As linhas do tempo das instituições judiciais

Por Sofia Pieruccetti Gutierrez. A premissa deste breve texto é que, na pesquisa sobre as instituições de um regime político, o tempo importa. A exposição está dividida em três partes: (1) uma discussão teórica sobre a heterogeneidade do tempo; (2) uma análise da abordagem temporal predominante da Ciência Política brasileira e como ela tende a “encurtar” a trajetória das instituições; e (3) as limitações da temporalidade linear para o estudo das instituições judiciais, utilizando o Ministério Público como exemplo empírico. Ao final, argumento pela necessidade de uma abordagem temporal heterogênea para compreender um sistema judicial heterogêneo.
A DEMOCRATIZAÇÃO BRASILEIRA SOB AS LUZES DA ESQUINA: A Resistência do jornal Lampião da Esquina ao regime da moral e dos bons costumes

Por Rodrigo Cruz Lopes. Perto do natal de 1977, em plena ditadura militar, a edição nº 53 da Revista IstoÉ foi publicada toda voltada a abordar a imprensa homossexual no Brasil. Para nossa análise, duas matérias publicadas pelo periódico importam: a primeira sobre o processo sofrido pelo jornalista Celso Curi, do jornal Última Hora. Enquadrado na Lei de Imprensa (5.250/1967), Curi estava sendo processado por “ofensa à moral e aos bons costumes” e por “promover a licença de costumes, o homossexualismo especificamente”, por veicular em sua coluna “correios elegantes” entre homens homossexuais que gostariam de se encontrar. A IstoÉ o trata como o “primeiro mártir do homossexualismo brasileiro”. A segunda matéria que salta aos olhos é sobre o lançamento de “um novo e importante jornal gay”, ainda sem nome, que iria em sua primeira edição também sair em defesa de Celso Curi, fundado por figuras atualmente conhecidas como o ex-roteirista da Globo, Aguinaldo Silva, o professor da UFRJ, Peter Fry e o dramaturgo João Silvério Trevisan.
O risco de descarrilhamento de Lula 3

Por Cicero Araujo. Com a vitória de Donald Trump pela segunda vez, a crise da democracia norte-americana — e, por tabela, de todo o mundo democrático — dá mais uma volta no parafuso.
Pluralismo e teoria da escolha racional: abordagens em debate na teoria política contemporânea

Por Andrei Koerner, Pedro Henrique Vasques e Raissa Wihby Ventura. Os cadernos Cedec números 138 e 139 trazem um dossiê sobre racionalidade e pluralismo, com artigos de discentes do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e de outros Programas. Inicialmente preparados como monografias finais da disciplina “Teoria Política Contemporânea 2”, ministrada pelo professor Andrei Koerner, entre 2017 e 2023, os textos foram revisados pelos seus autores com base nos comentários e sugestões feitos pelos organizadores do dossiê.
Os motivos das duas guerras

Por Caio Bugiato. Quais são os motivos e quando começaram os dois grandes confrontos da política internacional atual? Qual a relação entre eles? A pessoa que se informa pela imprensa ocidental, seja por jornais, rádio, televisão e internet/redes sociais, poderia responder que a guerra no Leste Europeu começou com a invasão do Estado russo à Ucrânia em fevereiro de 2022. Responderia também que a guerra no Oriente Médio começou com o ataque terrorista do Hamas ao Estado de Israel em outubro de 2023.
O Boletim Lua Nova em 2024: uma breve retrospectiva

Por Equipe do Boletim Lua Nova. O encerramento de mais um ano nos convida a refletir sobre os caminhos percorridos e os debates travados ao longo de 2024. Este foi um período de intensas reflexões, marcado por eventos que desafiaram nossos entendimentos sobre democracia, justiça, o papel do Brasil no cenário global e as múltiplas crises do cenário internacional. No Boletim Lua Nova, essa jornada traduziu-se em 114 textos que exploraram temas variados, como os dilemas do G-20 sob a liderança brasileira, eleições municipais, conflitos na sociedade brasileira e internacional, entre outros. Embora não seja viável abordar cada uma dessas publicações em uma única retrospectiva, buscamos aqui oferecer uma visão geral dos assuntos que definiram nosso trabalho, celebrando o que construímos e o compromisso que nos orienta: pensar criticamente o presente para reimaginar o futuro.
A Ética na Política: considerações sobre o político e a finalidade do Estado à luz da filosofia prática aristotélica

Por Gustavo Ceneviva Zuccolotto. A ciência política, ao se consolidar enquanto área do saber científico na modernidade, autonomiza-se das categorias que até então embasavam a reflexão sobre a vida em comunidade e a autoridade (arché) nas cidades antigas. Essa reflexão era chamada “filosofia prática”, ciência que integrava os campos da ética e da política. Essa filosofia tinha como conceito nuclear a “ação política”, princípio relacionado tanto à ação (práxis), quanto à natureza política do ser humano, ou seja, enquanto cidadão. Como parte de um movimento maior de legitimação científica, a ciência política, ao longo do século XX, constitui seu objeto próprio de estudo, o campo de disputa pelo exercício legítimo do poder, o Estado moderno, antes tratado nos termos da comunidade política ou da cidade (pólis).
A liberdade libertariana de Robert Nozick em face da sustentabilidade ambiental

Por Ulysses Ferraz e San Romanelli Assumpção. Um dos modos de se verificar o valor prático de uma teoria da justiça abstrata é indagar se ela fornece algum tipo de resposta para problemas que não havia abordado expressamente ou se é pressionada de modo fatal por tais problemas. Nesse sentido, o objetivo deste breve ensaio em homenagem aos 50 anos da publicação de Anarquia, estado e utopia (1974), do filósofo Robert Nozick (1938-2002), é questionar, ainda que de forma sucinta e preliminar, o papel da concepção de liberdade, implicada na teoria da titularidade nozickiana, diante dos imperativos de sustentabilidade de nosso tempo. A noção de sustentabilidade pode ser considerada como uma espécie de ideal social ou político, que emerge com as questões ambientais a serem enfrentadas no século XXI. Segundo Steven Vanderheiden (2020), a crise associada à capacidade finita do planeta de gerar os bens e serviços ecológicos dos quais as sociedades humanas dependem, exige uma reavaliação ampla do papel que os ideais sociais e políticos, tais como liberdade e igualdade ou democracia, desempenham na orientação da vida coletiva. Para Vanderheiden (Ibid.), quaisquer que sejam seus ideais normativos, uma boa sociedade deve ser sustentável se quiser persistir ao longo do tempo.
A relação dos povos indígenas com o Brasil em 50 anos de cartas públicas

Por Rafael Xucuru-Kariri. Comecei a escrever cartas ainda criança, na aldeia de Coroa Vermelha, do povo Pataxó. No café da manhã ou no almoço, na ida ou no retorno da escola, minha casa nunca estava vazia. Líderes Tupinambá, Pataxó Hã-Hã-Hãe e Pataxó discutiam os rumos dos seus movimentos políticos com meus pais, funcionários da Fundação Nacional dos Povos Indígenas, a FUNAI. Como faço parte da primeira geração de indígenas alfabetizados em grande número nas escolas públicas, entre as décadas de 1990 e 2000, era convocado, por minha mãe, a ouvir e passar para a máquina de escrever o resultado das discussões e parte do pensamento indígena sobre a relação que temos com o Estado brasileiro.
Heterodoxia Rebelde e Memória: 50 anos do Programa de Pós-graduação em Ciência Política do IFCH-UNICAMP

Por Carlos Eduardo Landim e Andréia Fressati Cardoso. Qual é o papel desempenhado pela Ciência Política em nosso tempo? De que forma o Programa de Pós-Graduação do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) foi moldado e, simultaneamente, moldou as diferentes conjunturas históricas e políticas do país? Em que medida sua proposta inovadora, marcada pela insígnia de uma “heterodoxia rebelde”, contribuiu para redefinir os paradigmas da Ciência Política brasileira? Essas e outras questões foram abordadas pelos participantes do seminário que marcou os 50 anos do Programa de Pós-graduação em Ciência Política (PPGCP) do IFCH, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), realizado nos dias 12, 13 e 14 de novembro de 2024.