César Mortari Barreira1
12 de agosto de 2024
Em comemoração aos 100 anos da publicação de “Teoria Geral do Direito e Marxismo”, de Evguiéni Pachukanis, este texto compõe uma série especial sobre esta obra e o autor. Os outros textos podem ser encontrados aqui.
I.
Publicado há cem anos, A teoria geral do direito e o marxismo é um marco na história do pensamento jurídico. Desde sua primeira edição, em 1924, as reflexões de Pachukanis possibilitaram discussões que foram muito além das simplificações e esquematismos característicos do debate até então vigente. Não por acaso, autores como Radbruch e Kelsen reconheceram de imediato a importância do livro e procuraram rebater seus argumentos.
A perspectiva pachukaniana rompe com a tese tradicional acerca do direito e do Estado, para a qual ambos seriam expressões de uma ideia transcendental. Neste caso, o direito substancia a história como teodiceia2, notadamente enquanto encarnação da “justiça”, “razão” ou “bem comum”. Daí não ser mera coincidência a derivação construída entre progresso, Estado e constituição em Lassalle, premissa mobilizada por Kelsen em oposição às teses de Marx3. Neste cenário, administradores, trabalhadores e movimentos sociais teriam na regulação jurídica – notadamente no direito público e, em termos mais genéricos, na social-democracia – um porto seguro para a construção do socialismo.
A crítica marxista não tardou em reagir a essa abordagem. Pense-se, por exemplo, em algumas publicações de Lênin4, nas quais o direito aparece como “expressão da vontade das classes” (LW, 13, p. 327) ou, então, como algo “à disposição” dos governantes: “uma lei é uma medida política, é política” (LW, 23, p. 40). Ainda que parte da literatura especializada ateste a atrofia da complexidade do objeto jurídico nas abordagens instrumentalistas do direito, Pachukanis considera que, diante da revolução do proletariado – abordada como um evento certo e necessário –, seria até certo ponto natural relegar “as formas jurídicas a segundo e até mesmo a terceiro plano no desenvolvimento social” (Beirne; Sharlet, 1980, p. 147).
Considerado pelo próprio autor um “esboço”, uma “experiência inicial de crítica marxista” (Pachukanis, 2017, p. 64; 53), A teoria geral do direito e o marxismo foi, inicialmente, uma intervenção nesse debate. Diante da filosofia burguesa do direito e das teorias sociológicas e psicológicas, Pachukanis não se satisfez com a abordagem de muitos marxistas, para os quais “pareceu suficiente introduzir […] o elemento da luta de classes para obter uma autêntica teoria materialista e marxista do direito” (Pachukanis, 2017, p 74-75). Ao enfatizar não apenas a “forma jurídica”, mas “o nexo interno profundo” (Pachukanis, 2017, p. 85) entre esta e a forma mercadoria, Pachukanis ilumina questões até então encobertas. Desse modo, ele oferece uma “protohistória” capaz de despertar “um saber ainda não consciente” (BGS, V, p. 572)5 do fenômeno jurídico e, assim, tanto problematizar a compreensão até então dominante do sentido do direito como tornar legível os desafios postos pela revolução em outra chave.
Não por acaso, desde que A teoria geral do direito e o marxismo foi redescoberta, na década de 1960, o livro adquiriu um caráter formativo. Seus capítulos constituíram recipientes conceituais que orientaram gerações de leitores: forma jurídica, sujeito de direito e forma do Estado, dentre outros, são uma memória que guiou a experiência futura da reflexão marxista. Daí a pergunta: como explicar a atualidade centenária deste texto? Ao estabelecer um diálogo entre Pachukanis e a teoria crítica – especialmente a obra de Adorno –, sugiro, ainda que brevemente, um caminho alternativo para a compreensão da importância do pensamento pachukaniano nos dias de hoje. Trata-se, sem dúvidas, de um clássico, e isso em mais de um sentido6.
II.
Continuamente relido, A teoria geral do direito e o marxismo é um daqueles livros que “nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer” (Calvino, 2023, p. 17). Essa perenidade não está vinculada somente ao aspecto mais ensaístico do texto. Em certo sentido, ela é um desdobramento da expansão e aprofundamento capitalistas. Se Pachukanis tinha como pano de fundo não apenas a revolução de 1917, mas as expectativas de um futuro melhor, no qual o socialismo romperia as amarras da acumulação de capital7, é possível que seus textos adquiram outra acepção à luz de uma perspectiva histórica radicalmente distinta – “pois o mundo, que aqui e agora poderia ser o paraíso, amanhã pode se transformar em inferno” (AGS, 10.2, p. 470).
Tal possibilidade é posta pelo desenvolvimento do capitalismo nos últimos cem anos, cuja dinâmica cicatrizou a “pré-história [Vorgeschichte] da sociedade humana” na experiência cotidiana. No prefácio de Para a crítica da economia política (1859), Marx utilizou-se dessa categoria para referir-se ao período histórico no qual o desenvolvimento do indivíduo está atado aos antagonismos e violências que “brotam” das condições sociais de vida (MEGA, II.2, p. 101). O fim da “pré-história” instituiria, assim, “o reino da liberdade” efetiva, tendo como corolário o advento do “indivíduo plenamente desenvolvido” (MEGA, II.6, p. 466). Nas palavras de Lukács, isso significaria “que as relações objetificadas […] começam a restituir seu poder ao homem” (Lukács, 2012, p. 173).
O terreno dessa restituição foi cimentado pela destrutividade do modo de produção capitalista, hoje evidente em múltiplas crises (econômica, política, ecológica e energética). No entanto, aqui opera mais do que uma simples oposição. Bem compreendido, é o desenvolvimento imanente das leis de produção e apropriação do capitalismo – isto é, a reprodução sistemática da acumulação de capital e, com ela, da forma-mercadoria – que impõe um crescente potencial de coação e barbárie. A vida passa a ser, então, “vida danificada” e a experiência individual já não tem autonomia nem substância própria. Diante disso, passa a ser relegada à “apêndice do processo material da produção” (AGS, 4, p. 13) e se encontra expropriada de sua continuidade biográfica. Assim, “o domínio universal do valor de troca sobre os homens nega a priori os sujeitos que podem ser sujeitos” (AGS, 6, p. 180). É a partir desse pano de fundo que o conceito marxiano de “pré-história” pode ser analisado sob uma perspectiva mais abrangente: toda a história até agora conhecida constitui o “reino da não liberdade” (AGS, 8, p. 234).
Nesse contexto, a mediação social ocorre por antagonismos sociais cada vez maiores e, progressivamente, descama a fina camada da igualdade jurídica que cria um falso senso de oportunidades. Isso vale até mesmo nos casos de grandes capitais. Estes, segundo Adorno, devem seu êxito a elementos que se originam fora do mercado, como “a força do capital […], o poder político e social que representam, a velha e nova rapina do conquistador, a filiação à propriedade feudal […] e a relação com o aparato militar de dominação direta” (AGS, 8, p. 378).
A “sociedade radicalmente socializada” (AGS 5, p. 273) é a “falsa totalidade”8, “irracionalidade objetiva do todo” (ANS, IV.12, p. 201). Daí a sugestiva leitura de O capital como uma “fenomenologia do anti-espírito” (AGS, 6, p. 349). Ao hierarquizar espaços e temporalidades, o capital faz girar uma reprodução social “virtualmente onipotente”, inóspita ao indivíduo singular “impotente e nulo” (AGS, 5, p. 290). Uma vez que “a sociedade é tanto um conjunto de sujeitos quanto sua negação” (AGS, 6, p. 22), o desenvolvimento do capitalismo impõe “neurose, sofrimento e todos os fenômenos possíveis da mutilação” (ANS, IV.12, p. 113), frutos da reprodução em larga escala da “dominação, da não liberdade e da ubiquidade da catástrofe” (AGS, 8, p. 234). Nesse cenário, as expectativas de emancipação perdem sua substância. O atrofiamento categorial – a incapacidade de conceitos como justiça, liberdade e igualdade tensionarem a realidade efetiva – não é apenas um sintoma do novo patamar de violência socialmente reproduzida: ele impõe enormes desafios à teoria crítica e à crítica marxista do direito.
III.
A reconstrução de algumas ideias centrais do pensamento adorniano possui duas motivações. Em primeiro lugar, contribuir para o diagnóstico do desenvolvimento fatal do capitalismo9 para, então, indagar de que modo uma leitura “ficcional” da obra pachukaniana é capaz de abrir novos horizontes de pesquisa e enfrentamento. Esse movimento deve ser entendido enquanto estratégia de aproximação, tal como apresentada por Adorno em um seminário de 1959: “permitam-me que comece pela ficção de que vocês ainda não sabem nada sobre a Crítica da razão pura” (ANS, IV.4, p. 09). Para além do tom provocativo, a abordagem revela uma curiosa simultaneidade: ao mesmo tempo que é ilegítima, é legítima. Enquanto a ilegitimidade associa-se ao fato de que todos os estudantes presentes já teriam ouvido falar do livro mais famoso de Kant, a legitimidade decorre da tendência à reificação dos escritos, que torna “ainda mais difícil uma genuína interação com eles” (ANS, IV.4, p. 09).
Se a leitura de A teoria geral do direito e o marxismo adotar a estratégia adorniana, qual seria sua ressonância diante da atual catástrofe permanente? No interior da academia jurídica, ela certamente despertaria interesse diante das apostas redobradas no normativismo jurídico10. Nesse sentido, o “ensaio de crítica dos conceitos jurídicos fundamentais” (Pachukanis, 2017, p. 135) permanece um projeto atual, um clássico “que tende a relegar as atualidades à posição de barulho de fundo, mas ao mesmo tempo não pode prescindir desse barulho de fundo” (Calvino, 2023, p. 21). Por isso ainda é necessário revelar a artificialidade das abstrações encontradas na teoria do direito; criticar a divisão entre direito público e direito privado; demonstrar como “a lógica dos conceitos jurídicos corresponde à lógica das relações sociais da sociedade produtora de mercadorias” (Pachukanis, 2017, p. 123); desvendar a conexão social a partir de “duas formas absurdas: como valor da mercadoria e como capacidade do homem de ser sujeito de direitos” (Pachukanis, 2017, p. 141); amalgamar o fetichismo da mercadoria ao fetichismo jurídico; questionar o modo de aparecimento do Estado enquanto “aparato público de poder impessoal e apartado da sociedade” (Pachukanis, 2017, p. 171) etc.
Ocorre que, quanto maior a dissecação acadêmica do corpo teórico pachukaniano, menor sua repercussão geral. Pois a questão mais urgente está em saber como a expansão violenta das dinâmicas de apropriação capitalista se conecta com o direito. Naturalmente, seria possível compilar algumas referências de A teoria geral do direito e o marxismo a esse respeito. Ao se referir ao capital financeiro, por exemplo, Pachukanis reconhece que este “dá muito mais valor ao poder forte e à disciplina”, de tal modo que a ampliação da regulamentação autoritária resultaria na atrofia da categoria do direito (Pachukanis, 2017, p. 129). Ao abordar a “pureza” das teorias burguesas, o autor enfatiza o pressuposto material à esfera dos possuidores de mercadorias independentes, qual seja, a “arena de uma encarniçada guerra de classes”, na qual o poder deixa de lado a máscara do “Estado de direito” para se revelar “como violência organizada de uma classe sobre a outra” (Pachukanis, 2017, p. 181-182).
Uma exegese desse tipo, contudo, drena a possibilidade de uma relação mais frutífera com o pensamento de Pachukanis. Isso não significa atribuir menor importância aos argumentos presentes em A teoria geral do direito e o marxismo. Na verdade, grande parte de seus capítulos aborda um nível de abstração imprescindível da socialização capitalista: a circulação simples de mercadorias e suas representações jurídicas11. O direito, todavia, não se esgota na forma-jurídica associada à forma-mercadoria. É possível identificar outras manifestações da legalidade, inclusive aquelas vinculadas à produção de uma desigualdade explícita. Marx, por exemplo, destacou a “legislação sanguinária” dos séculos XV e XVI e a ocorrência de “leis coercitivas” durante todo o século XIX (MEGA, II.6, p. 661; 530).
Na verdade, as referências encontradas no Livro I de O capital sobre a “assim chamada acumulação originária” permitem a identificação de uma linha de continuidade entre os meios de separação dos trabalhadores da terra e os mecanismos jurídicos responsáveis por sustentar a atual expansão das dinâmicas de apropriação capitalista. Nesse sentido, a compreensão da “acumulação originária” enquanto “momento inerente da reprodução do capitalismo” (Backhouse, 2015, p. 42)12 fornece uma chave interpretativa às pesquisas orientadas à crítica da desigualdade criada pela reprodução sócio-jurídica13. Daí a possibilidade de vincular a análise pachukaniana a determinado momento da acumulação capitalista, no qual dinheiro é transformado em capital para, por meio desse, obter-se mais-valor.
Em momentos de crise, no entanto, a reação capitalista aos mais variados mecanismos bloqueadores da acumulação dá outra tonalidade à esfera jurídica: “o direito não possui as mesmas características que ele desenvolve na etapa de estabilização do sistema” (Gonçalves, 2017, p. 1049). No regime de urgência da atual configuração capitalista, na qual imanência da crise se tornou total, as etapas jurídicas que garantem novas expropriações – “(a) a criação do Fora não-capitalista por meio de othering; (b) a privatização e (c) a repressão/disciplinamento” (Gonçalves, 2017, p. 1062 – destaque no original) – não podem ser reduzidas apenas à troca de mercadorias.
Isso significa que, cem anos após a primeira edição de A teoria geral do direito e o marxismo, a crítica marxista precisa dar conta da dimensão catastrófica cada vez mais evidente do capitalismo. Os desafios que a “sociedade autofágica”14 impõe a todos exigem não só a reconstrução rigorosa dos textos de Pachukanis, mas também a atualização do impulso que movimentou seu pensamento: no primeiro caso, isso significa avançar na compreensão dos distintos níveis de abstração das legalidades derivadas da reprodução sócio-jurídica15; no segundo, integrar a reflexão pachukaniana a um projeto socialista capaz de oferecer resistência ao catastrofismo social.
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Referências bibliográficas
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1 Doutor em Teoria e Filosofia do Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
2 Para uma discussão atual acerca do caráter teológico de conceitos secularizados, ver Teologia do capital, de Édouard Jourdain (2021).
3 Me refiro ao texto “Marx ou Lassalle: mudanças na teoria política do marxismo”, também publicado em 1924 (Kelsen, 1967).
4 Outras abordagens também devem ser levadas em consideração, especialmente o livro O papel revolucionário do direito e do Estado, de Piotr Stutchka, cuja terceira edição também apareceu em 1924.
5 Sigo aqui uma senda aberta por Walter Benjamin que, um pouco antes de se referir às Passagens como uma “protohistória [Urgeschichte] do século XIX” (BGS, V, p. 579), retoma uma formulação de Marx acerca da necessidade de “despertar o mundo do sonho de si mesmo” (MEGA, III. 1, p. 56), apresentada em carta a Arnold Rüge (setembro de 1843) .
6 Ao longo do texto dialogo com algumas definições de “clássico” apresentadas por Italo Calvino (2023, pp. 15-23).
7 Publicado dez anos após A teoria geral do direito e o marxismo, a conferência “URSS, um novo mundo” (1934), de Caio Prado Jr., fornece um bom relato do entusiasmo de então: “o socialismo deixou de ser uma especulação teórica, uma aspiração abstrata, para se tornar o programa político, econômico e social concreto de uma classe. E, tratando-se de uma classe que, por efeito natural da evolução econômica moderna, tende continuamente a crescer e se fortalecer, o triunfo final do socialismo […] está assegurado” (Prado Jr., 2023, p. 146).
8 “O todo é o não verdadeiro” (AGS, 4, p. 55), em franca oposição ao (aguardado) proletariado enquanto totalidade que unifica sujeito e objeto, teoria e práxis.
9 Nesse sentido, sigo as reflexões de Jameson ao considerar a possibilidade do “marxismo de Adorno […] se revelar exatamente como o que necessitamos em nossos dias” (Jameson, 1996, p. 18).
10 Em busca de um “novo direito”, Christoph Menke tem como alvo o Critical Legal Studies desenvolvido nos EUA a partir da década de 1970. Ainda assim, é espantoso que seu livro Crítica dos direitos sequer mencione as reflexões de Pachukanis, apesar do apelo às “determinações formais” e à “forma burguesa dos direitos iguais” em contraposição à análise dos conteúdos jurídicos (Menke, 2015, p. 406).
11 Isso não faz de Pachukanis um “circulacionista”, como se suas reflexões não incorporassem o momento da produção capitalista. Ainda assim, essa dicotomia – ainda presente nos debates marxistas – perde de vista a conexão das formas jurídicas com o processo de acumulação de capital em seus distintos níveis de abstração. Há um movimento conceitual – e não temporal – entre a forma jurídica enquanto condição do capital, tal como ela aparece no Livro I e a forma jurídica enquanto produto do capital, apresentada nos manuscritos do Livro III. A posição do capital portador de juros, por exemplo, altera a representação jurídica a ele subjacente, notadamente durante o processo de autonomização das formas sociais. Já não se trata de associar o direito somente à expressão da liberdade e igualdade burguesa – típica da circulação de dinheiro sem capital, a “epiderme da experiência capitalista” (Oliveira, 2016, p. 53) –, mas às formas jurídicas emergentes e à “acumulação de direitos sobre a produção” (MEGA, II.4.2, p. 524).
12 A tese da “retomada” da acumulação originária está presente em várias linhas interpretativas (Harvey, Bellofiore, Federici etc.). No presente artigo parto do “teorema da expropriação capitalista” apresentado por Klaus Dörre (2022).
13 É o caso, por exemplo, da análise feita por Katharina Pistor acerca do “código do capital”, isto é, os métodos utilizados para a “produção legal de riqueza na sociedade” (Pistor, 2019, p. 222).
14 Tenho em mente aqui o título de um dos últimos livros de Jappe (2021). Utilizo-o não tanto pela concordância com as premissas que orientam a “nova crítica do valor” (Kurz, Roswitha Scholz, Jappe etc.), mas sobretudo em virtude da estratégia de utilização de “imagens alegóricas”, cujo principal proveito está em tornar legível sob outra luz as aporias do presente.
15 Além de ser necessário construir um diálogo produtivo com Stutchka – cuja reflexão acerca das formas jurídicas que caracterizam o direito enquanto sistema de relações sociais é imprescindível (Stutchka, 2023, p. 187) –, é importante descobrir conteúdos novos, inesperados e inéditos a partir de A teoria geral do direito e o marxismo. A edição da Sundermann (2017) dessa obra já trazia outros textos importantes, com ensaios escolhidos entre 1921 e 1929. Recentemente, o lançamento de O marxismo revolucionário de Pachukanis (2023), pela Lavrapalavra Editorial, expande o repertório de textos de Pachukanis disponíveis em português.
Referência imagética: Общая теория права и марксизм. Disponível em <https://www.historicalmaterialism.org/article/three-texts-by-evgeny-pashukanis-translated-in-english-for-the-first-time/>. Acesso em 02 ago 2024.