Luis Fernando Ayerbe[1]
Assim que assume o governo norte-americano em janeiro de 2017, Donald Trump inicia uma ofensiva internacional em que busca distanciar o país do engajamento com aliados e distensão com adversários que pautou a administração de Barack Obama: saída da Parceria Transpacífico de Cooperação Econômica e do acordo de Paris sobre mudança climática, rompimento unilateral do acordo nuclear com Irã, envolvendo os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) e a Alemanha, com retomada das sanções ao país, guerra comercial contra a China pela imposição de restrições à importação de produtos.
Nas relações com a América Latina, sem ter apresentado durante a campanha eleitoral qualquer lineamento de alcance regional, se esboça uma atuação em duas frentes: 1) nas relações com o México, em temas de imigração e livre-comércio, com a construção do muro fronteiriço e a revisão do Tratado de Livre-Comércio da América do Norte (NAFTA), em vigor desde a administração Clinton, que atinge também o Canadá, refundado em outubro de 2018 como Acordo Estados Unidos-México-Canadá (USMCA); 2) a ingerência mais aberta pela mudança de governo em países situados em campo não-alinhado, como Cuba, Venezuela e Nicarágua.
Essa última dimensão é reforçada em março de 2018 com a nomeação de John Bolton como Assessor de Segurança Nacional, que vai ganhando crescente influência na política externa. Ex-embaixador nas Nações Unidas de George W. Bush, pouco antes da chegada ao governo tinha exposto sem rodeios sua abordagem das relações com a América Latina:
com a Venezuela nas cordas, a legitimidade revolucionária dos Castros desaparece, e a pressão dos EUA aumentando, por quanto tempo o regime sobrevive é uma questão em aberto… Embora as tensões provavelmente não retornem aos níveis da Guerra Fria, quando a crise soviética sobre Cuba chegou perto de provocar a guerra nuclear, a intromissão russa na América Latina poderia inspirar Trump a reafirmar a Doutrina Monroe (outra vítima dos anos Obama) e pôr-se de pé para o povo sitiado de Cuba (como ele faz agora para o Irã) [2].
Apresentada em 1823, expressando preocupação com as intenções da Espanha de reverter o processo de independência latino-americano, a Doutrina Monroe estabelece para os Estados Unidos o papel de guardião regional, justificando o intervencionismo sob a palavra-de-ordem “América para os Americanos”. Em 2013, durante a administração Obama, o então Secretário de Estado John Kerry anunciou que “a era da Doutrina Monroe terminou”, apontando para nova realidade em que já não se “precisa de força para ter força”[3].
Discursando em Miami em novembro de 2018, com mensagem “em nome do presidente”, Bolton torna oficiais as ameaças de reafirmação do intervencionismo monroísta, incluindo Cuba, Venezuela e Nicarágua no que denominou “troika da tirania”, “triângulo de terror … gênese de um sórdido berço do comunismo no Hemisfério Ocidental”. Como resposta, projeta uma escalada de sanções, já que “os Estados Unidos agora esperam ver cada canto do triângulo cair: em Havana, em Caracas, em Manágua. Enquanto aguardamos esse fatídico dia, o povo da região pode ter certeza de que os Estados Unidos estão com eles contra as forças da opressão, totalitarismo e dominação”[4].
Esses três países não eram situados no campo das ameaças em tempos de Obama, que assumiu a possibilidade de convivência pacífica. Nessa avaliação, pesava o enfraquecimento da influência regional bolivariana a partir da crise econômica enfrentada pelo governo de Nicolás Maduro, paralelamente à vitória eleitoral da oposição em 2015, e o impacto regional das mudanças de governo na Argentina e Brasil com a eleição de Mauricio Macri e o impeachment de Dilma Rousseff. Ao mesmo tempo, os acordos com Raúl Castro, que promoveram a normalização de relações diplomáticas com Cuba, fortaleciam a percepção de um contexto propício a uma projeção do poder estadunidense menos propenso a escaladas intervencionistas. Na direção oposta, esse mesmo cenário passa a ser lido pela administração Trump como oportunidade de ofensiva eliminadora do campo adversário.
Esboça-se, assim, uma reação de ajuste de contas com o passado, uma espécie de revanche contra inimigos da Guerra Fria, como as revoluções cubana e sandinista, ou contra experiências que reivindicam essa trajetória, como o bolivarianismo venezuelano.
Como no passado, a América Latina se torna palco experimental de abordagem funcional a novos tempos de intervencionismo aberto, aplicável a desafetos em âmbito global, apostando na imposição de mudanças de regime político através de sanções, isolamento internacional e apoio financeiro às oposições internas.
[1] Professor de História e Relações Internacionais da Universidade Estadual Paulista (UNESP), pesquisador do Instituto Nacional de Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-INEU).
[2] https://www.aei.org/publication/pay-attention-to-latin-america-and-africa-before-controversies-erupt/.
[3] http://www.state.gov/secretary/remarks/2013/11/217680.htm.
[4] https://www.whitehouse.gov/briefings-statements/remarks-national-security-advisor-ambassador-john-r-bolton-administrations-policies-latin-america/