Em 2018, a revista Lua Nova publicou “Ministério Público, Lava Jato e Mãos Limpas”, de autoria de Fábio Kerche (FCRB/UNIRIO/IESP-UERJ), que já discutia a proximidade e sintonia entre o então juiz federal Sérgio Moro, atual ministro da Justiça e da Segurança Pública, e os procuradores responsáveis pelas investigações da Operação Lava-Jato.
Por ocasião da publicação das reportagens da revista The Intercept Brasil sobre as mensagens trocadas entre o então juiz e os procuradores, Kerche respondeu algumas questões do Boletim Lua Nova sobre o assunto. O resultado pode ser conferido abaixo.
- Boletim Lua Nova (BLN) – O seu artigo “Ministério Público, Lava Jato e Mãos Limpas” (publicado na Revista Lua Nova em 2018) já avaliava que a Operação Lava Jato apresentava uma maior articulação e sintonia entre Polícia Federal, promotores e juízes e um afrouxamento das fronteiras institucionais e divisão de tarefas previstas na Constituição. Por que desde aquela época já era perceptível esta articulação?
Fábio Kerche (FK) – Meu ponto no artigo é que a [Operação] Lava Jato foi inspirada e tem muitas semelhanças com a [Operação] Mãos Limpas. E na experiência italiana, Polícia, Ministério Público e Judiciário atuavam de forma muito próxima. Para se ter uma ideia, promotores e juízes são parte da mesma instituição e um magistrado pode ocupar as duas funções ao longo da carreira. Ou seja, para que a “italianização” da Lava Jato fosse completa, juiz e promotor teriam que atuar de forma articulada. A parceria entre a Polícia Federal (PF) e o Ministério Público Federal (MPF) era evidente, até o site para divulgar a operação era o mesmo. Mais difícil era demonstrar a parceria do juiz Moro. O que eu indico no artigo é que o número de condenações era muito alto e que vários advogados apontavam que a defesa ficava em desvantagem em relação à acusação. Mas eu tive que amenizar um pouco este ponto, porque ainda não havia um indício tão forte da aliança entre Moro e os procuradores como o que surgiu agora pelas reportagens do The Intercept.
- BLN – Na sua avaliação, o que as revelações do jornal The Intercept trazem de novo e qual a gravidade dos fatos?
FK– As reportagens mostram de forma inequívoca que as fronteiras institucionais entre Polícia, Ministério Público e Judiciário foram fragilizadas, pelo menos na Lava Jato, e isto não é algo para se comemorar. A autonomia entre os órgãos do Sistema de Justiça é a tentativa de minimizar erros e limitar um poder excessivo na mão de policiais, promotores e juízes. Quando estes atores trabalham sob a coordenação de um juiz ou quando combinam estratégias, o equilíbrio entre acusação e defesa é rompido e compromete a imparcialidade da Justiça. Este caso não se restringe somente a um problema da Justiça. Este tipo de atuação não prevista no nosso ordenamento jurídico interferiu no processo eleitoral e arranhou ainda mais a nossa cambaleante democracia. O exemplo mais claro disso é que o ex-presidente Lula, líder em todas as pesquisas, foi impedido de concorrer na última eleição presidencial como consequência direta da atuação da Lava Jato.
O artigo de Fábio Kerche na Revista Lua Nova pode ser acessado em: http://dx.doi.org/10.1590/0102-255286/105
Referência imagética:
https://jornalggn.com.br/justica/vaza-jato-expoe-as-provas-da-conspiracao-que-destruiu-o-brasil/ (Acesso em 14 de junho de 2019)