Lucas Thixbai Freitas Fraga[1]
Em 28 de outubro de 2020, foi publicado no Diário Oficial da União o decreto 10.534/2020, que institui a Política Nacional de Inovação e dispõe sobre sua gestão e governança. O objetivo dessa política é promover e fomentar iniciativas inovadoras no setor público federal, bem como assegurar a cooperação nos níveis de governo estadual e municipal; e melhorar a inovação no setor privado por meio da coordenação setorial promovida por ministérios específicos vinculados ao governo.
A medida surge quando a economia brasileira passa por um período de baixo crescimento econômico, cenário contínuo desde 2014, e onde a agenda do comércio exterior encontra-se cada vez mais voltada para a exportação de produtos primários e a importação de bens de capital, ou seja, parte do o contato com produtos inovadores ainda vem do exterior. Além disso, os resultados da Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica – PINTEC, pesquisa que analisa os fatores que influenciam o comportamento das empresas e suas estratégias de inovação, indicaram o fraco desempenho dos setores público e privado no período 2015-2017.
De acordo com aquela pesquisa, pouco mais de 34% das indústrias de transformação instaladas no Brasil adotam algum tipo de inovação de produto ou processo. Dessas empresas, cerca de 30% já utilizaram algum tipo de apoio do governo federal. Para se ter uma ideia, a pesquisa realizada no triênio 2012-2014 apontou que 36% das indústrias de transformação realizaram algum tipo de inovação. A maioria dessas inovações é de natureza incremental, ou seja, o nível mais elementar de mudança tecnológica, uma vez que a maioria dessas inovações causaram mudanças básicas de design de produto ou melhorias simples de processos. Para esse tipo de setor em particular, esses números são frustrantes.
A Lei em questão surge como uma medida para melhorar esse cenário de baixo desempenho tecnológico da economia brasileira. Para tanto, sugere em, seu Artigo 5º, seis eixos para a implementação da estratégia de Inovação: i) ampliação do quadro de funcionários com ênfase no aprimoramento da formação tecnológica; ii) alinhamento entre os programas elaborados pelos entes federativos, estimulando o investimento privado à inovação; iii) desenvolvimento de soluções tecnológicas no setor público e privado; iv) proteção da propriedade intelectual; v) fomentar uma cultura de “inovação empresarial” e fomentar o desenvolvimento de mercados para novos produtos e serviços.
Para isso, a Estratégia Nacional de Inovação será formulada e coordenada pela Câmara de Inovação, que será o órgão máximo da Política de Inovação do Brasil. Entre seus onze integrantes, destacam-se as lideranças dos ministérios da Casa Civil (presidente desta Agência, vinculada à Presidência da República), Defesa, Educação, Saúde e Ciência e Tecnologia. É interessante a criação dessa agência tendo em vista o atual contexto de esvaziamento do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia. No entanto, pelo decreto, não há membros da Câmara de Inovação que representem a Sociedade Civil.
Outro ponto importante da nova regra é que em nenhum momento destacou-se o papel estratégico que as universidades públicas brasileiras desempenham para a inovação no país. De acordo com o Relatório Clarivate Analytics 2017 da CAPES – fundação pública que trabalha com o objetivo de expandir e consolidar cursos de pós-graduação de qualidade – as universidades públicas são responsáveis por cerca de 95% da produção científica do país. É o resultado dessas pesquisas que surgem as principais inovações para a indústria brasileira. No entanto, o decreto limita-se a destacar apenas o seu papel de formação de trabalhadores qualificados, propondo uma revisão dos currículos do ensino superior, cujo objetivo seria tornar a aprendizagem mais centrada “na promoção de uma abordagem mais prática, empreendedora e interdisciplinar”, ignorando a atribuição de pesquisa e extensão que, juntamente com o ensino, constituem o tripé fundamental que estrutura uma universidade pública. É na pesquisa em nível universitário, seja por meio de pesquisas autônomas ou em parcerias com empresas e institutos que ocorre a inovação no Brasil. Isso significa que, embora o financiamento para o desenvolvimento de soluções para a indústria não tenha necessariamente um investimento público direto, existe um protagonismo do Estado brasileiro.
Outro entrave que a regra se propõe a corrigir é o processo burocrático e exaustivo de registro de inovações e patentes. De acordo com o Relatório de Gestão do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) publicado em 2019, no Brasil, o tempo médio desde o início do processo de certificação até o parecer final da decisão técnica é, em média, de dez anos. Em outros sistemas como China e União Europeia, este mesmo processo dura, em média, dois anos. Além disso, de acordo com o relatório ‘Indicadores de Propriedade Industrial 2019’, cerca de 80% das patentes de invenção do instituto em 2018 são de origem de não residentes, ou seja, inovações criadas em outros países e que requerem o direito de uso exclusivo no Brasil. Para resolver isso, propõe-se a criação do Sistema Nacional de Propriedade Intelectual, cujo objetivo seria simplificar os pedidos de patentes, bem como nos processos de criação e encerramento de empresas de base tecnológica.
Outro ponto a se destacar é que essa lei também não trata das fontes de financiamento público para inovação no país. Além das fundações estaduais de pesquisa e das agências federais de fomento à pesquisa, as duas principais agências de fomento à inovação no Brasil são a Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Qualquer tipo de iniciativa que busque o aprimoramento tecnológico no Brasil deve necessariamente contar com estes atores.
É fácil perceber que há um longo caminho a percorrer para tornar o Brasil uma nação inovadora e competitiva. Os diversos atores que atuam no processo de inovação não devem ser ignorados, visto que as políticas de inovação seriam centralizadas a partir do governo central, com pouco ou nenhum diálogo com a sociedade civil. Ignorar o papel das universidades como agentes inovadores e qualificá-las apenas como instrumento de formação de mão de obra qualificada é certamente um erro, haja vista seu protagonismo para a inovação. Além disso, a ausência de uma estratégia de financiamento de ações inovadoras tornaria uma política nesse sentido inevitavelmente fadada ao fracasso.
Referência bibliográfica:
BRASIL, Instituto Nacional da Propriedade Industrial. (2019). INPI – Metas e Resultados: Balanço da Gestão 2015-2018. CGPE/DIREX.
BRASIL, Instituto Nacional da Propriedade Industrial. (2020). Indicadores de Propriedade Industrial 2019. Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI.
BRASIL. Decreto nº 10534, de 28 de outubro de 2020. Institui a Política Nacional de Inovação e dispõe sobre a sua governança. Política Nacional de Inovação, 2020.
CROSS, D., THOMSON, S., & SIBCLAIR, A. (2017). Research in Brazil: A report for CAPES. Clarivate Analytics. 2017.
Nota:
[1] Pesquisador, doutorando do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE-UFRJ). Texto originalmente publicado em 14/12/2010 em ://bras-center.com/the-new-myopic-brazilian-national-innovation-policy
Referência imagética:
https://bricspolicycenter.org/eventos/o-futuro-da-politica-de-inovacao-no-brasil-desafios-e-oportunidades/