Soraia Marcelino Vieira[1]
O PSDB despontou como um dos principais partidos políticos brasileiros. O partido, criado em 1988, já elegeu representantes em todos os cargos do Executivo e do Legislativo, destacando-se por eleger por duas vezes consecutivas o presidente da República, um dos quatro partidos a alcançar o cargo por meio de eleições diretas após a ditadura civil-militar e um dos dois partidos que conseguiu reeleger o presidente. O partido polarizou, ao longo de seis eleições, a disputa presidencial com o PT, das quais saiu vitorioso em duas e participou de oito das nove eleições[2] que tivemos até agora. Esteve à frente dos governos estaduais de dois dos maiores colégios eleitorais do Brasil: Minas Gerais (por quase 17 anos) e São Paulo (por 28 anos)[3].
Não obstante, o partido vem perdendo espaço político nos postos eletivos chave. Observando os dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) é visível o seu declínio nos legislativos e nos executivos. Tal fenômeno não é exclusivo do PSDB, outros partidos relevantes também vêm passando por transformações em termos de sua representação, o que tem levado alguns deles a adotarem estratégias para garantir sua sobrevivência política, tais como agrupar-se em federação, fusionar ou incorporar/ser incorporado por outras legendas. Nas últimas eleições gerais, o PSDB adotou a primeira opção, formando uma federação com o Cidadania. Embora tenha passado por um processo de prévias, em 2021, o partido não lançou candidato à presidência da República pela primeira vez desde 1989.
Essa breve apresentação demonstra a importância do PSDB ao longo do atual período democrático e, por si só, justifica uma análise de sua trajetória nesses 35 anos de história. Nesse sentido, este texto está dividido nas seguintes partes: primeiro, apresenta o histórico em seu momento fundacional; segundo, a presença do partido nas instâncias representativas; e, por fim, é finalizado com os dilemas enfrentados atualmente.
A origem
O Partido da Social Democracia Brasileira foi criado em 25 de junho de 1988, como uma opção do centro democrático, por políticos que não encontravam espaço dentro do MDB e dissidentes de outros partidos (PFL, PTD, PTB, entre outros). Por se originar em meio aos debates da Constituinte, assumiu as pautas destacadas naquele momento, tais como: descentralização, movimentos sociais e direitos sociais. Não obstante, esses temas foram perdendo relevância nos programas do partido e, apesar da defesa de várias pautas sociais, cabe destacar que o partido, desde o início, se posicionou a favor da liberalização da economia.
Importante chamar atenção para o fato de que a escolha do nome do partido não foi algo consensual. Foram à votação três opções de nomes: Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), Partido Popular Progressista (PPP) e Partido da Renovação Democrática (PRD). O Partido da Social Democracia Brasileira foi o nome escolhido pela maioria dos filiados presentes, em segundo turno (Folha de São Paulo, 25 de junho de 1988).
É possível pensar que a opção pelo nome Partido da Social Democracia está muito mais ligado à defesa da Democracia, por uma questão contextual, que por real identificação com o ideal social-democrata. Muito embora alguns de seus fundadores sinalizavam para convergências entre as ideias do partido com a social-democracia, observando o comportamento do partido ao longo de sua trajetória constata-se que a agremiação se aproxima muito mais da vertente ideológica denominada social-liberalismo, que prega políticas sociais mais focalizadas aliadas ao liberalismo econômico que aos ideias da social- democracia europeia.
O seu posicionamento durante os anos em que esteve à frente do Executivo Federal o transformou na opção confiável dos eleitores de centro-direita e direita. O que faltou ao PSDB foi assumir seu papel, e posicionamento no espectro ideológico. Ao analisar os programas de governo e o discurso de seus candidatos durante os anos em que disputou com o PT a presidência da República, observa-se que o partido buscava um posicionamento de centro-esquerda, tentando competir pelo eleitorado que se localiza nesse ponto do espectro ideológico.
Participação eleitoral ascensão e queda
O partido nasceu com trinta e oito deputados federais e nove senadores, em razão do processo de migração partidária, e assistiu ao crescimento no número de deputados federais eleitos até as eleições de 1998[4], em que o partido elegeu 99 deputados. Contudo, a partir do pleito seguinte, de 2002, o partido, que foi para a oposição com o resultado eleitoral, observou a redução no número de eleitos na Câmara dos Deputados. No Senado, o número máximo de representantes foi em 2006, quando o partido tinha 21 dos 81 senadores. Mas, desde então, percebe-se que o número vem se reduzindo (chegou a 8 em 2018 e atualmente são 4). O mesmo acontece com os governadores eleitos pelo partido, que também oscilaram positivamente até 2010 (com 8 governadores) mas, depois disso, reduziram, chegando a três governadores nas duas últimas eleições.
Da mesma forma, o número de prefeitos eleitos pelo partido apresentou alterações ao longo desses anos. Houve um crescimento entre 1996 e 2000 (quando chegou a 991 prefeitos eleitos) seguido de uma queda entre este último ano e 2012 (701 eleitos). Em 2016, o partido aumentou o número de prefeitos eleitos e subiu para 803 e, em 2020, teve o menor número de chefes dos executivos locais eleitos, 520[5].
Disputas internas
Como todo partido político, o PSDB é formado por diferentes grupos que disputam o poder e a direção do partido. Essas dissidências são perceptíveis em diferentes momentos da história do partido, desde a sua fundação. Quando se analisa o processo que levou à coalizão com o então PFL (atual União Brasil) para as eleições 1994, é possível identificar as articulações favoráveis e contrárias à coalizão, assim como aconteceu em diversas outras ocasiões. As disputas intrapartidárias fazem parte da vida de toda organização política e podem ser benéficas para a circulação de lideranças, renovação de ideias e atualização do programa. Não obstante, nos anos recentes, o que se assiste é a uma disputa muito acirrada entre dois grupos do partidos, que podemos identificar como, um mais ligado à trajetória histórica do partido e outro mais interessado em apresentar uma nova marca. Essa disputa se tornou mais acirrada no período anterior à eleição de 2022, quando a direção sinalizou para a realização de primárias. O processo teve início com a inscrição dos pré-candidatos, que ocorreu a partir de 20 de setembro de 2021, os filiados tiveram entre 14 de outubro e 14 de novembro para realizar o cadastro no sistema eleitoral do PSDB, tornando-se assim apto para votar. O primeiro turno estava agendado para o dia 21 de novembro de 2021 e, caso não houvesse um vencedor com a maioria absoluta dos votos válidos, haveria um segundo turnos para 28 de novembro de 2021 (PSDB, 2021).
Importante analisar o papel das prévias para os partidos políticos. As prévias são um indicador de democracia interna e sinalizam que os filiados terão papel fundamental na escolha dos candidatos do partido. De modo geral, para além da democratização na tomada de decisão quanto aos candidatos, elas funcionam como mecanismo de fortalecimento partidário, uma vez que há o compromisso de apoio em torno do candidato vencedor. Esse processo tinha tudo para produzir coesão em torno de um projeto no partido. Vale ressaltar o ineditismo da medida, era a primeira vez que um partido brasileiro realizava prévias.
Porém, no caso do PSDB, o que se observou foi um processo no qual a fragmentação interna do partido foi externalizada. As divergências que, até então, se manifestavam na estrutura interna do partido se tornaram evidentes. Já as disputas ultrapassaram os muros do partido e chegaram ao debate público. Ao falar em divergências, não se considera que sempre haja unanimidade na estrutura intrapartidária, pelo contrário, as divergências fazem parte da vida partidária. Geralmente, os partidos são formados por diferentes tendências e no PSDB não é diferente. O que se tornou visível nos últimos anos é o acirramento das disputas das principais lideranças do partido, a fragmentação interna e a desorganização, o que evidenciou a crise do PSDB.
Além das questões técnicas que levaram à paralisação do processo, os problemas manifestados durante as prévias sinalizam mais um episódio de questionamento das regras de seleção dos candidatos e externalização dos dilemas organizacionais. Entre esses problemas, destacam-se: a dificuldade de superar as divergências internas que se acumulam e culminam em um processo de fragmentação do partido.
Essa crise está relacionada, por um lado, à falta de identidade do partido com o eleitorado, isto é, o partido não conseguiu estabelecer um vínculo com seu eleitor, tanto que parte significativa dos seus eleitores migraram e votaram em Bolsonaro em 2018 e, por outro lado, a falta de caminhos políticos para enfrentar as eleições de 2022 e de unidade das lideranças em torno de um projeto político. O resultado desse processo foi que em 2022, pela primeira vez desde as eleições de 1989, o partido não lançou candidato à presidência da República, tampouco fechou apoio formal a qualquer um dos candidatos que competiram na disputa.
Fazendo uma análise histórica, embora tenha perdido as eleições de 2014, o partido saiu fortalecido do pleito, já que a diferença entre Aécio Neves e Dilma Rousseff foi pequena (aproximadamente 3 milhões de votos). Porém os acontecimentos que se sucederam o enfraqueceu. Fatos como: os questionamentos com relação à lisura do processo eleitoral e de seu resultado, o apoio à campanha de impeachment, o caso Joesley Batista e o envolvimento de Aécio Neves, que até então era a principal liderança do partido, em esquemas de corrupção criaram uma atmosfera desfavorável ao partido. Tudo isso juntamente ao papel ambíguo que desempenhou em 2018 quando importantes lideranças se manifestaram em apoio a Bolsonaro, fragilizando a campanha de Geraldo Alckmin na reta final e que trouxeram importantes consequências.
O PSDB entrou menor nas eleições de 2018 e, nesse contexto, houve o deslocamento da organização na competição política no Brasil, desafiando o partido a respeito de sua capacidade de retomar o papel de legenda capaz de formular e executar um projeto de nação ou se ficaria relegado à sigla satélite. A eleição de 2018 foi a primeira desde 1994 na qual o partido não figurou entre as principais legendas, tanto na disputa presidencial quanto na obtenção de cargos de deputados federais. Foi o pleito no qual o partido conseguiu menos votos na disputa para presidência da república desde que começou a concorrer, apenas 4,76%. A título de comparação, em 1989, por exemplo, Mário Covas alcançou 11,5%. O partido saiu de terceira força na Câmara em 2014 (quando tinha 54 parlamentares), para a nona em 2018. O partido elegeu apenas 29 deputados, e caiu para a décima em 2022, quando elegeu 13 deputados, o menor número de representantes na Câmara na história do partido.
Desafios do PSDB
O que se observa é que o partido continua sem um projeto minimamente coeso que una as lideranças para apoiá-lo. Se a disputa entre os diferentes grupos era algo interno, durante o processo das prévias foi externalizado e marcado por acusações públicas. O que evidenciou a fragilidade da agremiação.
Reconquistar uma identidade política é um dos grandes desafios. O partido ainda não conseguiu definir qual sua identidade e parece que não encontrou sua marca, não sabendo qual espaço ocupar desde que saiu do governo, em 2002. Tinha se firmado na centro-direita, flertando com propostas mais progressistas no campo social e liberais no campo econômico. Em 2018 foi o momento no qual deveria ter fixado sua posição nesse ponto do espectro ideológico, buscando criar um vínculo com o eleitor da centro-direita, mas perdeu espaço quando a força mais à direita ganhou protagonismo trazendo para si parte significativa do eleitorado. Hoje se observa um aumento no número de partidos identificados com a direita com capacidade de atrair o eleitor, o que deixou o cenário mais competitivo.
O PSDB ainda não conseguiu superar as questões mais importantes relacionadas à sua estrutura e na apresentação de uma agenda que o coloque de fato na disputa. Com isso, é perceptível a falta de identidade que o caracterize por marca e que, ao mesmo tempo, seja atraente para o eleitor.
*Este texto não reflete necessariamente as opiniões do Boletim Lua Nova ou do CEDEC.
Referências
FREITAS, Jânio. Novo partido faz encontro e formaliza hoje sua criação. São Paulo. Folha de São Paulo, 25 de junho de 1988.
PSDB. RESOLUÇÃO CEN-PSDB N° 046/2021. Disponível em: 046de2021-Resolução-Disciplina-Prévias-Partidárias-Atualizada-17-de-novembro.pdf (psdb.org.br). Acesso em 17 nov 2023.
TSE. Disponível em: https://www.tse.jus.br/#/. Acesso em 17 out 2023.
VIEIRA, Soraia Marcelino. O Partido da Social Democracia Brasileira: trajetória e ideologia (1987-2010). Curitiba: CRV, 2016.
[1] Doutora em Ciência Política pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2012). Atualmente é professora Adjunta na Universidade Federal Fluminense (UFF) atuando no Departamento de Geografia e Políticas Públicas, no mestrado profissional em Administração Pública (Profiap) e no Programa de Pós Graduação em Ciência Política.
[2] As eleições diretas para presidente do Brasil ocorreram em 1989, 1994, 1998, 2002, 2006, 2010, 2014, 2018 e 2022.
[3] Foram governadores de Minas: Eduardo Azeredo (1995-1998), Aécio Neves (2003-2010), Antônio Anastasia (2010-2014).
Foram governadores de São Paulo: Mário Covas (1995-2001); Geraldo Alkmin (2001-2006); José Serra (2007-2010); Alberto Goldman (2010); Geraldo Alkmin (2011-2018); João Doria (2019-2022); Rodrigo Garcia (2022)
[4] Momento em que Fernando Henrique Cardoso foi eleito pela segunda vez à presidência.
[5] A redução no número de representantes eleitos (prefeitos, legisladores e governadores) é um fenômeno visível em todos os partidos tradicionais, MDB e PT, por exemplo, também têm conseguido eleger menos representantes. Por outro lado, o que se observa e mais partidos competitivos e maior fragmentação na composição dos parlamentos tanto no nível nacional como no subnacional.
Fonte Imagética: Logo PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira, marcas). Disponível em <https://www.psdb.org.br/conheca/downloads>. Acesso em 14 nov 2023.