Ivo Coser1
28 de junho de 2024
Houve uma série de fatos recentes que sinalizam para uma mudança no comportamento da nova direita brasileira. Os eventos se encadeiam fornecendo um sinal claro, a direita brasileira busca se aproximar do centro-direita e do centro político brasileiro. Cada um desses eventos possui um sinal dirigido para um grupo específico. Os eventos são vários, vejamos os mais significativos. O jantar oferecido pelo apresentador global Luciano Huck ao governador Tarcísio de Freitas em 17 de maio do ano corrente. O jantar oferecido por Tarcísio de Freitas ao presidente do Banco Central em 10 de junho de 2024. E o comício promovido pelos apoiadores de Jair Bolsonaro na Avenida Paulista, em fevereiro deste ano. O jantar oferecido por Luciano Huck indica um sinal de paz para um dos principais alvos da extrema direita brasileira, as organizações Globo. O jantar oferecido para o presidente do Banco Central estabelece um vínculo sólido com o capital financeiro. E, por último, no comício da Paulista, silêncio adotado pelo governador Tarcísio de Freitas para com o Supremo Tribunal Federal (STF).
A eleição de Bolsonaro teve uma grande semelhança com a eleição do presidente Fernando Collor de Mello. A eleição de Collor foi uma marcha que se desenrolou a despeito das candidaturas do mundo político institucionalizado, na época representando principalmente por Ulysses Guimarães (PMDB), Aureliano Chaves (PFL), Mário Covas (PSDB) e Luís Inácio Lula (PT). Todos eram forças que haviam surgido durante a reconstrução das instituições democráticas. Nesse cenário, a centro-direita assistiu atônita e afastada a ascensão do caçador de marajás. Em que pese que Collor havia saído desse mundo já que fora governador eleito pelo PMDB, seu apoio em nada contribuiu para sua eleição. Seguindo o mesmo roteiro de 1989, a centro-direita caminhou com Jair Bolsonaro, certa de que não havia nenhuma alternativa, e que com ou sem o seu apoio, o Capitão seria eleito. Essa lógica se modificou no comício da Paulista.
A ausência de ataques ao STF, a ponte com a grande imprensa e o encontro fraterno com o grande capital são sinais evidentes desse movimento. O comício da Paulista tendo ao seu lado Michele Bolsonaro, a Evita neopentecostal aponta para uma possível chapa Tarcísio e Michele. Agora, o centro coloca uma trava na boca descontrolada do bolsonarismo. E deve se apresentar mais civilizada, capaz de dialogar com o mundo das instituições gestadas no pós-84. Um vento novo na ventania da direita brasileira.
A ascensão de Tarcísio como possível candidato à presidência representa uma mudança na composição da aliança de direita. Um candidato que é governador do estado mais rico da federação e que esteve na máquina pública desde o governo Dilma, provavelmente trará um discurso mais alinhado aos temas do desenvolvimento econômico e uma carga menor dos temas chamados ideológicos: combate ao comunismo, à ideologia de gênero, cruzada moral. Temas que deverão ser tocados pela Evita neopentecostal, ungida pelos Pastores da Teologia da Prosperidade e leitores do antigo testamento.
Essa mudança foi provocada por vários fatores. Em primeiro lugar, as instituições gestadas nos pós-84, principalmente o STF, mostraram que o golpe não seria dado com base no desfile de tanques velhos, aglomerações na porta dos quartéis e pastores irados. A reação, principalmente do STF, da imprensa e do Alto Comando das Forças Armadas, sinalizou que o Golpe não derrubaria o edifício constitucional como um sopro num castelo de cartas. O próprio legislativo mostrou que o seu silêncio para com a cantilena golpista somente poderia ser comprado através da farra do orçamento secreto, mas não estava disposto a embarcar na aventura do controle do Estado pela família Bolsonaro e pela tigrada das forças armadas.
É com esse mundo que a centro-direita, representada por Tarcísio, parece sinalizar que o diálogo institucional é possível.
A busca do centro poderia ser o título de uma minissérie. O sociólogo Werneck Vianna, recentemente falecido, mencionava em seus textos a importância do que ele chamava de centro republicano na política brasileira. Em razão da maneira pela qual as transformações sociais se desenrolaram no país, o centro republicano era um ator importante na direção para uma sociedade democrática e socialmente mais justa. Uma das vertentes da ciência política, com a qual Werneck Vianna não dialogava, também destacava o papel do centro político. O qual não era o centro republicano do sociólogo, mas o centro, o local para o qual a maior parte do eleitorado se desloca. Anthony Downs2 aponta que o caminho dos atores políticos é a ida ao centro como estratégia para amealhar mais votos. Pois é nesse ponto do espectro eleitoral que se encontra a maior parte do eleitorado. Foi nesse segmento que Bolsonaro perdeu alguns pontos cruciais em 2022, suas ações de enfrentamento das instituições, seus ataques aos procedimentos sanitários dentre outros conseguiu afastar uma parcela do eleitorado que havia escolhido-o em 2018.
O impedimento da candidatura Bolsonaro em 2026 não significa a morte do bolsonarismo, ao que tudo indica que há um eleitorado consistente disposto a seguir sua orientação. E sob o ponto de vista da captura dessa parcela do eleitorado que se afastou do bolsonarismo em 2022, a candidatura do capitão-engenheiro e da Evita neopetencostal é um sinal alvissareiro. Tarcísio, o tocador de obras, sem vontade para bater de frente com o STF, a grande imprensa e o legislativo herdaria essa parcela tão importante. Numa eleição que, ao que tudo indica, será tão disputada quanto a de 2022.
Quando nos debruçamos sobre os números da eleição de 2022 é preciso observar o seguinte. A diferença foi de 2,1 milhão de votos a favor de Lula. É possível considerar que uma parte desses votos veio de eleitores que não compõem o campo bolsonarista e que votaram no capitão em 2018, mas o abandonaram ao longo do seu governo. Esse abandono, não significou a adesão desse eleitor ao governo Lula, foi principalmente um não rotundo ao desgoverno de Bolsonaro.
Se a chapa Tarcísio e Michele souber se comportar, é provável que esse eleitorado possa voltar para esse campo. E, desempenhando agora, ao contrário de 2018, um papel favorável à centro-direita. Até o momento, Tarcísio vive o melhor dos mundos. Enquanto, por um lado, sinaliza para a possibilidade de diálogo com o Supremo, a grande imprensa, sem ataques às urnas eletrônicas, não apontando para as forças armadas como poder moderador e capaz de conversar com grande capital, buscando conquistar o centro político. Por outro, mantém ativa a política da extrema direita. Na gestão do estado, a pauta é a pauta da direita na eleição de 2018, descontrole do aparato policial na periferia, a condução da questão educacional através da militarização das escolas e privatização dos órgãos públicos.
Hoje, por estranho que pareça, para a centro-direita a anistia ao Capitão seria um péssimo negócio. É melhor que ele desempenhe o papel de grande eleitor, e deixe o Capitão São Paulo e a Evita neopentecostal jogar o jogo.
* Este texto não representa necessariamente a opinião do Boletim Lua Nova ou do CEDEC. Gosta do nosso trabalho? Apoie o Boletim Lua Nova.
- Professor Associado do Programa de Pós Graduação de Ciência Política e do Curso de Ciência Política e da UNIRIO. Professor do Programa de Pós Graduação de História Comparada ↩︎
- Downs, Anthony. Uma teoria econômica da democracia. São Paulo: Edusp, 1999. ↩︎
Referência Imagética: O Governador do Estado de São Paulo, Tarcísio Gomes de Freitas, em Reunião de Secretariado + coletiva de imprensa. São Paulo/SP, 02 jan 2023 (Foto: Governo do Estado de São Paulo). Disponível em <https://www.saopaulo.sp.gov.br/spnoticias/governo-de-sp-faz-primeira-reuniao-com-novo-secretariado-no-palacio-dos-bandeirantes/>. Acesso em 11 jun 2024.