Ana Araújo1
16 de abril de 2025
O Integralismo foi um movimento político de extrema-direita que defendia o ultranacionalismo, o catolicismo, o conservadorismo e o corporativismo. Os integralistas foram influenciados pelos princípios do fascismo italiano. Para divulgar sua ideologia e arregimentar adeptos, eles criaram bibliotecas, escolas, centros de pesquisa e ambulatórios (Câmara dos Deputados, 1961). Da mesma forma, os jornais integralistas atuaram como tática de recrutamento, pois funcionaram como veículos de informação e circulação de ideias do movimento. Plínio Salgado (1895-1975), fundador da Ação Integralista Brasileira (AIB) em 1932 e conhecido como “o chefe”, insistiu que o movimento deveria se preocupar com a educação e a alfabetização.
Segundo o jornal Monitor Integralista, de 7 de outubro de 1937, existiriam três mil escolas integralistas de alfabetização e de ensino profissional neste ano, espalhadas pelo Brasil (Salgado, 1937, n. 22). O jornal se vangloriava do crescimento do partido político, por isso, não é uma estatística completamente confiável. Apesar de não haver uma certeza em relação à quantidade de escolas, elas, de fato, existiram e as fotografias e notícias na imprensa da época comprovam a construção delas. A maioria dos espaços educativos funcionava dentro dos núcleos da AIB, mas também existiam em colégios regulares.
Antes de fundar a Ação Integralista Brasileira, Salgado já demonstrava interesse na educação como instrumento político. Durante seu mandato como deputado estadual em São Paulo, pronunciou um discurso, no dia 25 de dezembro de 1929, referente ao projeto de premiação aos livros escolares. Em seu pronunciamento, discorreu sobre o povo brasileiro estar em formação sociopolítica. Por isso, Salgado considerava a educação como elemento vital para o sucesso do país, pois, através dela, o cidadão brasileiro aprenderia as virtudes cívicas e a idolatrar os símbolos nacionais. O deputado afirmou que, para garantir o futuro do país, era de suma importância “a formação espiritual da criança brasileira” (Salgado, 1929, p. 229). Sob essa perspectiva, o integralista era a favor da elaboração de livros escolares que fossem propriamente brasileiros, isto é, escritos com a finalidade de representar a nação, contendo, em seu material, a glorificação dos símbolos e dos personagens históricos da pátria.
Educação no discurso Integralista
A politização da educação foi uma dimensão priorizada no discurso integralista. Em seus estatutos, o movimento declarava-se como um “centro de estudos e cultura sociológica” (Estatutos da Ação Integralista Brasileira, 1934). Afirmava, assim, desde sua fundação, uma natureza educativa. Como centro de estudos, os integralistas propuseram “desenvolver uma grande propaganda de elevação moral e cívica do povo brasileiro” (Estatutos da Ação Integralista Brasileira, 1934). Em outras palavras, o Integralismo objetivava guiar e orientar as massas para a formação de uma nova cultura filosófica e jurídica, capaz de integrar dimensões cívicas e morais. E por que as massas precisavam ser guiadas? De acordo com a ideologia da AIB, a sociedade brasileira, assim como as outras, estava corrompida por vários males, que foram trazidos pelo estrangeirismo, como o comunismo, o liberalismo e o materialismo (Salgado, 1932).
No primeiro escrito oficial do Integralismo, o Manifesto de Outubro de 1932, Salgado afirmava que o cosmopolitismo deve ser combatido porque prejudicava o nacionalismo (Salgado, 1932). A sociedade brasileira do século XX estaria deturpada pelo internacionalismo, de modo que o elemento nacional já não seria mais presente no país. Logo, o indivíduo estava passando por um processo de desagregação por conta da contaminação de valores negativos e perniciosos. A massa popular era, para o chefe integralista, um monstro estúpido e inconsciente e precisava ser educada (Salgado, 1936).
Ademais, as massas eram tidas como ingênuas. Elas acreditavam no republicanismo brasileiro e seus partidos políticos, os quais, na visão de Salgado, somente se importavam com a conquista do poder nos âmbitos pessoais e econômicos, promoviam falsas eleições e manobravam o jogo político a partir da dinâmica estadualista (Salgado, 1932). Para superar essa crise, Salgado achava que os brasileiros tinham que se tornar homens integrais. Somente assim conseguiriam alcançar a Revolução Espiritual, que é a maior concepção filosófica do Integralismo. Como essa revolução é obtida? Por meio da educação integral, para o homem integral” (Salgado, 1959, p. 8).
Dessa forma, o Estado Integral seria implementado, segundo Salgado. Isto pode ser explicado pelo fato de que, para a AIB, a questão espiritual estava acima de todas as outras: “o primado do espiritual sobre o moral, do moral sobre o social, do social sobre o nacional, do nacional sobre o individual” (Salgado, 1936, p.1). Hélgio Trindade, um dos maiores estudiosos brasileiros do Integralismo, apontou, em seu livro Integralismo: o fascismo brasileiro na década de 30, que a maioria dos integralistas acreditava na tomada pacífica do poder, como consequência de uma revolução espiritual que já estava se concretizando (Trindade, 1974). Naturalmente, o Estado assumiria uma forma e um conteúdo integral. Entretanto, para que isso ocorresse, novas formas de mentalidade precisavam ser impostas e elas seriam efetivadas por meio da educação. No livro Palavra nova dos tempos novos, Salgado chegou a falar de um “povo-criança”, que precisava ser vigiado e disciplinado (Salgado, 1936).
Escolarização Integralista
No livro ABC do Integralismo, o Secretário do Departamento Nacional de Doutrina da AIB, Miguel Reale, afirmava que a escolarização era função do Estado Integral: “dever fundamental do Estado, no interesse de sua própria estabilidade e progresso material e moral” (Reale, 1935, p. 133). Para antecipar o objetivo, os integralistas criaram uma estrutura para promover as atividades pedagógicas. A Secretária Nacional de Arregimentação Feminina e Plinianos (S .N .A .F. P) era a responsável pela educação das massas integralistas, enquanto o Departamento Nacional de Doutrina era encarregado de fornecer educação para as elites do movimento. Ambos departamentos, uma vez que se destinavam a públicos diferentes, ensinavam conteúdos distintos.
Os cursos oferecidos pela S.N.A.F.P costumavam ser mais abrangentes e englobavam, em muitos casos, alfabetização, aulas de história militar e do Brasil, cursos de cunho cívico e atividades físicas. Diferentemente, o Departamento Nacional de Doutrina ofertava cursos mais específicos, como Noções de Direito Corporativo e História Social Brasileira. Havia uma preparação de aprendizado divergente para as elites e massas, porque o objetivo era que as elites integralistas, por meio dos cursos especializados, assumissem cargos e posições na administração da AIB. Por isso, nas palavras de Salgado, os colégios integralistas eram uma “escola de comandantes” (Salgado, 1937). Embora houvesse distinção de conteúdo, a educação do movimento era direcionada a todos, independente de raça, gênero ou idade.
As dimensões cívicas, morais e físicas estavam incutidas na visão educacional integralista, a qual reproduzia valores que também se encontram no fascismo italiano. A formação pliniana tinha como premissas o sofrimento, a obediência e a disciplina. Sofrimento porque era ensinado ao militante que, independentemente de ouvir críticas ao Integralismo, tinha que defender seu partido e continuar aplicando a palavra do movimento para as pessoas. Obediência porque, mesmo quando o militante não concordasse com as regras e ordens de seus superiores, deveria acatar o que foi exigido. A hierarquia era muito valorizada no movimento, de modo a evitar uma possível desordem e anarquia dentro da Ação Integralista Brasileira. Para os integralistas, apenas aquele capaz de seguir as ordens sem questionar conseguiria comandar. Por fim, disciplina, porque era exigido dos militantes o cumprimento das vastas normas do movimento: uniformes, juramentos, saber o hino, dentre outros deveres demandados.
A construção das estruturas educacionais foi amplamente divulgada nos jornais do partido. No jornal A Offensiva, sediado no Rio de Janeiro sob a direção de Salgado, havia sempre artigos destinados à educação integralista, seja para homens ou para mulheres. Eram noticiadas a construção de mais uma escola ou a realização de curso ofertado em um específico núcleo do partido. Essas notícias contidas nos jornais divulgavam o movimento e mostravam seu crescimento e a expansão deste pelo país.
As escolas não só serviam ao propósito de formar os indivíduos, como o discurso integralista afirmava, elas também eram uma tática para doutrinar e recrutar pessoas ao movimento. Em outras palavras, possuíam como objetivo a produção sistemática de eleitores. De acordo com a pesquisadora Rosa Maria Cavalari (1999), os integralistas recorreram a um programa de alfabetização para recrutar pessoas para o movimento. As Cartilhas do Pliniano produzidas pelos núcleos locais ilustram essas ações. Na cartilha do Núcleo de Rio Claro, por exemplo, eram dadas instruções para os membros do partido. Estes deveriam estar inscritos regularmente, comparecer a todas as reuniões doutrinárias do seu núcleo, incentivar amigos e familiares a participarem das reuniões públicas do Integralismo, comprar e assinar os jornais do partido. Também era obrigação dos plinianos “ser eleitor, salvo se não preencher as exigências da lei, e votar nas eleições que se realizarem no seu distrito” (Cartilha do Pliniano, 1934, p. 3).
A questão eleitoral torna-se mais clara ao considerarmos que, a partir de 1936, houve um aumento significativo na construção das escolas de alfabetização integralistas, amplamente divulgadas nos jornais da AIB. Nesse contexto, é importante lembrar que, até a Constituição de 1988, os analfabetos eram proibidos de votar no Brasil. Além disso, o Integralismo já estava formalizado como partido político e as eleições presidenciais estavam previstas para janeiro de 1938. Portanto, havia um esforço estratégico da AIB voltado à eleição de Plínio Salgado como presidente, o que tornava essencial a ampliação do eleitorado alfabetizado. No entanto, esses planos foram frustrados por Getúlio Vargas (1882-1954), que cancelou as eleições e proibiu os partidos políticos ao instaurar a ditadura do Estado Novo em 1937, impedindo Salgado de participar do processo eleitoral.
Ao contrário do fascismo italiano, que nasceu sem uma doutrina e levou muitos anos até formulá-la, o integralismo brasileiro foi criado com uma filosofia e um programa bem definido. A política escolar da AIB representava o espaço cultural e educacional do Integralismo, no qual sua doutrina era difundida. Mas era, também, um modo institucional de recrutar pessoas para o movimento. O integralismo foi, assim, o primeiro partido a utilizar as escolas como instrumento político privado.
* Este texto não reflete necessariamente as opiniões do Boletim Lua Nova ou do CEDEC. Gosta do nosso trabalho? Apoie o Boletim Lua Nova!
Referências bibliográficas:
Câmara dos Deputados. Dados bibliográficos para o livro Brasil e Brasileiros de hoje – original para a coleção do Museu Histórico Nacional –. São Paulo: Arquivo Público e Histórico do Município de Rio Claro, 1961.
Cartilha do Pliniano. São Paulo: Arquivo Público e Histórico do Município de Rio Claro,
1934.
Cavalari, Rosa M. Feiteiro. Integralismo: ideologia e organização de um partido de massa no Brasil (1932-1937). Bauru, São Paulo: Editora da Universidade do Sagrado Coração, 1999.
Estatutos da Ação Integralista Brasileira. Aprovados no I Congresso Integralista. Vitória
-ES, 1934.
Reale, Miguel. ABC do Integralismo. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1935.
Salgado, Plínio. Prêmios a livros escolares. São Paulo: Arquivo Público e Histórico do Município de Rio Claro, 1929.
Salgado, Plínio. Manifesto 7 de outubro de 1932. São Paulo, 1932.
Salgado, Plínio. A Offensiva. Edição 12/07/1934. São Paulo: Arquivo Edgar Leuenroth, 1934.
Salgado Plínio. Manifesto- Programma de janeiro de 1936. Guanabara: Secretaria Nacional de Propaganda, 1936.
Salgado Plínio. Palavra nova dos tempos novos. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1936.
Salgado, Plínio. A Doutrina do Sigma. São Paulo, 1937.
Salgado, Plínio. As realizações da A.I.B. In: Monitor Integralista. Edição 7 de outubro. Rio
de Janeiro, 1937.
Salgado, Plínio. Enciclopédia do Integralismo IX: O integralismo e a educação. Rio de Janeiro: Livraria Clássica Brasileira, 1959.
Trindade, Hélgio. Integralismo: o fascismo brasileiro na década de 30. Rio Grande do Sul:
UFRGS, 1974.
- Graduanda em Ciências Sociais na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), pesquisadora do Laboratório de Pensamento Político (PEPOL) e participante do Grupo de Estudos Fascismos e Integralista. ↩︎
Fonte imagética: Professora e alunos na escola de alfabetização Integralista, chamada” Caetano Spinelli”, do Núcleo de Botucatu (SP) em 1937. Foto retirada da tese de Cavalari (1999, p. 75).