Caros amigos e amigas,
Diante do sombrio horizonte para a liberdade de cátedra no Brasil, a Faculdade de Direito da UNB manifestou-se oficialmente, aprovando a anexa “Declaração”.
A “Declaração” informa que serão DESOBEDECIDAS todas as futuras ordens e “recomendações” ofensivas à liberdade constitucional de ensino- venham elas de autoridades governamentais ou de “órgãos de controle” já manifestamente incapazes de controlarem suas próprias inconstitucionalidades.
Juridicamente irrefutável e aprovada por uma das principais faculdades de Direito do país, a “Declaração”, cedo ou tarde, deverá repercutir no Congresso e nos tribunais, ajudando a defender professores e instituições de ensino.
Airton Seelaender
Faculdade de Direito da UNB
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Fundada com a missão de instruir, a partir da capital do país, a sociedade brasileira sobre o direito vigente e suas implicações, a Faculdade de Direito da UnB vem esclarecer à Nação os seguintes pontos.
1.Expressamente prevista no artigo 206-II da Constituição da República e resguardada por decisões do STF de observância obrigatória, a liberdade de ensino não pode ser limitada, condicionada ou abolida por atos de Ministros de Estado e de outros agentes públicos. Atos dessa natureza, ainda que até possam vir a surgir, não têm validade alguma, só servindo para impressionar leigos em Direito e indivíduos sem noção do que seja a ordem constitucional democrática.
Como toda ordem ou recomendação ofensiva à Constituição, tais atos inválidos não devem ser obedecidos. Seu único efeito jurídico é viabilizar, em tese, eventuais sanções aos responsáveis por sua indevida emissão e repasse.
- O artigo 206-II da Constituição autoriza os professores e professoras a definirem livremente os conteúdos de suas aulas e palestras em faculdades, sem sofrerem interferência alguma de órgãos estranhos à Universidade, instituição que nosso direito faz livre e autônoma (C.F., art.207-“caput”)
Não há sobre a Terra nenhum agente estatal que possa obrigar, no Brasil, um Professor de Infectologia a exaltar remédios de duvidosa eficácia ou a abster-se de críticas à atuação de autoridades no combate a epidemias. Não há sobre a Terra nenhum agente estatal que possa proibir no Brasil um Professor de Antropologia de tecer críticas a autoridades governamentais por sua ineficiência na proteção de indígenas. E certamente só um perigoso inimigo da ordem constitucional teria a arrogante pretensão, a patética ousadia, o ridículo desplante de tentar ditar despoticamente, a PROFESSORES DE DIREITO, o que poderiam ou não dizer em suas preleções.
- A liberdade de ensino é indispensável ao progresso científico e tecnológico. Ciente disso, o Constituinte não permitiu nem mesmo a autoridades eleitas que reduzissem o seu alcance. Só quem despreza o STF e acintosamente desconsidera e sabota as suas decisões poderia afirmar o contrário.
Na sociedade livre e plural prevista na Constituição (Preâmbulo e art.1.-V), é inevitável que a Universidade reflita não só a concordância com o poder, mas também a discordância, gerando críticas e sugerindo alternativas. Tais críticas podem até desagradar os fanáticos do situacionismo que há em todas as épocas – nada, porém, legitimaria, por exemplo, que estes usassem de seus cargos públicos, custeados pelo contribuinte, para impedir que Professores de Economia criticassem duramente os condutores da política econômica.
- Esclarecemos, ainda, que é da tradição das escolas de Direito que se manifestem publicamente quando se vislumbram no horizonte situações constrangedoras para os direitos fundamentais, o Estado de Direito e a Constituição como um todo.
Na velha Coimbra, nas crises, aguarda-se ainda “o que dizem as portas férreas”. No Brasil, tornaram-se antológicas as manifestações da antiga Faculdade Nacional de Direito, sempre que daquele lugar de reconhecimento cívico se fez preciso colocar o peso da ponderação politico-jurídica. Não foi diferente na UnB, devendo-se relembrar os posicionamentos desta, nas conjunturas agônicas, pelas vozes de Victor Nunes Leal, Hermes Lima e Machado Neto. Preferiram estes, à torpeza do silêncio cúmplice, o risco e o preço da interrupção momentânea da construção de seu projeto.
- O cerne da presente declaração está em consonância com a orientação geral do STF, evidenciada no âmbito da ADPF 548-DF (Rel. Min. Carmen Lúcia), no sentido de rejeitar “atos judiciais ou administrativos pelos quais se possibilite, determine ou promova o ingresso de agentes públicos em universidades públicas e privadas, o recolhimento de documentos, a interrupção de aulas, debates ou manifestações de docentes e discentes universitários, a atividade disciplinar docente e discente e a coleta irregular de depoimentos desses cidadãos pela prática de manifestação livre de ideias e divulgação do pensamento nos ambientes universitários ou em equipamentos sob a administração das universidades (…)”.
- Não poderia esta Faculdade silenciar sobre os riscos à liberdade de ensino, quando seus próprios alunos, irresignados face a presentes ofensas à Lei Maior e empenhados na defesa das instituições de ensino superior, tomam a iniciativa de oferecer Reclamação Constitucional, para impedir o esmagamento de tal liberdade e da autonomia universitária.
Diante disso e de tudo mais que se expôs, mesmo sem adentrar o exame de casos específicos, a Faculdade de Direito da UNB vem informar à sociedade brasileira e em especial a todos os professores e alunos brasileiros que seguirá respeitando e garantindo a liberdade de ensino, sem ceder um único milímetro a quaisquer pressões de natureza despótica e inconstitucional. Esta Faculdade também recomenda, a todos, que tomem a mesma atitude, levando a Constituição a sério.
Brasília, 12 de março de 2021.