Laura Martins Oliveira Santos[1]
23 de maio de 2025
Esta publicação faz parte de uma série especial de análises sobre a 17ª Cúpula dos BRICS, que ocorrerá no Brasil sob a presidência rotativa do país em 2025. Fruto de uma nova parceria entre o Boletim Lua Nova e pesquisadores do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília, esta série visa aprofundar o debate sobre os principais temas, prioridades e desafios que marcarão este importante encontro multilateral.
***
Sob o lema “Fortalecendo a Cooperação do Sul Global para uma Governança mais Inclusiva e Sustentável”, o Brasil assumiu em 2025 a presidência da 17ª Cúpula dos BRICS. O acrônimo BRICS refere-se à coalizão formada por Brasil, Rússia, Índia, China e, desde 2010, África do Sul. Em 2024, o grupo foi ampliado com a entrada de novos países — Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Egito, Etiópia e Irã — passando a ser informalmente chamado de BRICS+. Embora o grupo tenha sido originalmente concebido como uma união de potências emergentes voltada para a reforma da governança econômica internacional, sua agenda expandiu-se nos últimos anos, incorporando temas de segurança, cultura, saúde e, mais recentemente, meio ambiente e clima. Esse deslocamento reflete a crescente interdependência entre as agendas de desenvolvimento e sustentabilidade, bem como o reposicionamento estratégico do bloco em um contexto internacional cada vez mais fragmentado e competitivo.
No campo ambiental, a presidência brasileira tem buscado articular uma agenda ambiciosa centrada na integração da governança climática ao regime internacional que rege o tema — marcado por uma multiplicidade de atores, normas e arenas decisórias. Nesse contexto, o BRICS atua como um polo normativo alternativo, buscando contestar a centralidade de mecanismos dominados pelo Norte Global. A aposta brasileira se insere, portanto, numa estratégia de afirmação diplomática baseada no Soft Power ambiental e na liderança do Sul Global em iniciativas de financiamento, resiliência e transição justa.
Atuação do grupo em negociações climáticas
A institucionalização da pauta climática no BRICS ganhou impulso a partir de 2015, com o alinhamento ao Acordo de Paris e ao Sendai Framework. Em declarações sucessivas, os países passaram a defender abordagens integradas de mitigação e adaptação, além de iniciativas de financiamento Sul–Sul. Um exemplo disso foi a criação do Arranjo Contingente de Reservas (ACR), aprovado na 7ª Cúpula (Fortaleza, 2015), que, embora voltado à estabilidade cambial, revelou a capacidade institucional do bloco de reagir de forma conjunta a choques sistêmicos. Ainda que não diretamente concebido como instrumento ambiental, o ACR representa um exemplo de como o BRICS pode mobilizar estruturas financeiras comuns para dar suporte a crises que têm impactos diretos sobre a capacidade de resiliência climática.
Contudo, persistem tensões internas significativas. A China, apesar de anunciar neutralidade de carbono até 2060 e ser o maior investidor mundial em energia limpa, continua com a ampliação de sua matriz baseada em carvão, o que levanta dúvidas sobre sua ambição climática de curto prazo. A Rússia, pressionada por interesses energéticos e por sanções internacionais, bloqueia avanços em compromissos multilaterais, como a eliminação gradual de combustíveis fósseis. Essas posturas refletem uma lógica realista de defesa de interesses nacionais que tensiona o discurso coletivo do BRICS e limita sua coesão como bloco. Durante a COP 27, em 2022, essas assimetrias foram visíveis: o grupo não atuou de forma coordenada e as negociações se concentraram no formato BASIC (Brasil, África do Sul, Índia e China), com a Rússia relativamente isolada.
Além disso, a recente expansão do BRICS, que passou a incluir Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Egito, Etiópia e Irã, adiciona novos desafios à articulação interna do bloco, inclusive na agenda ambiental. Muitos desses países possuem economias fortemente baseadas em combustíveis fósseis, como Arábia Saudita e Emirados Árabes, o que pode limitar sua disposição em assumir compromissos ambiciosos de descarbonização. Além disso, rivalidades geopolíticas históricas, como entre Irã e Arábia Saudita, embora atenuadas recentemente, ainda influenciam suas estratégias diplomáticas. O Egito e a Etiópia, por sua vez, enfrentam disputas sobre o uso das águas do Nilo, exemplificando como divergências regionais podem se refletir também na dinâmica do bloco ampliado. A entrada desses novos membros, portanto, amplia a diversidade de interesses econômicos e estratégicos, tornando mais complexa a construção de uma agenda climática coerente e efetiva no âmbito do BRICS.
Focos da presidência brasileira na pauta ambiental
Apesar dos limites, a presidência brasileira tem buscado avançar em quatro frentes: i) conservação de biomas e combate ao desmatamento; ii) transição energética justa; iii) financiamento climático Sul–Sul; e iv) justiça ambiental e inclusão social. O presidente Lula tem reiterado, em pronunciamentos e visitas oficiais, a necessidade de um novo multilateralismo ambiental: “Negar a crise climática não a fará desaparecer. Precisamos de cooperação internacional robusta, com foco na inclusão e na justiça”. Internamente, o governo também avançou com o lançamento do Programa de Aceleração da Transição Energética (PATEN) e a proposta de criação um Fundo de Perdas e Danos provocados pelas mudanças climáticas no âmbito do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES).
Preparações e Debates para a COP 30
No contexto da preparação para a COP 30, que ocorrerá em novembro em Belém, o BRICS tem buscado fortalecer sua capacidade de proposição através da articulação de acordos setoriais sobre a descarbonização dos transportes, assim como sobre as emissões na aviação e na navegação internacional. Além disso, tem buscado discutir a criação de um mercado voluntário de carbono. Paralelamente, a proposta brasileira de um Conselho de Mudanças Climáticas da ONU com mandato vinculante reflete uma tentativa de reformar a governança global do clima, conferindo-lhe maior eficácia normativo-institucional. Nesse cenário, o fato do Brasil sediar a COP 30 não apenas confere legitimidade diplomática ao país, como também o posiciona estrategicamente como ponte entre as agendas climáticas globais e as demandas regionais do Sul Global.
Com esse objetivo, o governo brasileiro tem intensificado o diálogo com os demais países do BRICS, buscando alinhar posições e ampliar a influência do grupo nas negociações multilaterais. Em abril de 2025, por exemplo, durante uma reunião ministerial realizada em Brasília, os ministros do Meio Ambiente dos países membros aprovaram uma declaração conjunta que elenca prioridades para a COP, entre elas a atualização das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) e o fortalecimento do financiamento climático. Ademais, aproveitando a presidência rotativa do BRICS em 2025, o presidente Lula tem promovido a articulação com parceiros estratégicos, como o Vietnã, convidando-os a participar tanto da cúpula do bloco quanto da conferência climática, o que reforça o papel do Brasil como articulador político e diplomático na agenda ambiental internacional.
Em perspectiva comparada, Brasil e China emergem como atores centrais, ainda que por caminhos distintos. O Brasil aposta em uma diplomacia ambiental normativa, centrada na proteção de biomas e no discurso de justiça climática. A China, por sua vez, promove uma diplomacia verde voltada à exportação de tecnologias e à criação de zonas de baixa emissão de carbono em países em desenvolvimento. Ambos, no entanto, enfrentam o desafio de harmonizar a ambição climática com realidades domésticas, marcadas por pressões econômicas e desigualdades sociais.
Ao final, o BRICS avança como um ator relevante na construção de uma agenda climática equitativa, mas sua atuação ainda é condicionada por divergências internas, limitações institucionais e disputas por hegemonia normativa. A presidência brasileira representa uma oportunidade de afirmação diplomática, mas também um teste da capacidade do bloco de transformar consensos discursivos em mecanismos efetivos diante da urgência da crise climática global. Finalmente, é possível pontuar que, comparado a outros blocos multilaterais, como o G7 ou o G20, o BRICS se diferencia por promover uma arquitetura climática descentralizada, assentada na pluralidade de modelos de desenvolvimento e na valorização da cooperação Sul–Sul. No entanto, essa abordagem ainda depende de institucionalização mais robusta e de compromissos práticos mais coesos para consolidar seu papel na governança climática global.
* Este texto não reflete necessariamente as opiniões do Boletim Lua Nova ou do CEDEC. Gosta do nosso trabalho? Apoie o Boletim Lua Nova!
[1] Graduanda de Relações Internacionais pela Universidade de Brasília, bolsista do CNPQ.