No dia 1 de novembro de 2018, o Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP) promoveu o debate “Construindo a resistência”, o qual contou com as participações do prof. André Singer (Ciência Política – USP), do prof. Vladimir Safatle (Filosofia – USP) e da profa. Marilena Chaui (Filosofia – USP). O debate foi mediado pelo prof. Ruy Braga (Sociologia – USP). Por conta do número massivo de espectadores, o evento ocorreu no pátio do prédio de História e Geografia da USP.
André Singer organizou sua exposição em três momentos. No primeiro, realizou uma avaliação das eleições. Segundo Singer, a eleição foi mais emparelhada do que está se costumando supor. Esse equilíbrio seria fundamental para que a resistência ao governo do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL), simpático a ideias de extrema-direita, tenha em mente que praticamente metade da população votou a favor da democracia, condição elementar para que haja mais avanços sociais. Ainda no que se refere a esse ponto, Singer destacou que seria um equívoco substantivo tomar todos os eleitores de Bolsonaro como simpatizantes do fascismo. De acordo com sua análise, apenas alguns grupos – proporcionalmente pequenos diante do todo da população – o seriam. Para Singer, os eleitores votaram contra a crise econômica.
No segundo momento de sua exposição, Singer afirmou que, embora não existam indícios cabais, parece haver um projeto autoritário em andamento. Um sinal disso teria sido o aceite do juiz federal Sérgio Moro em assumir o Ministério da Justiça no governo de Bolsonaro. Segundo Singer, isso não apenas reforçaria a impressão de que a Operação Lava-Jato, conduzida por Moro, tem aspectos partidários, como sugere que essa troca de lado de Moro indicaria sua adesão a um projeto repressivo. Por fim, no terceiro momento de sua exposição, Singer indicou que é necessária a criação de uma frente democrática. A seu ver, ela já está em andamento na sociedade civil, embora os partidos políticos estejam resistindo em aderir a mesma. Ademais, Singer destacou que as instituições parecem estar divididas, como indicaria o posicionamento unânime do Superior Tribunal Federal (STF) contra a invasão das universidades.
Vladimir Safatle iniciou sua análise lendo o poema “Aos que hesitam”, de Bertolt Brecht, para indicar que situações como a que vivemos já aconteceram e foram vencidas. Segundo Safatle, a vitória dependeria de uma ação de acordo com a gravidade do momento, em que se conjugariam, nas propostas políticas de Jair Bolsonaro, o neoliberalismo e algumas das características do fascismo. De acordo com Safatle, existiram três tipos de eleitores de Bolsonaro: o primeiro seria aquele que rejeita “tudo o que está aí” e viu na candidatura de extrema-direita uma alternativa de ruptura; o segundo seria o eleitor anti-esquerda/anti-petista e o terceiro seria aquele movido por sentimentos fascistas. Em outro plano, Safatle expressou críticas àqueles que acreditam que a ascensão de Bolsonaro ao poder poderia “civilizá-lo”, até porque seu governo, a ser regido por um programa econômico que agravará a crise econômica, deverá ser marcado por uma crise permanente. Nesse caso, a crise permanente seria a forma de governo de Bolsonaro. Como estratégia diversionista, aparecerão outras pautas e disputas que evitem que as pessoas tomem consciência da estratégia econômica por ele perseguida. Retomando alguns de seus argumentos apresentados em outras ocasiões, Safatle afirmou que é preciso que a esquerda faça um esforço autocrítico que permita uma postura mais propositiva, especialmente para que se fortaleça.
Marilena Chaui organizou sua exposição em dois momentos. No primeiro, destacou que o medo era o tecido pelo qual a vida cotidiana se assentava durante o período 1964-1975, com destaque para o momento de vigência do Ato Institucional número 5. Ao analisar a vida política daquele momento, Chauí frisou a existência de milícias/esquadrões que agiam à margem da institucionalidade do Estado para reprimir os opositores do regime. Algo análogo estaria em gestação nesse momento.
No segundo momento de sua exposição, Chaui retomou a experiência de resistência organizada dos movimentos sociais e sindicais do período da redemocratização como ponto de partida para pensar possíveis estratégias para o presente. Segundo a filósofa, a resistência deve ser institucionalmente organizada em partidos, sindicatos, centros estudantis, entre outras formas. Esses grupos institucionalizados seriam responsáveis por organizar a reflexão e a ação de seus componentes. Nesse sentido, Chaui destacou que as possibilidades de ações espontaneístas e voluntaristas, com as quais a juventude atual estaria acostumada, estão provisoriamente fechadas.
O evento pode ser assistido no seguinte link:
https://www.youtube.com/watch?v=ux4rh0cHL7g