Andrei Koerner[1]
Pedro Henrique Vasques[2]
Raissa Wihby Ventura[3]
23 de janeiro de 2025
O Boletim Lua Nova publica o texto de Introdução Geral e do Volume das edições 138 e 139 dos Cadernos Cedec.
Os cadernos Cedec números 138 e 139 trazem um dossiê sobre racionalidade e pluralismo, com artigos de discentes do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e de outros Programas. Inicialmente preparados como monografias finais da disciplina “Teoria Política Contemporânea 2”, ministrada pelo professor Andrei Koerner, entre 2017 e 2023, os textos foram revisados pelos seus autores com base nos comentários e sugestões feitos pelos organizadores do dossiê.
Tal disciplina é organizada em dois módulos, voltados respectivamente ao pluralismo e à teoria da escolha racional. Em Ciência Política, essas perspectivas assumem várias facetas, mas suas principais características são as análises do comportamento político, dos processos decisórios e das instituições políticas. Desde meados do século XX, o behaviorismo pluralista e as análises econômicas do comportamento político, como a teoria da escolha racional, tornaram-se duas das mais importantes perspectivas teóricas na disciplina, influenciando – de modo manifesto ou implícito – pesquisas acadêmicas na atualidade. Para além de suas diferenças, tais perspectivas apresentam similaridades: o propósito de fazer análises “positivas” dos fenômenos políticos, o pressuposto de equilíbrio dinâmico das interações políticas, o foco na tomada de decisão por atores individuais e coletivos e a premissa da sua racionalidade. Parece causar pouco dissenso a afirmação de que essas perspectivas, diferentes, mas com aproximações importantes, são profícuas para a formulação de desenhos de pesquisa. Ainda assim, mostraram-se limitadas e controversas desde sua emergência no cenário intelectual norte-americano e internacional.
Em virtude das objeções epistemológicas e metodológicas internas ao campo da Ciência Política, o pluralismo teve que rever suas premissas otimistas sobre a inclusividade e a responsividade do sistema político norte-americano. Por sua vez, a teoria da escolha racional incorporou normas e convenções como quadro das interações políticas e teve que relaxar suas suposições de racionalidade dos agentes. As duas teorias se diversificaram, portanto, comportando desdobramentos e desenvolvimentos que levaram ao refinamento ou à reelaboração de conceitos e técnicas de pesquisa, bem como à redefinição de seus problemas e abordagens.
Contudo, elas permanecem contestadas por teorias críticas de variados matizes, como as hermenêuticas, marxistas ou foucaultianas. A partir disso são postas questões envolvendo a estrutura social e a dominação política; convenções, relações de poder e ideologia; comportamentos não conscientes ou não intencionais; fatores e influências que impõem vieses e irracionalidades; e processos críticos ou pouco previsíveis.
Sem pretender forçar uma convergência de abordagens positivas com seus antagonistas intelectuais, as próprias teorias críticas podem ser consideradas formas de pensamento pluralista, apresentando outras análises sobre a racionalidade individual e coletiva. Desse modo, elas foram incorporadas ao programa da disciplina, com o objetivo de explorar diferenças e convergências, tornando mais variada a formação dos discentes e lhes oferecendo um leque mais amplo de possibilidades analíticas para a pesquisa em Ciência Política.
Os artigos deste dossiê apresentam um quadro diverso de elaborações, proporcionado pela leitura, análise e debate sobre as principais obras das teorias pluralistas e da escolha racional, bem como as de seus críticos e dos desenvolvimentos posteriores. Alguns deles comparam teorias e conceitos específicos dos trabalhos de dois ou mais autores discutidos na disciplina, fazendo o balanço de suas diferenças e convergências, com o objetivo de sistematizar suas próprias análises e reflexões críticas. Outros vão além das comparações mais usuais, abrindo-se a novas e inesperadas questões a partir da formação adquirida na disciplina. E, ainda, há os que exploram as interseções e confluências das teorias, pontos ou zonas de fronteira entre elas, em função de determinados temas empíricos.
Sob esse aspecto, as temáticas do poder e das emoções mostraram-se particularmente ricas, pois situam suas questões em uma premissa comum às duas perspectivas: a racionalidade dos atores. A referente às emoções tem suscitado debates nos últimos anos e, muitas dessas análises, se distribuem entre as abordagens pluralistas e da escolha racional. De todo modo, as emoções colocam-se na confluência entre individualismo metodológico ou análise de grupos ou coletividades, decisões conscientes e hábitos, deliberação racional ou decisões segundo frames.
A temática ligada ao poder problematiza a própria possibilidade de abordagens “positivas” dos processos políticos. Conceitos como “racionalidade individual”, “normas”, “comportamento” e “decisão” não são marcadores autoevidentes com capacidade de estabelecer as balizas para definir problemas e metodologias de pesquisa empírica sem ambivalências e nem vieses. Pelo contrário, eles trazem em si mesmos – tanto pela exclusão de dimensões da realidade quanto pela incorporação de elementos apenas aparentemente objetivos – fatores de poder em suas múltiplas dimensões.
A autoanálise crítica aparece como um momento indispensável da pesquisa, tanto na formulação dos problemas e escolhas teóricas quanto na própria condução de atividades específicas de investigação. Dessa forma, a positividade, a sistematicidade e a racionalidade comuns ao pluralismo e à escolha racional tornam-se insustentáveis enquanto premissas ou modelos teóricos para a formulação de problemas e métodos de análise. Ao mesmo tempo, essas teorias permanecem como balizas relevantes para a reflexão acadêmica. Elas funcionam como marcadores para determinados momentos ou atividades de pesquisa, ao mesmo tempo em que são insuficientes para assegurarem por si só a validade dos procedimentos adotados e a qualidade dos resultados alcançados.
As formas distintas de análise permitiram que os artigos que compõem este dossiê fossem divididos em duas partes: a primeira, com avaliações sobre o pluralismo e a escolha racional como teorias e metodologias em Ciência Política, e, na segunda, reflexões sobre poder, racionalidade e emoções. O dossiê é encerrado com uma reflexão do docente sobre sua trajetória à frente da disciplina, na qual explicita, retrospectivamente, suas escolhas de abordagem e de conteúdo ao longo dos anos.
Este dossiê foi inicialmente pensado para um único Caderno, mas as respostas positivas de todas as pessoas convidadas permitiram que o projeto fosse ampliado. Agradecemos vivamente a todas e todos por terem aceitado a proposta e por retrabalharem seus textos que, em muitos casos, se distanciam dos temas de suas pesquisas de pós-graduação. A nova escrita de seus trabalhos acadêmicos como artigos reflete o amadurecimento intelectual das autoras e dos autores em sua passagem de discentes de pós-graduação a pesquisadoras e pesquisadores em Ciência Política.
Sua colaboração possibilitou a preparação de um repertório variado em termos de conteúdo e abrangente quanto aos problemas e abordagens. O dossiê coloca-se, portanto, como um documento do trabalho realizado na disciplina e material de apoio aos seus conteúdos e também como um conjunto de explorações sugestivas para pesquisas na área.
* Este texto não reflete necessariamente as opiniões do Boletim Lua Nova ou do CEDEC. Gosta do nosso trabalho? Apoie o Boletim Lua Nova!
[1] Professor Associado do Depto. de Ciência Política-IFCH/Unicamp, coordenador do Ceipoc-IFCH/Unicamp e pesquisador associado do Cedec.
[2] Pós-doutorando junto ao Depto. de Ciência Política-IFCH/Unicamp, pesquisador do Ceipoc-IFCH/Unicamp e diretor do Cedec.
[3] Pós-doutoranda junto ao Depto. de Ciência Política-IFCH/Unicamp, pesquisadora do Ceipoc-IFCH/Unicamp e associada do Cedec
Fonte imagética: Capa da edição 138 dos Cadernos Cedec. Disponível em: https://www.cedec.org.br/poder-racionalidade-emocoes-temas-e-reflexoes-em-teoria-politica-contemporanea-cadernos-cedec-no-139/. Acesso em: 22 de janeiro de 2025.