Entrevista – Boletim Lua Nova-Cedec
O Que é o Identitarismo? Debate sobre a questão identitária.
Entrevistado: Douglas Rodrigues Barros – Filósofo, Ensaísta e Crítico Cultural. Doutor em Filosofia pela Universidade Federal de São Paulo-Unifesp. Autor dos livros, Lugar de Negro, Lugar de Branco?: Esboço para uma crítica à metafísica racial, editora Hedra; Guy Debord. Antimanual de Leitura, editora Sobinfluências Edições; e Hegel o Sentido do Político, editora Lavra Palavra. Está lançando este mês o importante e polêmico O Que É o Identitarismo? pela editora Boitempo. Douglas Rodrigues Barros é também psicanalista e intervém constantemente no debate intelectual e político com artigos para diversos meios de comunicação.
Entrevistador: Ronaldo Tadeu de Souza – Pós-Doutor pelo Departamento de Ciência Política da USP, Pesquisador do Cedec e do GPDET-UFRJ/CNPq, é também membro do conselho editorial do projeto Dicionário Marxista das Américas.
1) Boletim Lua Nova-Cedec
Conte-nos quando e como surgiu a ideia de escrever um livro todo sobre o problema do identitarismo, Douglas? E desde já lhe agradeço em nome do Boletim Lua Nova-Cedec e do Cedec-Centro de Estudos em Cultura Contemporânea.
Eu que agradeço, estou extremamente honrado pelo convite e pela possibilidade que me traz para falar de um livro que tem importância na minha investigação há pelo menos dez anos. Esse livro acompanha o desdobramento do Lugar de negro, lugar de branco? (Hedra, 2019) e seu embrião se relaciona com minha prática militante no movimento negro. Atuo no movimento negro, pelos cursinhos populares, desde meus 15 anos (2002) e, de lá para cá, cada vez mais fui me dando conta de que uma certa gramática passou a dar os horizontes de possibilidade de ação do movimento.
Lembremos que 2001 é um ano singular na política nacional. O PT iria ascender ao primeiro governo e no momento lutávamos pelas cotas raciais. Já sabíamos, lá atrás, que as cotas se tratavam de uma política de matiz liberal, mas sua demanda, no seio do movimento, era usada para constituir um corpo político. Quer dizer, pensávamos nas cotas não como fim em si mesma, mas como plataforma de promoção para o debate da exclusão racial e sua conformação ao capitalismo dependente nacional. A ideia era abrir horizontes de expectativas nas quebradas. Foram os cursinhos populares que construíram em nós o sonho da universidade pública, então, a luta pelas cotas, naquele momento, tinha poder aglutinador e era vista só como um primeiro passo. Pelo menos esse era, para grande parte de minha geração, seu sentido: voltar para a quebrada e manter a luta pelo socialismo.
Porém, após a primeira década do governo petista – os “anos dourados” – um excedente se produziu com a prática das chamadas políticas públicas: a judicialização das demandas, que pode ser lida como construção de leis para lidar com as “identidades”, necessitava de um corpo técnico robusto e especializado – advogados, assistentes sociais, historiadores, sociólogos, psicólogos e por aí vai. Assistíamos vendados um outro lado da técnica da gestão neoliberal: a organização de uma administração contrainsurgente operada pela redução da política à tecnocracia balizada pela organização das identidades. E foi assim que ao final dos anos 2010 se tornou visível uma transformação na própria linguagem dos movimentos sociais.
De repente, palavras que soavam estranhas a nós, de tradição marxista, começaram a aparecer no seio dos debates internos aos cursinhos. Eu não me esqueço, p. ex., da estranheza que tive quando ouvi a palavra empoderamento pela primeira vez. Na época estudava economia junto à minha companheira e estava lendo os manuais dos cursos. Num desses livros técnicos a palavra empoderamento estava no mesmo capítulo que falava sobre Just in time! Então, escutar essa mesma palavra, debatendo a organização do movimento popular, me deu, digamos assim, um primeiro sinal de alerta. Aos poucos, com efeito, fui me dando conta de que éramos atravessados por uma forma administrativa que organizava o horizonte de possibilidades dos movimentos sociais e ia se operacionalizando como técnica de governo.
Na época, por volta de 2011, ignorei, mas, a história tem suas astúcias. Quando 2013 chegou, muitas coisas que aconteciam nas catacumbas passaram a ganhar terreno. Por isso, eu leio Junho como um Acontecimento que despiu aquilo que não estava no horizonte da gestão: o modelo de gestão das demandas sociais via identidade, organizado pelos anos lulistas, havia sido posto finalmente em suspensão. De repente, ficou claro que a técnica, embora tenha aparentemente amansado uma década inteira (aparentemente porque se pegarmos os dados das greves e do assassinato policial essa ideia de paz se desfaz), estava se entravando por uma crise que desabrochava tardiamente no capitalismo nacional – reflexo ainda daquilo que se chamou no mainstream de Subprime de 2008.
Foi, portanto, com a derrota de Junho que a reaglutinação das forças da ordem reafirmou de maneira ainda mais radical a judicialização identitária – a tentativa de respostas governamentais através da lei pela identificação das demandas de grupos de pertencimento. É aqui que a contemporaneidade do identitarismo passa a se tornar perceptível a todos. Em 2014, já era tangível a presença do discurso identitário nas esquerdas. O engraçado é que o debate já estava posto desde o fim das décadas vermelhas (anos 1960-70). Muitos teóricos – Kurz, Postone, Badiou, Rancière, Butler, Malabou, Federici, Bauman, Arantes, Schwarz, Chauí etc., – intuíam nos anos 1980 e 1990 uma nova gestão da vida social que reordenava todo quadro administrativo e bania o conflito próprio à política abreviando tudo à tecnocracia econômica. O excesso dessa prática, que redefiniu o Estado a um agente financeiro, foi a gestão das identidades não absorvidas pela modernização capitalista após o colapso do mundo fordista. Foi ao me dar conta disso que passei a escrever o livro que agora sai pela Boitempo.
2) Boletim Lua Nova-Cedec
Vamos para as polêmicas da ordem do dia. Quem são seus adversários implícitos na obra? A esquerda identitária? A direita intransigente? O movimento negro liberal? E por quê?
É curiosa essa pergunta porque ela parte da ideia de que há uma certa escolha, um certo agenciamento das forças que podem ser disputadas. Trocando em miúdos, essa pergunta coloca em primeiro plano agentes capazes de optarem conscientemente em ser ou não identitários. Se eles optam então são meus adversários. O que, todavia, mostro no livro é que não é bem assim. Continuamos sendo dominados por forças que nos atravessam e que se organizam por trás de nossas costas, como dizia o bom e velho Marx. Vejo no identitarismo um modelo ideal de gestão neoliberal da vida social.
Não se trata de um mero ato de escolha, mas de uma imposição sistêmica, estruturada para organização das demandas de grupo, orientada pelo novo papel de um Estado financista e gestor. Num horizonte em que a crise se torna modo de gestão, o sobrevivencialismo é posto como norma. Sem horizonte de expectativas sociais, todos somos reduzidos a um apego pela sobrevivência de si – e da família – disfarçada sob o eufemismo de empreendedorismo. É nesse processo que as identidades são comprimidas às demandas por “políticas” focadas: um modelo gerencial do Estado regulado pela eficácia. Trocando em miúdos, esse modelo serve para dissuadir qualquer politização e solidariedade com os outros – aqueles que estão fora da minha identidade, p.ex. O identitarismo é, portanto, um paradigma de gestão. Evidentemente, tenho inimigos, não adversários, e eles são a extrema-direita.
É claro que no interior dessa forma de sociabilidade, que nasce de uma revolução interna do capitalismo, haverá espaço para adesão e negação ao que está posto. Vemos adesão a um discurso que constrói a noção de que a identidade e o seu pertencimento é a finalidade última da política, entretanto, também vemos uma recusa a esse fechamento identitário que extirpa a alteridade e busca um tipo de pureza imaginária. Enfim, enquanto há gente, há contradição. É preciso, no meio disso, levar em consideração de maneira séria que na forma como Estado e Capital organizam hoje a vida social, o identitarismo é uma imposição administrativa. Quer gerir o Estado? Então já se tornou um colaborador. Eis o ponto!
3) Boletim Lua Nova-Cedec
Quais são os equívocos que eles cometem ao abordar o problema do identitarismo ou da mal falada política identitária?
O equivoco que se comete na crítica ao identitarismo se vincula, principalmente a uma falta, qual seja: crítica da economia política. Partindo de um politicismo tacanho, esses “críticos-críticos”, para usar um termo de Jenny Marx, constroem a ideia de que ser identitário é uma mera escolha ética. É um assombramento idealista que vê nas práticas dos movimentos sociais mera adesão acrítica sem observar que movimentos ou partidos se tornaram reféns de uma engenharia de gestão do capital, balizada por um horizonte de expectativas decrescentes, que precisa ser interpretada.
Eu sou radicalmente anti-identitário, mas para isso precisei apreender do que trata isso que se chama identitarismo. Quando olhamos para trás percebemos que a reestruturação de empresas e flexibilização da produção, numa cadeia global, só foi possibilitada pela tecnologia da informação que induziu uma transformação fundamental: a administração descentralizada que causou a individualização do trabalho guiado, sobretudo, pela concorrência. Os críticos do identitarismo falam muito de classe trabalhadora, mas não levam em consideração, ou raramente o fazem, a transformação radical na morfologia do mundo do trabalho.
A produção enxuta, governada pela demanda do mercado em tempo Just in time, foi paralela à ofensiva contra aquilo que havia se estabelecido no fordismo. Subcontratações, terceirizações e redução do quadro de funcionários marcam essa mudança que dinamita aquela solidariedade possível no chão de fábrica. Paralelamente, a produtividade levou aquilo que Marx tinha previsto: a queda tendencial da taxa de lucro. Se não se leva em consideração que a transformação do trabalho, aliada à revolução do tempo de produção e de circulação, mudou substancialmente a forma como as mercadorias chegam ao mercado consumidor; se não se levar em consideração que a flexibilidade generalizada causou condições de trabalho multifacetadas operando uma transformação também em torno do sujeito que, cada vez mais individualizado, precisou se especializar para acompanhar um mercado de trabalho em permanente revolução; se não observa-se que a tecnologia da informação acompanhou todo esse desenvolvimento transformando radical nossa relação com o espaço e o tempo… Então fica difícil entender o identitarismo.
Esse é o ponto: a reestruturação produtiva ocasionou também uma reestruturação da engenharia social que, por sua vez, causou uma concorrência entre trabalhadores levando à individualização e à autorresponsabilização no lugar da velha solidariedade de classe. Falar de classes, com um idealismo ingênuo pré-hegeliano em 2024, não dá. Se a individualização organiza os currículos também constitui os contratos cada vez mais dependentes de condições individuais de negociação. E o que tudo isso tem a ver com o identitarismo? Na transformação das relações de reprodução da vida social, após a crise de 1970, também ficou patente que a ideologia da modernização, que resolveria os espólios coloniais, tinha chegado ao fim. As formas de identificações de grupos do Estado fordista, que manteve a herança colonial e misógina, permaneceram sem ser subsumidas à modernização. Assim, o novo desafio da engenharia administrativa no capitalismo pós-fordista estava lançado: como efetuar uma administração de contrainsurgência com essas identidades que permaneceram num lugar subalternizado? Como manter o terreno livre do conflito político que elas pudessem ocasionar? É aí que entram as chamadas políticas da identidade organizadas a partir das demandas do BIRD (Banco Mundial). Essas identidades passam a ser policiadas inclusive por aquilo que restou da esquerda. Eis, como o identitarismo se torna uma marca contemporânea.
4) Boletim Lua Nova-Cedec
Como a partir do seu livro você vê a posição de acadêmicos e escritores como Antonio Risério, Wilson Gomes, Aldo Rabelo etc?
Sinceramente, elas são insuficientes porque perdem de vista justamente a crítica da economia política e deixam de lado a minha querida dialética. O tom conservador, no sentido de que vivíamos uma era de solidariedade de classes e, agora, “esses identitários” roubaram nosso pomo de ouro, marca justamente essa insuficiência. É um politicismo que não leva em consideração que as práticas ongueiras e toda parafernália, que endossa o identitarismo na gestão, tem como princípio manter as estruturas do capital intactas. O tom nostálgico marca-se, sobretudo, pela ideia do antigo sujeito moderno, venturoso e em cima do cavalo da história; uma era dourada em que a consciência de classe estava disponível a todos.
Vale ressaltar, como esses dias meu grande amigo Cian Barbosa disse, que, não bastasse toda tralha ideológica do fordismo que anima suas linhas, a crítica dos pretensos críticos costuma fazer ode a uma suposta originalidade cultural da identidade brasileira – essa coisa nunca encontrada, objeto perdido de saída – com muitos riscos de fomentar a fantasia, já combatida por grandes integrantes do MNU, de um “mesticismo” dos trópicos. Na leitura que fazem trata-se de uma suposta superação das contradições raciais, numa apreensão imaginária da sociedade brasileira na qual, sendo todos os gatos pardos, os lugares do negro e do branco já não mais existissem – não preciso dizer a quem esse discurso serviu. Um discurso neodesenvolvimentista que busca resgatar o violento guarda-chuva da identidade nacional. Essa posição recai por vezes numa separação entre o racial e o social (como acontece com alguns críticos das cotas raciais), como se a racialização, para lembrar Fanon, não tivesse justamente uma sociogênese. Se a dimensão do racial não é social, o que é? Biológico?
Eu estou em outra, a meu ver, os movimentos, policiados por essa nova engenharia social, são reféns de uma lógica estruturada a partir da revolução interna no capitalismo. A política global, nas chamadas democracias ocidentais, se reduziu à gestão e, nessa redução, a gestão das identidades – chamada de política da identidade – é só parte de um problema maior que inclusive coloca em xeque a maior parte de nossas categorias para interpretar o mundo. O nosso esforço deve ser maior do que ficar à procura de um bode expiatório que possa responder pela crise social que passamos.
5) Boletim Lua Nova-Cedec
Qual sua opinião sobre o modo como o establishment se apropriou dessas reivindicações, por assim dizer das minorias, que não são tão minorias assim? Estou pensando aqui nas Organizações Globo, os setores de diversidade de grandes bancos, os institutos culturais. Qual a consequência disso em sua avaliação?
Vou começar pela consequência: o esvaziamento da potencialidade política de abrir caminhos à solidariedade global. No meu livro deixo claro que para além de uma forma de gestão do capitalismo tardio, o identitarismo também se forja pela ideia de que a identidade é substancial. Uma ideologia da essencialidade e do pertencimento que rompe com a dimensão de construção da identidade junto à alteridade. O que no fim leva à lógica fascista. Como bem mostra Dubois, toda identidade se constrói historicamente através dos revezes culturais alicerçados na reprodução material da vida. Então, o mais importante é levar em consideração que a identidade é um paradoxo em si mesma: ela precisa do outro para lhe delimitar se constituindo como uma ilusão para sempre perdida. É preciso explicar o que significa ilusão aqui: não se trata de algo falso e sem implicações, mas uma ilusão necessária que organiza a sociabilidade e, portanto, tem impactos fundamentais na concretude.
A grande questão é que o modo de gestão do capital pós-fordista se deu conta que, ao fracassar os ideais liberais de absorção das identidades excluídas dos processos de modernização, era necessário organizá-las a partir das relações de mercado. É aqui que o establishment entra: se a identidade se dá por uma construção e não por uma descoberta, o trabalho de redirecionar essas identidades, originadas no início da modernização, para as demandas de consumo não é tão árduo. Aliás, se a gente volta em Benedict Anderson vemos o quanto o trabalho da identidade (no caso dele, a nacional) é orientado pelo poder da imprensa e do livro. Cumpre dizer que o trabalho dos algoritmos não pode ser esquecido: a tecnologia da informação e o modo como se estruturou a web, sob monopólio das bigtech’s, tem um papel especial nessa gestão. Isso é algo que discuto no livro.
O golpe vem a prazo: disputar o passado à luz do presente – reescrever a memória da escravidão ou transformar os Panteras Negras em Pantera negra p.ex., – para despotencializar qualquer politização, que parta da singularização de uma identidade excluída, tem sido o trabalho de polícia das mídias, das redes e dos gestores. A ideia é simples: um regime identificatório em escala ampliada, possibilitada pela algoritmização da vida social, marcado pela impossibilidade de uma identidade se vincular com outra. Coisa indígena é de indígena, coisa de negro é de negro e por aí vai. Cada um no seu quadrado. Essa tem sido a contribuição do establishment: cada um no seu lugar de fala. Não há um único edital hoje que deixe de se marcar por essa orientação, não há uma única publicidade que não seja feita tendo em vista o tom multicultural.
6) Boletim Lua Nova-Cedec
Qual a contribuição das várias disciplinas, por exemplo, a psicanálise, a filosofia, a sociologia, a teoria cultural para O Que É o Identitarismo?
Fica difícil falar sobre isso. O livro foi reescrito muitas vezes e em todas elas diferentes arsenais foram usados. A transdisciplinaridade efetivamente marca suas linhas. Transdisciplinar, mas jamais eclético!
7) Boletim Lua Nova-Cedec
Qual sua posição com relação, especificamente, a filosofia, sua disciplina de origem sobre a questão da raça, da negritude, dos cânones? Sei que você é leitor voraz de Lélia González, além dela quais são os pensadores e pensadoras negras brasileiras que mais tem contribuído para suas reflexões?
Curioso que só há pouco tempo consegui identificar o motivo de minha relação ambígua com a filosofia e foi graças a Lacan. Sempre tive uma relação de amor e ódio; amor pela possibilidade e desafio que o exercício filosófico lança diante daquilo que está posto, ódio porque também o pensador está amarrado ao seu tempo e, muitas vezes, preso à sua ideologia. Lacan diz que a filosofia é a traição do saber produzido pelo escravo. Uma traição que faz com que esse saber seja expropriado pelo senhor. Claro, isso está em Hegel, ou melhor, é uma leitura crítica de Hegel (como dizia Lacan, o mais sublime dos histéricos). Veja que a crítica que Lacan faz é contundente: a filosofia seria o exercício de expropriação de um saber produzido pelo escravo e entregue ao senhor pelas mãos do filósofo. Uma crítica que, no entanto, tem muita razão de ser.
Por exemplo, quando olhamos para a questão da raça. Essa questão sempre foi uma espécie de tabu na filosofia moderna e mesmo na contemporânea. Apesar de estar no centro da forma de sociabilidade e ser responsável pela modernização das forças produtivas e das relações de produção – afinal não fosse o dispêndio da força de trabalho escravizada dos racializados não haveria possibilidades de modernização – a noção racial não se tornou durante muito tempo um problema filosófico. Quando foi pensada, tangencialmente, foi desastroso. Você sabe, meu doutorado foi em Hegel. Imagine só que o grande filósofo alemão – o maior de todos, para mim – só tinha seis livros de viajantes que narravam histórias exóticas sobre a África e a partir dessa bibliografia suspeitíssima ele tirou as desastrosas conclusões que conhecemos.
Denise Ferreira, que estou lendo agora, deixa muito claro como a exclusão do debate sobre raça na filosofia se organiza justamente porque a formação social, demarcada pela racialização, organiza uma ontoepistemologia excludente. Então assim, a filosofia contemporânea tem contas a ajustar com a noção racial. Daí, talvez, minha relação amorosa com a filosofia se firme porque só um exercício filosófico-crítico pode propiciar isso. Apesar da crítica de Lacan, e apesar de entender de maneira contundente essa crítica, acredito numa fórmula gramsciana: a filosofia pode estar nas ruas e nas fábricas. Quer dizer, de certa maneira, ainda acredito que o exercício filosófico pode destituir o monopólio do saber dos senhores.
Por fim, você já deve ter reparado que hoje Denise Ferreira é uma pensadora que dou bastante atenção, apesar de ser da analítica e eu… da dialética. Neusa Santos e Isildinha Baptista tem sido grandes companhias também, além, do meu mano, Deivison Nkosi. Aliás, todos foram fundamentais para o livro: O que é identitarismo?
Obrigado!