Vitor Vasquez[1]
De 1994 a 2014, o Partido dos Trabalhadores (PT) e o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) protagonizaram as eleições presidenciais no Brasil. No entanto, a competição entre os dois não se restringiu ao âmbito federal, pois ajudou a estruturar também as estratégias de candidatura para os governos estaduais (BRAGA, 2006; CORTEZ, 2009; LIMONGI; CORTEZ, 2010; MELO, 2007; MELO; CÂMARA, 2012; MENEGUELLO, 2010; SANDES-FREITAS, 2015). O fim dessa estabilidade da competição para a presidência da República ocorreu em 2018, quando PT rivalizou a disputa não com o PSDB, mas com o Partido Social Liberal (PSL), ao qual era filiado Jair Bolsonaro.
Nesse texto, analiso o que ocorreu com a competição partidária federal e estadual no Brasil a partir do encerramento da clivagem PT-PSDB. Assim, busco demonstrar que, apesar da novidade de 2018, em 2022 é possível observar padrões de presidencialização das disputas estaduais. Ou seja, mesmo com o fim da polarização PT-PSDB, as eleições estaduais permanecem sofrendo influência direta das estratégias nacionais, como sugerem as candidaturas para governador.
Melo e Câmara (2012) afirmam que três blocos estruturavam o sistema partidário brasileiro durante a clivagem PT-PSDB: um se formava pelo PT, Partido Socialista Brasileiro (PSB), Partido Democrático Trabalhista (PDT) e Partido Comunista do Brasil (PCdoB); o outro, pelo PSDB, Democratas (DEM) – antigo Partido da Frente Liberal (PFL) e atual União Brasil, após fusão com o PSL – e Partido Popular Socialista (PPS) – atual Cidadania –; e enfim o terceiro pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) – hoje somente Movimento Democrático Brasileiro (MDB) –, Partido Progressista – atual Progressistas (PP) –, Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e Partido da República (PR) – atual Partido Liberal (PL) –. Nesse arranjo, PT e PSDB eram protagonistas por serem dotados de uma “vocação presidencial”, e o MDB por ter relevância estadual, apesar de ser internamente muito heterogêneo, conformando um “agregado de preferências regionais”.
O sistema partidário nacional se estruturaria, portanto, em dois polos que firmariam alianças no âmbito federal e em alguns estados: PT, PCdoB, PSB e PDT (centro-esquerda) e PSDB, DEM e PPS (centro-direita). Além disso, haveria um outro bloco relevante formado por PMDB, PP, PTB e PR, que funcionaria como um ponto de amarração entre os polos, em função da autonomia que teriam para participar de governos, por possuírem bancadas grandes ou médias no Congresso Nacional. Entretanto, a estruturação observada não deveria ser interpretada como um cenário fixo, pois, no interior dos blocos que polarizavam as disputas, havia tensões específicas, como o declínio do DEM, iniciado na eleição pós-segundo governo FHC, a falta de perspectiva eleitoral do PPS e o crescimento do PSB (MELO; CÂMARA, 2012).
Mesmo com estas tensões, as eleições presidenciais, analisadas em conjunto, revelariam uma estruturação bipartidária entre PT e PSDB e, a partir disso, organizariam e estruturariam as disputas estaduais no país. Consequentemente, nos estados, se não prevalecesse PT ou PSDB, aparecia como força eleitoral os seus aliados históricos, especialmente PSB e DEM (LIMONGI; CORTEZ, 2010). Além do PMDB, que representaria uma força estadual à parte, com autonomia para optar por – ou competir com – um dos lados da clivagem nacional, a depender da unidade federativa. Nesse sentido, Limongi e Cortez (2010) afirmam que as estratégias de candidatura federal e estadual não envolveriam decisões independentes. Pelo contrário, os lançamentos de candidatos seriam estrategicamente coordenados, inclusive com a retirada de candidaturas de uma arena visando apoio em outra.
A presidencialização das disputas estaduais seria caracterizada, portanto, por alianças estáveis entre PT e PSB; e PSDB e DEM, que se fortaleceram com o passar do tempo. Mesmo com o rompimento temporário das parcerias em 2002 em razão da verticalização das coligações eleitorais[2], as alianças foram recuperadas em 2006 e mantidas em 2010. Nesse período, o bloco PT-PSB triplicou sua força eleitoral entre 1990 e 2004 e PSDB-DEM teve desempenho semelhante, contando, em 2010, com pouco mais de 30% do eleitorado brasileiro. Segundo Limongi e Cortez (2010), nesse contexto, haveria no Brasil três jogadores eleitorais efetivos: bloco PT-PSB, bloco PSDB-DEM e PMDB. O último figurando como único partido capaz de fazer frente aos dois blocos nas disputas estaduais. Essa estrutura de competição permaneceu vigente até as eleições de 2014, quando PT e PSDB rivalizaram na disputa federal pela última vez. Em 2018 o quadro mudou: Fernando Haddad (PT) foi ao segundo turno contra Jair Bolsonaro (PSL), encerrando a polarização PT-PSDB.
Isso, entretanto, não significou, ao menos em 2022, uma completa independência das disputas federal e estaduais. Como buscarei demonstrar a seguir, as candidaturas para governador das eleições que acontecerão em outubro deste ano refletem, em alguma medida, a articulação política presente na disputa presidencial. Para tanto, analisei os padrões de candidaturas de três blocos: PT-PSB, PL-PP e MDB-PSDB. Os dois primeiros, por conformarem as alianças dos candidatos à presidência da República que lideram as pesquisas eleitorais, Lula (PT), que tem como candidato a vice Geraldo Alckmin (PSB); e Bolsonaro (PL), que tem o PP como seu principal apoiador. O último bloco foi incluído na investigação em razão da força eleitoral que MDB e PSDB possuem na esfera estadual – mesmo atualmente – e por estarem unidos na eleição para presidente, com a chapa formada por Simone Tebet (MDB) e Mara Gabrilli (PSDB).
Os dados foram extraídos da página de política do G1[3], na seção dedicada às eleições de 2022. Todas as informações estavam atualizadas em data posterior ao fim das convenções partidárias – 05 de agosto de 2022 – que obrigatoriamente definem as escolhas dos candidatos e das coligações que participarão do pleito. Destaco que, apesar de termos federações partidárias para PT (PCdoB e PV) e PSDB (Cidadania), considerei apenas as candidaturas dos próprios partidos. De todo modo, isso praticamente não interferiu na análise, pois PCdoB, PV e Cidadania lançaram poucos candidatos para governo estadual: 1, 3 e 1, respectivamente.
Inicialmente, apresento o número de unidades federativas dentre os 26 estados e o Distrito Federal onde cada partido que compõe um dos três blocos ofereceu candidato para governador. Os dados estão dispostos no Gráfico 1.
Gráfico 1: Total de unidades federativas por partido.
Como pode ser observado, os partidos dos principais candidatos à presidência da República (PT e PL) são os que mais anunciaram candidatos a governador dentre os considerados[4]. Além disso, MDB apresentou 10 candidatos e PSDB, oito, confirmando a ambição estadual de ambos. Dentre os parceiros de PT e PL, há uma diferença entre PSB e PP, sendo que o primeiro disputará oito eleições estaduais e o último, cinco. Ou seja, ao menos considerando essas candidaturas, o PL investirá mais esforço próprio em palanques estaduais do que seu rival PT, mirando a competição federal.
Para compreender de forma mais apurada esse esforço, é preciso identificar em quais estados cada partido de cada bloco oferecerá candidaturas sem o seu aliado. Afinal, se considerarmos que as campanhas estaduais podem ser utilizadas para auxiliar a federal, os dois partidos de um mesmo bloco estarem presentes no mesmo estado pode ser interpretado como um desperdício de recursos. Isso nos leva ao Gráfico 2, no qual exponho o número de unidades federativas onde os partidos dos três blocos apresentam candidaturas isoladas ou em competição com seus parceiros de disputa presidencial.
Gráfico 2: Total de unidades federativas por bloco (membros sozinhos ou competindo).
A estruturação das competições estaduais a partir da federal surge de forma mais nítida no Gráfico 2. De todas as candidaturas lideradas por PT ou PSB, em 17 unidades federativas o partido que faz a oferta não tem seu aliado nacional como adversário. Em somente dois casos (AC e RS), PT e PSB serão concorrentes na corrida pelo governo. Perfil semelhante é observado no bloco MDB-PSDB, cujos integrantes serão competidores em apenas três unidades federativas (MS, PB e DF). Em contrapartida, em 12 estados um dos dois concorrerá sem rivalizar com seu parceiro.
Por outro lado, apesar de PL e PP também disputarem o governo em somente três ocasiões (RS, RO e SC), deve-se considerar que o PP apresentou apenas cinco candidaturas. Ou seja, em mais da metade delas o partido concorrerá contra o PL, seu parceiro nacional. Isso acompanha o que foi observado no Gráfico 1, no qual identificamos que o PP foi o partido que menos ofereceu candidaturas dentre os considerados e, por isso, o que menos poderia colaborar com seu aliado. Esse perfil não chega a surpreender, afinal, mesmo que inicialmente tenha se ventilado a possibilidade de que o candidato a vice de Bolsonaro fosse do PP (SADI, 2021), no fim, o PL optou por uma chapa pura, com Braga Neto assumindo a posição.
Em suma, os resultados apontam para uma coordenação das disputas estaduais a partir da eleição presidencial nas parcerias firmadas entre PT-PSB e MDB-PSDB. Por outro lado, o PL aposta numa candidatura mais autônoma, o que se reflete nos padrões das disputas para governo de estado.
Analisadas as candidaturas de cada bloco separadamente, resta compreender como elas se combinam, isto é, em que medida a disputa protagonizada pelos blocos na eleição presidencial ocorrerá também nas unidades federativas. Os possíveis arranjos de confronto entre os blocos são apresentados no Gráfico 3.
Gráfico 3: Total de unidades federativas por arranjo da disputa.
Em termos participativos, chama atenção que em todas as 27 unidades federativas do país há a candidatura para governo de pelo menos um partido dentre os seis pertencentes aos três blocos. E, se considerarmos somente os blocos que coordenam as campanhas de Lula e Bolsonaro, notamos que pelo menos um dos quatro partidos que os compõem oferece candidato para governador em 23 das 27 unidades federativas brasileiras. Além disso, em cerca de 1/3 das disputas estaduais, observamos o duelo federal se repetir, pois há pelo menos uma candidatura encabeçada por PT e PSB e outra liderada por pelo menos um partido entre PL e PP. Finalmente, em nove unidades federativas, a competição inclui uma candidatura de PT ou PSB e outra de PL ou PP.
Com base nos padrões observados nas candidaturas para governo das unidades federativas em 2022, percebe-se que a disputa presidencial está influenciando a competição estadual. Essa interdependência das disputas é coerente uma vez que os estados e o DF são importantes palanques eleitorais para a presidência e, ao mesmo tempo, as campanhas dos presidenciáveis podem ajudar a alavancar candidaturas estaduais.
Os principais partidos do âmbito federal apresentam candidaturas em vários estados do país e, principalmente no caso PT-PSB, isto ocorre de forma coordenada, sendo que dificilmente concorrem entre si na mesma unidade federativa. Assim, o PT novamente assume papel central nessa dinâmica, pois é protagonista na eleição presidencial e mais uma vez apresenta um padrão de candidatura altamente coordenado junto com seu parceiro histórico, o PSB.
No caso do seu principal adversário, o PL prevalece de sobremaneira sobre seu parceiro nas disputas estaduais, inclusive competindo contra ele em três das cinco unidades federativas onde o PP ofereceu candidato para o governo. Porém, mesmo sem uma coordenação explícita com seu aliado, os partidos do bloco estão presentes em 16 unidades federativas e refletem a disputa que acontecerá no âmbito federal em outras 12, ajudando, dessa forma, a presidencializar as disputas estaduais.
Em relação à chapa MDB e PSDB, mesmo encontrando pouco espaço para uma candidatura presidencial eleitoralmente viável, ela também atua de maneira coordenada nos estados. O padrão confirma a vocação estadual histórica do MDB e sugere uma estratégia do PSDB também por esse caminho, visando se restabelecer no sistema partidário enquanto força nacional.
* Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Boletim Lua Nova ou do CEDEC.
Referências
BRAGA, M. do S. S. (2006), O Processo Partidário-Eleitoral Brasileiro: Padrões de Competição Política (1982-2002). São Paulo, Associação Editorial Humanitas: Fapesp.
CORTEZ, R. (2009), Eleições majoritárias e entrada estratégica no sistema partidário-eleitoral brasileiro (1989-2006). Tese de doutoramento em Ciência Política, São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo.
LIMONGI, F., CORTEZ, R. (2010), “As eleições de 2010 e o quadro partidário”. Novos Estudos – CEBRAP, 88, pp. 21-37.
MELO, C. R., CÂMARA, R. (2012), “Estrutura da competição pela Presidência e consolidação do sistema partidário no Brasil”. Dados – Revista de Ciências Sociais, 55 (1), pp. 71-117.
MENEGUELLO, R. (2010), “Alguns aspectos da lógica de coalizões partidárias”. Textos para Discussão CEPAL/IPEA, 8, pp. 9-45.
SADI, A. Com Bolsonaro no PL, Progressistas quer vice na chapa de reeleição do presidente em 2022. G1.globo.com, Brasília, DF, 08 ago. 2021. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/blog/andreia-sadi/post/2021/11/08/com-bolsonaro-no-pl-progressistas-quer-vice-na-chapa-de-reeleicao-do-presidente-em-2022.ghtml. Acesso em: 12 mar. 2018.
SANDES-FREITAS, V. E. V. de (2015), Alianças partidárias nos estados brasileiros: das coligações às coalizões de governo. Tese de doutoramento em Ciência Política, Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas.
[1] Professor Substituto no Curso de Graduação em Ciência Política da UFPI e Professor colaborador do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFPI.
[2] A verticalização previa que as coligações firmadas em estados e municípios deveriam, obrigatoriamente, serem as mesmas realizadas no âmbito federal.
[3] Fonte: https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2022/ . Acesso em: 06 de ago. 2022.
[4] Os partidos que mais apresentaram candidaturas para governo estadual foram o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), 19, e o Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados (PSTU), 17.
Fonte Imagética: PT fez sua convenção nacional em São Paulo, mas Lula estava no Nordeste (Créditos: Gabriel Souza/PT). Disponível em https://www.em.com.br/app/colunistas/luiz-carlos-azedo/2022/07/22/interna_luiz_carlos_azedo,1381840/pt-submerge-na-campanha-de-lula-que-nao-comparece-a-convencao.shtml. Acesso em 08 ago 2022.