Lucas Vieira de Souza[1]
No dia 21 de março de 2019, às 18 horas e 30 minutos, ocorreu, no campus Guarulhos da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a aula inaugural do curso de História intitulada “História e Ciências Sociais”, ministrada pelo historiador Fernando Novais (USP/Unicamp). A apresentação do convidado foi realizada pela historiadora Wilma Peres Costa (Unifesp), quem destacou a honra de recebê-lo em um momento tão crítico e tão complexo pelo qual nosso país passa. Ao encerrar sua apresentação, Peres Costa observou que as crises políticas são momentos fundamentais da experiência humana e também da experiência dos pesquisadores, aos quais caberia entendê-las para terem a capacidade de produzir ferramentas de compreensão da história.
Ao iniciar sua exposição, Novais relembrou o período em que era aluno do curso de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências (FFLC) da Universidade de São Paulo (USP), então localizada na rua Maria Antônia. Nessa condição, movido por forte curiosidade, Novais observou que adorava frequentar, além das aulas do curso em que era matriculado, as aulas dos cursos de Filosofia e Ciências Sociais. Segundo ele, a grande pergunta que o inquietava era a seguinte: “Qual era a distinção e semelhança entre Ciências Sociais e História?”. Esse foi o tema que debateria em sua aula, focada na relação entre as disciplinas do período pós-guerra até a atualidade.
O que diferencia a História das Ciências Sociais? De acordo com Novais, a História é uma disciplina muito mais antiga; portanto, seria algo extremamente importante analisar qual foi o impacto das Ciências Sociais sobre a História e não o contrário. Na História Cultural, o aparecimento das Ciências Sociais teria correspondido a algumas demandas histórico-culturais. A História já existia antes mesmo do capitalismo industrial ou da partilha do mundo. Mais: a História corresponderia à necessidade da memória social; ou seja, a sociedade precisa da memória, pois ela é o fundante instituinte social e responsável pela narrativa dos acontecimentos. Portanto, qual seria o objeto da História? O acontecer humano de qualquer tipo, em qualquer lugar e em qualquer momento, sabendo-se, no entanto, que é praticamente impossível reconstituir todos os acontecimentos. Isso significa que a História é indelimitável. Ao contrário da História, o que caracteriza o pensamento científico são dois aspectos: um objeto claramente delimitado e um método adequado a esse objeto. O objeto da História se caracteriza pela sua infinitude.
A partir do século XVIII, os historiadores passaram a se tornar cientistas pois, além de narrarem os acontecimentos humanos, passaram a explicá-los com os conceitos das Ciências Sociais. Isso aconteceu ao longo dos séculos XIX e XX, principalmente na França. Os historiadores passaram a afirmar que houve um recorte epistemológico na História antes dos conceitos. Para o professor Novais, não há recorte epistemológico, pois a História se diferencia das Ciências Sociais porque ela tenta historicizar os conceitos, o que a coloca diante de problemas sem saída: para explicar, é necessário usar conceitos; mas. em História, é preciso historicizá-los; para isso, é preciso conhecer a História; para conhece-la é necessário compreender como os conceitos funcionam; para tanto, é preciso conhecê-los. A História precisa chegar ao individual, ao acontecimento, e é isso que a distingue das Ciências Sociais. A Ciência Social retrospectiva se diferencia da História Social.
De acordo com Fernando Novais, nas Ciências Sociais se recorta um objeto dentro das esferas da existência. Na História, é preciso não somente contar, mas reconstituir os objetos – os acontecimentos – , os quais, em si mesmos, não pertencem a uma só esfera da existência. Em poucas palavras, o historiador conceitua, explica para reconstituir. O cientista social reconstitui para explicar.
A relação entre Ciências Sociais e História no Brasil e na América Latina é complicada, pois quando se menciona as interpretações dos países, sempre há uma relação muito forte com a história, diferentemente dos Estados Unidos, onde não há a “mania” de interpretar o país, mas sim reconstituir sua história. Poucos historiadores teriam procurado interpretar o Brasil. No mais, os historiadores caracterizam a “nova história” por dois aspectos: I – busca por novos temas e II – a desconceitualização, ou seja, o abandono do uso de conceitos criados pelas Ciências Sociais.
[1] Mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e pesquisador assistente do CEDEC.