Jucimara Braga Alves[1]
Edgar Roberto Kirchof[2]
O artigo “Modernismo revisitado pela arte indígena: Denilson Baniwa e a Re-antropofagia”, recentemente publicado na revista Organon (UFRGS), é resultado de uma pesquisa de doutorado sobre a obra de Denilson Baniwa. O texto aborda o modo como o artista indígena tensiona e ressignifica a relação do modernismo brasileiro com as culturas indígenas do Brasil por meio de sua obra.
Antes de apresentar o trabalho de Denilson Baniwa, trazemos uma discussão sobre a arte indígena e a perspectiva eurocêntrica. Nesse debate, teóricos e pensadores contemporâneos como Shohat e Stam (2006) ajudam a pensar nas relações entre a visão eurocêntrica e o processo violento da colonização que teve início no século XVI, com as navegações. Shohat e Stam também nos ajudam a entender os discursos dualistas e excludentes produzidos pelo eurocentrismo e o colonialismo, os quais foram mobilizados ao longo da história para caracterizar e representar as produções culturais dos povos não-europeus. No campo específico da arte, Nestor García Canclini (2008) demonstrou que esse dualismo se manifesta, entre outras maneiras, por meio da dicotomia entre arte e artesanato.
Após essa breve contextualização, abordamos a produção de artistas indígenas brasileiros que vêm desconstruindo, com sua arte, representações estereotipadas dos povos e das culturas indígenas do Brasil. Nesse contexto, o diálogo com pensadores indígenas como Krenak e o próprio Denilson Baniwa contribui para o entendimento de que os povos indígenas não partilham dos mesmos conceitos de arte que predominam no pensamento ocidental.
Na sequência, o artigo traz uma breve contextualização do movimento modernista brasileiro, dando destaque à Semana de Arte Moderna de 1922 e à ligação desse movimento com parte da elite econômica brasileira da época. Algumas das principais ideias defendidas pelo movimento eram a de futurismo, proclamado pelo poeta italiano Filippo Tommaso Marinetti, e de primitivismo, de Picasso. Devido à importância que a ideia de Primitivismo exerceu sobre os modernistas brasileiros que buscaram inspiração nas culturas indígenas, dedicamos uma seção específica do artigo a essa questão.
Tendo em vista esse contexto, discorremos, por fim, sobre a importância do artista indígena Denilson Baniwa e do Movimento de Arte Indígena Contemporânea para desafiar e desconstruir as perspectivas eurocêntricas sobre a arte e as culturas dos povos indígenas. No artigo, foram discutidos quatro trabalhos de Baniwa, a saber: O Antropólogo moderno já nasceu antigo, de 2019 (figura 1), Modernismo: decifra-me ou te devoro (figura 2), “tupi, or not tupi that is the question”, 2021 (figura 3), Re-Antropofagia (figura 4), os quais desconstroem a vertente do movimento modernista brasileiro que defendia uma poética baseada no primitivismo.
Na primeira obra, Baniwa traz a imagem de um indígena sentado observando um antropólogo, e nós desenvolvemos o argumento segundo o qual essa imagem permite pensar em uma espécie de ‘antropofagia ao reverso’ (GOLDSTEIN, 2021). Já na segunda obra, a imagem da cabeça de Oswald de Andrade é “capturada” e transformada em um artefato, o que nos levou a estabelecer uma relação da obra com as representações históricas do canibalismo. Novamente, tem-se uma antropofagia no sentido reverso, uma ‘re-antropofagia’. O terceiro trabalho traz o título “tupi, or not tupi that is the question”, com uma referência intertextual a um trecho do Manifesto de Antropofagia de Oswald de Andrade. No centro da imagem, a figura do Marques de Pombal representa, entre outras possibilidades de interpretação, o apagamento das culturas indígenas por parte dos europeus. Por fim, também analisamos a obra ‘Re-antropofagia”, a qual aborda a figura de Makunaimã, entidade indígena que foi apropriada por Mário de Andrade em seu famoso Macunaíma. Nesse trabalho, novamente Baniwa propõe uma reapropriação das cosmogonias indígenas e uma desconstrução de vários mitos e estereótipos produzidos no seio do modernismo brasileiro sobre os povos e as culturas indígenas do Brasil.
O principal objetivo do artigo foi destacar a importância do trabalho artístico de Denilson Baniwa e dos demais artistas indígenas brasileiros na contemporaneidade, na busca pelo resgate de seu lugar de fala no contexto da arte ocidental e brasileira. É urgente levarmos essa discussão para os âmbitos institucionais para pensarmos a cultura indígena como viva, atual e contemporânea.
* Este texto não representa necessariamente as opiniões do Boletim Lua Nova ou do CEDEC.
Referências bibliográficas
CANCLINI, Néstor García. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. Tradução: Heloísa P. Cintrão e Ana Regina Lessa. 2. ed. São Paulo: Edusp, 2008. 392 p.
GOLDSTEIN, Ilana. Antropofagias contemporâneas: as artes indígenas e o modernismo brasileiro. Cultura em casa. 22 dez. 2021. Disponível em: https://culturaemcasa.com.br/video/antropofagias-contempor-neas-as-artes-indigenas-e-o-modernismo-brasileiro/. Acesso em: 12 mar. 2023.
SHOHAT Ella; STAM, Robert. Crítica da Imagem Eurocêntrica. São Paulo: Cosac Naify, 2006.
[1] É doutoranda do programa de Pós-graduação em Educação pela Ulbra/Canoas. Também é bolsista do CNPQ. Possui graduação em Letras-Habilitação em Português e Literaturas LP pelo Instituto Luterano de Ensino Superior de Santarém (1999) e mestrado em Letras pela Universidade Federal de Roraima (2012). Email: jubra40xx@gmail.com, Orcid: 0000-0002-8077-078X
[2] É professor adjunto da Universidade Luterana do Brasil, atuando, como docente e pesquisador, no Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGEDU) e como docente no Curso de Letras. Doutor em Linguística e Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2001). Email: edgar.kirchof@ulbra. Orcid: 0000-0002-1072-2547
Referências imagéticas: Re-Antropofagia, 2018. Denilson Baniwa/ Coleção do artista, em comodato com a Pinacoteca. Imagem enviada ao Boletim Lua Nova pelos autores.