Arleth Santos Borges[1]
Marcelo Fontenelle e Silva[2]
Introdução
Independente do posicionamento no espectro ideológico, pensar o meio ambiente requer atenção à sua relação com a política. Não à toa, tantas atenções estiveram voltadas para a recente reunião dos oito presidentes dos países com território amazônico – a Cúpula da Amazônia, que ocorreu nos dias 08 e 09 de agosto, em Belém-PA. Desde, pelo menos, o fim da década de 1970 esse assunto entrou em pauta e tem ganhado importância e sentido de urgência, seguindo o diapasão do agravamento dos desequilíbrios climáticos. Apesar disso, ainda é grande a desproporção entre a emergência ambiental e a responsabilização dos agentes políticos com essa pauta, sejam estes agentes gestores públicos, partidos políticos ou mesmo eleitores. Trata-se de um problema global com impactos diretos no nível local e no cotidiano, daí a relevância de se examinar se e como agendas ambientais se conectam com decisões políticas, foco deste Boletim que tem como referente empírico um estado da Amazônia Legal, o Maranhão.
Quadro Político da Amazônia e as contribuições analíticas do LEGAL
Desde 2022, a política maranhense tem sido objeto de estudos do LEGAL – Laboratório de Estudos Geopolíticos da Amazônia Legal, que desenvolve pesquisas nos nove estados dessa região, com foco nas dinâmicas eleitorais, produção legislativa e agenda ambiental. O LEGAL é um laboratório interinstitucional, que congrega pesquisadores e Universidades da Amazônia Legal, nucleados pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (IESP-UERJ). Possui ainda apoio do Instituto Clima e Sociedade e muitos de seus pesquisadores engajados no Amazônia+10, amplo programa de pesquisas na região, promovido por Fundações estaduais de fomento à pesquisa.
O presente Boletim se insere nesse esforço de estudos e divulgação científica empreendido pelo LEGAL, que, desde a sua instalação, vem produzindo boletins, notas técnicas, participações em debates presenciais e remotos, colunas e matérias assinadas pelos pesquisadores em blogues e jornais, dentro e fora da Amazônia Legal. Esses estudos trazem dados e análises sobre os resultados eleitorais, enfatizando ideologias e fragmentação partidária; grupos, familismos e articulações nacionais/locais na política estadual; outro eixo de estudos é voltado ao poder legislativo, destacando a composição, a produção de leis e a agenda ambiental das assembleias legislativas da região.
Política, Sociedade e Meio Ambiente no Maranhão
Cada um dos estados da Amazônia Legal possui especificidades. O Maranhão, por exemplo, é o único da região nordeste que integra essa região, com 79,3% de seu território e 181 dos seus 217 municípios inclusos na Amazônia Legal. Com população de 6.775.152 habitantes (IBGE, 2022)[3], o Maranhão é o segundo estado mais populoso da região, ficando atrás apenas do Pará. Possui 5.042.999 eleitores (3,22% do nacional), fortemente inclinados ao lulismo, vez que, desde 2002, as candidaturas de Lula ou de seus indicados vêm sendo vitoriosas no estado. Esta condição nas disputas presidenciais torna o eleitorado do Maranhão mais próximo do perfil nordestino que da Amazônia Legal, já que nesta última, forças conservadoras e muito enfaticamente Jair Bolsonaro vêm sendo vitoriosas na maioria dos estados.
Notáveis mudanças políticas ocorreram no Maranhão na segunda década do século XXI, destacando-se a paulatina perda de hegemonia do grupo Sarney, que dominou a política local entre 1966 e 2013, vinculado a partidos de direita e de centro (ARENA, PDS, PFL e PMDB/MDB), mas também do PV, classificado como de esquerda. Concomitante a esse declínio, novas lideranças vêm ascendendo, com destaque a Flávio Dino, cuja trajetória política é vinculada a partidos de esquerda (PCdoB e PSB). A despeito dessas mudanças políticas, as estratégias de “desenvolvimento” do estado pouco foram alteradas (FERNANDES, 1993; CARNEIRO, 1989; SOUZA FILHO e ANDRADE, 2020; COELHO, ALVES e MACHADO, 2020; GEDMMA/UFMA, 2021; FERREIRA, 2015), destacando-se, hoje três principais frentes de empreendimentos econômicos no estado:
- minero-metalúrgicos, com empreendimentos que remontam à implementação do Programa Grande Carajás, com o complexo ferrovia e porto da Companhia Vale do Rio Doce, para exportação de minério de ferro extraído da serra de Carajás, no Pará, e exportado a partir de porto localizado no Maranhão, além de outros empreendimentos que vieram na esteira dessa economia de enclave, como a produção de alumínio e alumina pela ALCOA/Billington Shell, siderúrgicas e, atualmente, a extração de ouro por empresas como a Mineradora Aurizona, da canadense Equinox Gold;
- expansão da fronteira agrícola via inserção na região de cerrado formada por estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia denominada MATOPIBA, onde empreendimentos privados do agronegócio, notadamente a produção de soja, acessam robustos fomentos à produção para exportação que se expande sobre territórios que antes eram de populações tradicionais ou áreas de preservação;
- geração de energia fóssil, via extração de gás e implantação de UTEs – Usinas termoelétricas.
Impressiona que tais iniciativas sigam a mesma concepção inaugurada nos anos 1980, caracterizada por gigantesca desproporção entre, por um lado, a magnitude dos investimentos e a acumulação de riquezas pelas poucas empresas, via de regra internacionais, que controlam esses empreendimentos e, por outro lado, a persistente vulnerabilidade social da maior parte da população, materializada em elevados níveis de pobreza e de violência, especialmente dos que são diretamente atingidos por esses empreendimentos. Ilustra essa situação o fato de que, enquanto o Produto Interno Bruto (PIB) estadual mantém uma taxa média de crescimento devido a esses empreendimentos, o Maranhão segue como estado onde o rendimento mensal domiciliar e o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) são os menores do Brasil – respectivamente, R$ 814,00 reais e 0,67. Ainda, mais de um milhão de famílias dependem do Bolsa Família (IBGE, 2022). A contradição se mostra também na violência dos conflitos agrários e ambientais que, só em 2021, ocasionaram a morte de 26 trabalhadores rurais, segundo Relatório da Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras Agrícolas do estado do Maranhão (FETAEMA, 2022).
Em relação à questão ambiental, a Constituição do estado, de 1989, afirma que a garantia de um meio ambiente “saudável e equilibrado” e do “uso racional” dos “recursos naturais” são competências compartilhadas entre municípios, estado e união (Art. 239), mas que são deveres exclusivos do estado a “implantação de unidades de conservação” (Art. 241), a realização de estudos e audiências públicas que sejam prévias à autorização de atividades com “impacto ambiental” (Art. 241) e o licenciamento de atividades com potencial ameaça ao meio ambiente (atribuição exclusiva do legislativo) (Art. 247). No entanto, as exigências e emergências ditadas pela política de “desenvolvimento” têm acarretado severos danos ambientais, como o desmatamento nos biomas amazônico e cerrado; poluição atmosférica em áreas de carvoarias e zonas industrial e rural de São Luís; contaminação do solo pelo uso intensivo de agrotóxicos; comprometimento dos recursos hídricos, entre outros.
Em face desse cenário, cabe analisar a agenda ambiental adotada pela Assembleia Legislativa do Maranhão (ALEMA). Acompanhando a classificação e as categorias utilizadas pela Câmara Federal, constata-se que o tema “Meio Ambiente e Energia” se faz presente na última legislatura da ALEMA, com 108 proposições, número que representa 4,6% do conjunto da produção legislativa. Destas proposições, 27 foram aprovadas (25%), 15 (14%) foram arquivadas ou prejudicadas e 66 (61%) permaneceram em tramitação até o fim da legislatura, quando então, seguindo normas regimentais, devem ser arquivadas.
Em relação aos conteúdos das proposições dos parlamentares há uma grande ênfase no subtema “Direito dos Animais”, em especial, dos animais domésticos, que alcança quase metade das proposições (43%), deixando entrever uma dissociação entre as prioridades do legislativo e graves problemas ambientais verificados no estado. Discrepância também entre as garantias e exigências constitucionais e as iniciativas desses agentes políticos no sentido da proteção ambiental. No que concerne às iniciativas oriundas do Poder Executivo, três delas referem-se a Parques e Reservas; duas a Planos e Normas, e uma trata de Educação Ambiental.
Considerando a autoria, sete das 108 proposições são oriundas do Poder Executivo. As demais são iniciativas de parlamentares, distribuídos em 20 diferentes partidos, destacando-se o PSDB, com 26 proposições (25,7%), seguido do PCdoB e PV, com 12 proposições (11,8%) cada. Destaca-se que, no PSDB, um só parlamentar foi responsável por quase metade das iniciativas. De um ponto de vista ideológico (tomando como base a classificação de Zucco Jr., 2011), essa distribuição partidária contraria a expectativa de maior envolvimento da esquerda com essa temática[4]: predominaram os partidos de centro, com 44 proposições (43,5%), enquanto a esquerda ficou com 36 (35,6%) e a direita com 21 (20,7%).
Outra dimensão do tratamento dado pela ALEMA à questão ambiental diz respeito à Comissão Legislativa de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS), que é uma comissão permanente da Assembleia, com amplas funções em termos de capacidade legislativa e fiscalização do Executivo, sendo composta por quatorze deputados/as, sendo sete titulares e sete suplentes, com atribuições regimentais que abrangem:
a) política e sistema estadual do meio-ambiente e da legislação de defesa ecológica; b) atividades relacionadas à preservação e exploração racional da flora e fauna regional, recursos naturais renováveis, solo, edafologia e desertificação; c) gestão, planejamento e controle dos recursos hídricos, regime jurídico de águas públicas e particulares (ALEMA, Regimento Interno, Art. 30, III, 2021).
Na legislatura 2019-2022, a CMADS foi composta, majoritariamente, por partidos de esquerda (PSB, PDT, PC do B, PT), um parlamentar de centro (MDB) e cinco de direita (PP, PL, DEM, PSD), mas essa preponderância desaparece quando consideramos apenas os titulares. Outro ponto a ressaltar é que, entre os membros da Comissão, apenas seis fizeram proposições sobre meio ambiente. Vistas no conjunto, a composição e atuação da CMADS sinalizam escassa expertise técnica na área e fraco engajamento dos membros da Comissão na agenda ambiental. Isso reforça a hipótese, já desenhada pelos conteúdos dos projetos de lei apresentados, de omissão ou negligência do poder legislativo estadual em relação à proteção ambiental.
Outro esforço em relacionar comportamento de eleitores e agenda ambiental de parlamentares maranhenses foi feito considerando a bancada do estado na Câmara Federal na legislatura 2019-2022. A partir do Índice de ativismo legislativo, elaborado pelo Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB), que avalia a atuação parlamentar no que concerne às Mudanças Climáticas, examinou-se o posicionamento da bancada em relação ao chamado “Pacote da Destruição”, um conjunto de projetos de lei considerado prejudicial ao meio ambiente por parte de organizações e movimentos ambientalistas por fragilizar a atuação protetiva do Estado, ao mesmo tempo em que incentivam a atuação de grileiros e o uso de agrotóxicos. Os achados destacam um pífio desempenho desses parlamentares, pois dos vinte[5] estudados, apenas cinco tiveram nota positiva, enquanto quinze ficaram com notas abaixo de zero. Em escala de -10 a 10, a melhor nota foi 8,72 e a pior foi -4,6.
Entre os cinco parlamentares que tiveram melhor desempenho em relação à pauta ambiental, três são de partidos de esquerda (PSB, PT e PC do B), que pontuaram 8,72, 4,4 e 3,59; um é de partido de direita (PODEMOS), que pontuou 6,1, e um é de partido de centro (PROS), com 0,95; todos os outros tiveram nota abaixo de zero. Destes, um não disputou a reeleição e os demais disputaram, mas apenas um foi reeleito. Todos os outros reeleitos pontuaram abaixo de zero, com notas entre -2,28 e -4,6. Embora estes números sejam dados isolados e não haja, para o presente caso, informações sobre o acompanhamento da atuação parlamentar pelos eleitores, são dados que sugerem escasso peso da pauta ambiental na decisão do voto.
Fora do âmbito institucional, o LEGALpesquisou, por meio de grupos focais, as disposições e valores de cidadãos comuns acerca da política estadual e agenda ambientalnos estados da Amazônia Legal (PAULA, FERES JR., 2022). Com este estudo foi possível perceber que o tema ambiental é visto pelos eleitores como importante e preocupante, apesar de não ter surgido de forma espontânea nas discussões sobre as prioridades para o Brasil ou para o estado. Os dados indicam que há uma tensão em relação à visão sobre o meio ambiente e o engajamento político, ou seja, apesar do consenso sobre a importância do tema, predomina a indisposição para o engajamento, visto como “chato” e “ineficaz”.
Considerando as recentes eleições de 2022, os participantes observam que o tema não integra as propostas eleitorais e tampouco identificam candidatos comprometidos com a causa ambiental (com exceção da atual ministra Marina Silva).
Conclusões
Apesar do caráter incipiente dos estudos sobre a relação entre política e meio ambiente no Maranhão, os dados já disponíveis indicam uma clara discrepância entre a urgência dos problemas ambientais existentes, e crescentes, no estado e o engajamento do legislativo no enfrentamento aos mesmos, seja na Assembleia Legislativa, seja na bancada maranhense na Câmara Federal. Por outro lado, e associado à menor importância ou urgência atribuída à pauta ambiental, eleitores manifestam interesse por essa questão, mas não a convertem em elemento importante na decisão do voto – vide a não reeleição dos deputados mais engajados nessa temática, e também o fato de não reconhecerem os agentes políticos que se apresentam às disputas como comprometidos com essa questão. Isso indica que, mesmo para os engajados, a afirmação da pauta ambiental parece não ser priorizada sequer como estratégia publicitária. Outra importante conclusão é que os estudos das relações entre política e meio ambiente no Maranhão ainda são muito preliminares, o que realça a contribuição do LEGAL para o enfrentamento dessa lacuna no Maranhão e demais estados da Amazônia brasileira.
* Este texto não representa necessariamente a opinião do Boletim Lua Nova ou do CEDEC.
Referências bibliográficas
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CARNEIRO, M. D. S. Estado e empreendimentos guseiros no Programa Grande Carajás. In: CASTRO E. e MARIN, R. A. (Orgs.). Amazônias em tempo de transição. Belém: UFPA/NAEA/ARNI/CELA, 1989. p. 151-192.
COELHO, T. P; ALVES, E. J. P; MACHADO, M. S. A Zona do Ouro de Godofredo Viana, in SANT’ANA, H. A; RIGOTTO, R. M. (Orgs). Ninguém bebe minério: águas e povos versus mineração. Rio de Janeiro: 7Letras, 2020.
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FERNANDES, C. A. Remanejamento compulsório de segmentos camponeses: o caso do CLA de Alcântara. Relatório de pesquisa encaminhado à FAPEMA. São Luís,1993.
FERREIRA, B. de C. C. Briga com poderosos – resistência camponesa face à expropriação por grandes projetos em Santo Antonio dos Lopes, MA. Dissertação (mestrado). Programa de pós Graduação em Ciências Sociais/ UFMA. São Luís, 2015. 152 f.
FETAEMA. Conflitos e lutas dos trabalhadores rurais no Maranhão – ano 2021. Cabral, D. (Org.). São José de Ribamar, Maranhão, 2022.
GEDMMA/UFMA. Estrutura logística e portuária da cadeia produtiva da mineração do sistema norte da vale s.a. (minas de carajás – PA), englobando o corredor de carajás, in WANDERLEY, L. J; COELHO T. P. Quatro décadas do Projeto Grande Carajás: fraturas do modelo mineral desigual na Amazônia. Brasília-DF: Comitê Nacional em Defesa dos Territórios frente à mineração, 2021.
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Censo, 2022. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/ma/panorama Último acesso em: 13/09/2023.
SOUZA FILHO, B; ANDRADE, M. P. A Dois Graus do Equador: o Estado brasileiro contra os quilombolas de Alcântara. São Luís: EDUFMA, 2020.
ZUCCO, C. A ideologia dos partidos políticos brasileiros. In.: POWER, T. ZUCCO, C. O congresso por ele mesmo: autopercepção da classe política brasileira. Belo Horizonte, Editora UFMG, 2011.
[1] Doutora em Ciência Política, professora associada da Universidade Federal do Maranhão e coordenadora no Maranhão do Laboratório de Estudos Geopolíticos da Amazônia Legal – LEGAL.
[2] Marcelo Fontenelle é doutor em Ciência Política e professor substituto na Universidade Estadual do Maranhão e pesquisador sênior do LEGAL no Maranhão.
[3] O estado menos populoso é Roraima, com 636.303 pessoas. Ver: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/ma/panorama último acesso em 25/08/2023.
[4] Por mais que possamos afirmar que a pauta ambiental é uma questão transversal, ela foi incorporada, com maior ênfase, nos partidos de esquerda (BARROS, 2015).
[5] A bancada maranhense é composta por 18 parlamentares; a análise inclui suplentes que assumiram mandatos temporariamente.
Fonte Imagética: Assembleia Legislativa do Estado do Maranhão. SEMA apresenta à Comissão de Meio Ambiente resultados da gestão de recursos hídricos. 3 nov. 2021. Fotografia de Jr. Lisboa/Agência Assembleia. Disponível em: <https://www.al.ma.leg.br/noticias/42238>. Acesso em: 3 out. 2023.