Resenha de Tese de doutorado em Ciência Política defendida no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (IFCH – Unicamp) em 2015.
Matheus de Carvalho Hernandez
A tese “O Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos e seu Escritório: criação e desenvolvimento institucional (1994-2014)” teve como objeto o posto de Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) e seu Escritório (EACNUDH). O objetivo do trabalho foi reconstruir o processo político de criação e desenvolvimento institucional da organização, no período 1994-2014, de modo a evidenciar como o ACNUDH/EACNUDH se constituiu e se mantém como um ator internacional incontornável em matéria de direitos humanos.
O argumento central do trabalho é que o ACNUDH/EACNUDH, uma instância do Secretariado da ONU surgida em 1993, é uma organização internacional de direitos humanos dotada de agência política. Essa agência é derivada do fato de o ACNUDH ter um mandato aprovado consensualmente pelos Estados na Assembleia Geral de 1993, da condição burocrática de seu Escritório, de sua posição institucional singular e da condição de referencial de legitimidade internacional alcançada pelos direitos humanos no pós-Guerra Fria.
O desenvolvimento desse argumento partiu de uma reflexão teórica que identificou uma lacuna analítica nos poucos estudos sobre o ACNUDH/EACNUDH; localizou as principais linhagens teóricas do campo de Organizações Internacionais, indicando a ocorrência de uma tendência majoritária a focos ampliados em detrimento das organizações internacionais formais; e sistematizou os pressupostos que subsidiam parte importante da produção sobre direitos humanos em Relações Internacionais, apontando a inexistência de estudos sobre o ACNUDH/EACNUDH nessa produção.
Expostas tais características, a tese propôs uma abordagem construtivista que não vincula a validade das normas internacionais e a agência das organizações internacionais à necessidade imprescindível de promoção da mudança de comportamento dos outros atores e partiu do pressuposto de que o ACNUDH/EACNUDH é uma burocracia. Subsidiada por essa abordagem, o trabalho, que se valeu de análise documental e entrevistas semiestruturadas com diplomatas, ativistas e funcionários do EACNUDH, organizou sua discussão em quatro partes.
Inicialmente, foram analisadas as tentativas de criação do ACNUDH durante a Guerra Fria, destacando-se as mudanças no teor da proposta ao longo do período e as tensões políticas que impediram sua aprovação. Todo o complexo processo de negociação da aprovação consensual da proposta no pós-Guerra Fria, que se estendeu da preparação da Conferência de Viena à Assembleia Geral de 1993, foi o foco da parte seguinte. Em seguida, o trabalho apresenta o mandato, a estrutura, a trajetória de recursos materiais e de pessoal, o perfil dos mandatários e um panorama de seus mandatos, evidenciando uma tendência de fortalecimento institucional ao longo dos seus vinte anos de existência. Essas discussões forneceram as bases para a análise do desenvolvimento do ACNUDH/EACNUDH enquanto ator internacional politicamente relevante em matéria de direitos humanos, tema ao qual a parte final do trabalho se dedicou.
Essa análise foi promovida a partir da identificação das linhas perenes de atuação da organização. A partir disso, explicitaram-se as tensões políticas desencadeadas pelo ACNUDH/EACNUDH e as disputas ao redor do norteamento do seu mandato ao longo de sua trajetória institucional. A inserção possibilitada pela sua condição burocrática, as tensões deflagradas por sua voz pública, a atuação a partir de nichos não previstos por seu mandato original e as tentativas de controle à sua atuação vinda dos Estados foram identificadas pela tese como fortes indícios da agência política da instituição.
A tese, considerada a melhor tese em Ciência Política pela ANPOCS no Concurso de 2016, está disponível em: http://repositorio.unicamp.br/handle/REPOSIP/281106.