limites do Conselho de Segurança e das estruturas existentes. Apesar das divergências no Bloco, os BRICS podem se afirmar como uma voz em favor de uma reforma democrática e representativa da governança global da paz, buscando fortalecer os mecanismos de solução pacífica de controvérsias. O Brasil é defensor dessa reforma na ONU, base de sua política externa. O país busca também ser um importante articulador nas diferentes negociações globais de paz.
Por fim, a agenda da presidência brasileira incluirá o fortalecimento do próprio BRICS, por meio de propostas para seu Desenvolvimento Institucional. Desde sua criação, o grupo passou por expansão significativa, tanto em número de membros quanto em escopo temático. A proposta brasileira visa aperfeiçoar a governança interna e garantir uma transição eficiente entre presidências. Esse esforço será fundamental para assegurar que o BRICS continue relevante, eficaz e coeso, mesmo com uma base ampliada e interesses diversos.
[1] Pesquisador de Pós-Doutorado em Ciência Política pela Universidade Federal de Góias, Bolsista do CNPQ e FAPEG.
Fonte imagética: elaboração própria.