Jefferson dos Santos Estevo1
Laís Forti Thomaz2
Amanda Duarte Gondim3
2 de setembro de 2024
Este texto faz parte de uma série especial do Grupo de Reflexão G20 no Brasil do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília. Leia os textos anteriores aqui.
A Transição Energética no G-20
A presidência do Brasil no G-20 tem produzido debates em diferentes temas e programas, recorrentes com o lema proposto pelo país, “Construindo um mundo justo e um planeta sustentável”. As mudanças climáticas estão representadas nessa agenda, com a criação da Mobilização Global contra a Mudança do Clima, integrante das duas Trilhas de negociações, Sherpas e Finanças. Isso evidencia a importância da pauta climática na política doméstica e exterior do país. No grupo com as maiores economias globais, também estão inseridos os principais países emissores de Gases do Efeito Estufa (GEE). Cerca de 80% são provenientes dos membros do G-20, principalmente China, Estados Unidos , União Europeia e Índia.
O setor predominante dessas emissões é o de energia, responsável por mais de 70%, envolvendo desde a produção de eletricidade, utilização de energia para indústrias, além de transporte rodoviário e aviação. Isso em decorrência da utilização de combustíveis fósseis, sobretudo nos países citados, o que demanda uma transição energética. Desta forma, a mitigação das mudanças climáticas e seus riscos depende de avanços no setor de energia, não apenas na modificação da matriz, mas também no acesso básico, como ressaltou o ministro de Minas e Energia (MME) Alexandre Silveira: “O mundo precisa combater a pobreza energética em todas as suas formas”. Essa agenda está em total acordo com outras pautas do G-20 no país, o combate à fome e a desigualdade social.
O MME chefia o Grupo de Trabalho de Transição Energética, em três áreas principais: (i) aceleração do financiamento para a transição energética; (ii) promoção de uma transição justa e inclusiva; e (iii) desenvolvimento de mercados para combustíveis sustentáveis. Segundo a Agência Internacional de Energia (IEA), em 2024, o investimento global em tecnologias e infraestrutura de energia limpa deve alcançar US$2 trilhões, quase o dobro do gasto com combustíveis fósseis. Porém, ainda existe a necessidade da implementação de novos projetos, especialmente em economias emergentes e em desenvolvimento. O Brasil e a Índia lideram esses investimentos, ambos foram os últimos presidentes do G-20.
No segundo ponto, “A transformação das matrizes de energia dos países em desenvolvimento e de menor desenvolvimento relativo depende do apoio dos países desenvolvidos e demanda uma diversificação das fontes de financiamento”. Ou seja, a transição justa e inclusiva necessita de maior cooperação entre os países, com maior financiamento dos desenvolvidos.
Os Combustíveis Sustentáveis, Clima e Energia
No que tange os combustíveis sustentáveis, estes receberam destaque no G-20 na Índia, com o país promovendo a ideia da mitigação climática por meio da sua utilização. No final da sua presidência foi criada a Aliança Global de Biocombustíveis, de modo a “estabelecer padrões internacionais para a produção sustentável de biocombustíveis, promovendo práticas de produção social e ambientalmente responsáveis”. A Índia utilizou da sua presidência para fomentar a ideia de maior utilização de biocombustíveis, uma política recente do país, a fim de diminuir a dependência do petróleo e contribuir para a redução de emissões, com utilização do etanol.
O Brasil é o segundo maior produtor de biocombustíveis do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos, e seguido por Indonésia e China. Na produção de etanol, o país também está na segunda posição. Tratam-se de duas marcas importantes que ressaltam a expertise brasileira neste setor. Assim, o país vem promovendo, ao longo dos últimos anos, a transição energética do setor rodoviário e auxiliando para as reduções de emissões, com o Renovabio, que “busca ampliar a participação competitiva dos biocombustíveis baseando-se no estabelecimento de metas anuais de redução de intensidade de carbono da matriz energética de transporte”.
Nesse processo de mitigação, o Brasil, na sua agenda como presidente do G-20, tem avançado em outro debate que foi pauta também na presidência da Índia, em 2023: o desenvolvimento de padrões para contabilidade de carbono. E dentro do GT de Transição Energética, foram estabelecidos os Diálogos do G20, que ocorreram nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Natal, com o último para final de Agosto em Brasília. Em Natal, Heloísa Borges ressaltou o tema: “Temos que convergir e ter critérios que sejam verificáveis e harmonizados. Se tivermos uma fragmentação dos critérios de contabilidade de carbono, do que são combustíveis sustentáveis, a gente não consegue avançar”.
Para auxiliar as discussões foi elaborado um relatório da Agência Internacional de Energia (IEA), em cooperação com a presidência do Brasil no G-20. Segundo o estudo, a “contabilidade de carbono é um termo genérico que se refere à avaliação das emissões de GEE, com base nos princípios de avaliação do ciclo de vida, e abrange toda a cadeia de fornecimento de biocombustíveis e seu uso final”. Ao coletar e analisar dados de diversas fontes emissoras, como a queima de combustíveis fósseis e processos industriais, essa ferramenta não só oferece uma visão precisa das emissões, mas também destaca áreas estratégicas onde medidas de mitigação, como a melhoria da eficiência energética, podem ser implementadas. Adotar métodos de contabilidade de carbono alinhados a padrões internacionais, como o Greenhouse Gas Protocol e a ISO 14064, é essencial para garantir transparência, responsabilidade e comparabilidade dos dados, tanto entre nações quanto entre setores.
Deste modo, a produção de biocombustíveis, foco do estudo, necessita de um melhor arcabouço entre os países, para que padrões gerais sejam estabelecidos. O seu avanço não será prejudicado como no caso das proibições de importações pela União Europeia do Brasil, justificada pela produção de alimentos. Segundo Heloísa em entrevista para o EPE: “Os critérios a partir dos quais a gente vai contabilizar emissões e os critérios de sustentabilidade são fundamentais para a gente não ficar nesse debate eterno do que é do food versus fuel, do que é ou não sustentável”.
A intensidade de carbono dos biocombustíveis pode ser aprimorada por meio de políticas de suporte e verificação rigorosas, visando reduzir as emissões de GEE ao longo de toda a cadeia de produção. Práticas agrícolas mais sustentáveis e o uso de energias renováveis são exemplos de inovações que podem contribuir significativamente para essa redução. Além disso, tecnologias como a captura de carbono associada à produção de biocombustíveis oferecem potencial para emissões negativas, embora possam aumentar os custos. Para que essas melhorias sejam viáveis, é necessário um suporte robusto de políticas e um mercado que valorize rotas de biocombustíveis com maior eficácia na redução de GEE, baseadas em dados precisos e verificáveis. É neste sentido que o Brasil tem interesse em discutir o tema dentro do G-20, enquanto o país responsável por elaborar as pautas.
O país tem um papel importante na agenda climática global, com uma matriz energética muito mais limpa do que outros membros do G-20. E os biocombustíveis têm cooperado para este destaque do país. Segundo o último relatório do EPE sobre o tema, “Em 2023, o total de emissões evitadas pelo uso de bioenergia foi de 85,62 MtCO2, valor que não apenas retoma o patamar pré-pandemia, como também o supera em 16%”, conforme o gráfico abaixo:
Gráfico 1: Emissões Evitadas com Bioenergia nos últimos 5 anos
Fonte: EPE, 2024a, p. 61.
Como ressalta o estudo da IEA (2024), a contabilidade de GEE, baseada em Análise de Ciclo de Vida, exige dados detalhados e precisos para superar desafios de consistência e representatividade. É crucial que esses dados venham de fontes confiáveis e sejam específicos para as condições regionais para evitar distorções. Políticas eficazes, como as do Brasil e da Califórnia, mostram que uma contabilidade clara e robusta permite diferenciar o desempenho dos biocombustíveis e apoiar a redução contínua das emissões de GEE .
Além de suas contribuições para a descarbonização, os biocombustíveis desempenham um papel vital no combate à pobreza energética, especialmente em países em desenvolvimento que enfrentam dificuldades no acesso a fontes de energia limpas e acessíveis. A pobreza energética é uma questão crítica que afeta milhões de pessoas em todo o mundo, limitando seu acesso a serviços essenciais e comprometendo sua qualidade de vida. Em muitas regiões, a falta de acesso à energia limpa obriga as populações a recorrerem a fontes mais poluentes e menos eficientes, como a lenha e o carvão, exacerbando problemas ambientais e de saúde.
Neste sentido, a criação do Diálogos do G20 de Transições Energéticas, tem o papel de indicar os resultados positivos do Brasil, mas também “encontrar consensos dentre os membros para avançar na transição energética, respeitando os seus contextos nacionais, as suas capacidades institucionais e recursos que cada país tem na área de energia”. Um dos objetivos dos Diálogos está no tema da contabilidade de GEE, conforme reforçado por Heloísa Borges em sua entrevista para o EPE, em que há divergências sobre o conceito de sustentabilidade para biocombustíveis, particularmente na contabilidade de emissões ao longo do ciclo de vida. Ela enfatiza a importância de harmonizar critérios globais e criar padrões regionais para garantir o reconhecimento internacional dos biocombustíveis como sustentáveis.
Considerações Finais
No Brasil, a questão dos biocombustíveis é particularmente relevante. O país tem uma longa tradição na produção e uso de biocombustíveis, com destaque para o etanol derivado da cana-de-açúcar. O programa brasileiro RenovaBio tem servido de modelo para outros países e é uma parte central da estratégia nacional de redução de emissões, como indicado no Gráfico 1, e ainda para a diversificação das fontes de energia, ao mesmo tempo em que impulsiona o desenvolvimento econômico em áreas rurais. O país pretende aproveitar a presidência do G20 para avançar na certificação de biocombustíveis, como hidrogênio e Combustíveis Sustentáveis de Aviação, enfrentando resistência de países europeus para demonstrar que não há competição entre alimentos e biocombustíveis.
Com a recente mudança na política climática sob o governo de Lula, o Brasil tem uma oportunidade única de reforçar seu papel como líder global em sustentabilidade. A nova administração tem demonstrado um compromisso renovado com a preservação ambiental e a luta contra as mudanças climáticas, buscando reverter os danos causados por políticas anteriores e promover práticas sustentáveis em todo o país. Esse compromisso é fundamental para melhorar a posição do Brasil no cenário internacional e atender às expectativas da comunidade global em relação à proteção ambiental e à redução das emissões.
Em conclusão, a contabilidade de carbono é uma ferramenta indispensável para a gestão eficaz das emissões de GEE e para a formulação de políticas climáticas robustas. O G20, ao coordenar os esforços globais nessa área, e a Aliança Global dos Biocombustíveis, ao oferecer soluções viáveis para a descarbonização e a mitigação da pobreza energética, desempenham papéis centrais na transição energética global mais verde e inclusiva. No Brasil, a retomada da agenda e a integração dessas abordagens, com e o fortalecimento dos compromissos climáticos, sob a nova administração, são cruciais para enfrentar os desafios das mudanças climáticas, e promover um futuro sustentável e com energia limpa.
* Este texto não representa necessariamente as opiniões do Boletim Lua Nova ou do CEDEC. Gosta do nosso trabalho? Apoie o Boletim Lua Nova!
- Pesquisador Pós-Doutorando em Ciência Política pela Universidade Federal de Goiás, Bolsista CNPQ e FAPEG. Doutor em Ciências Sociais pela Universidade de Campinas. Membro do Grupo de Reflexão G20 no Brasil do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasíliaemail: jeffersonestevo@ufg.br ↩︎
- Doutora em Relações Internacionais pela Unesp -San Tiago Dantas. Assessora na Secretaria Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis do Ministério de Minas e Energia do Brasil.Membro do Grupo de Reflexão G20 no Brasil do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília. Email: thomaz@mme.gov.br . Visões e opiniões expressas são, no entanto, apenas do(s) autor(es) e não necessariamente refletem as do MME. ↩︎
- Doutora em Química pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Professora de Química do Petróleo na Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Email: amandagondim.ufrn@gmail.com ↩︎
Referência imagética: MME – Ministério de Minas e Energia. G20 em Belo Horizonte/MG (29/05/2024). Fotografia de Ricardo Botelho/MME. Disponível em: <https://www.flickr.com/photos/minaseenergia/albums/72177720317392507/>. Acesso em: 02 set. 2024.