Alina Ribeiro1
9 de agosto de 2024
Este texto faz parte de uma série especial do Grupo de Reflexão G20 no Brasil do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília. Leia o texto anterior aqui.
Entre os dias 1 e 3 de julho de 2024 ocorreu a Midterm Conference do Think20 (T20), um dos grupos de engajamento (GE) do G20. Os think tanks e centros de pesquisa dos membros do Grupo e países convidados se reuniram no Espaço Cultural Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) no Rio de Janeiro. O evento foi organizado pelo Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI), Fundação Alexandre de Gusmão (FUNAG) e Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).
No encontro, o T20 apresentou as recomendações aos tomadores de decisão com antecedência, buscando influenciar de maneira direta as discussões e deliberações da Cúpula de Líderes do G20 que ocorrerá nos dias 18 e 19 de novembro de 2024. O evento foi estruturado em painéis referentes às seis Forças-Tarefa (FTs) do T20, sendo elas: (1) Combate às desigualdades, à pobreza e à fome, (2) Ação climática sustentável e transições energéticas justas e inclusivas, (3) Reforma da arquitetura financeira internacional, (4) Comércio e investimento para um crescimento sustentável e inclusivo, (5) Transformação digital inclusiva e (6) Reforçar o multilateralismo e a governação mundial. Nesses painéis, representantes de cada FT apresentaram os avanços e as discussões dos últimos meses, bem como as recomendações formuladas.
Estavam presentes representantes da comunidade acadêmica, da comunidade empresarial e do governo federal. Pela primeira vez na história do G20, as recomendações estruturadas pelas FTs nos primeiros seis meses foram apresentadas ao governo por meio do Communiqué, documento que apresenta e sistematiza as recomendações e suas descrições e as FTs envolvidas em cada uma delas. O documento pode ser acessado por meio deste link: https://t20brasil.org/en/communique.
As discussões do evento foram baseadas nos trabalhos realizados pelas FTs e cobriram diferentes temas. Destaco os relativos à mudança climática, transição energética, governança multilateral, protagonismo do Sul Global (especialmente pelas presidências consecutivas de Índia, Brasil e África do Sul), pobreza, desigualdades, taxação de super-ricos e participação social. Alguns dos conceitos abordados desafiam visões tradicionais das Relações Internacionais, como poli-crise, neo-protecionismo, conectividade significativa, Inteligência Artificial centrada no ser humano, entre outros.
Na cerimônia de abertura, representantes das entidades que organizaram o evento indicaram os principais desafios da presidência brasileira e apresentaram os trabalhos realizados pelas FTs. O representante do CEBRI, José Pio Borges, declarou que o T20 busca incluir a sociedade civil no processo de formulação de suas agendas, e ressaltou que a presidência do G20 é uma oportunidade única para a consolidação do Brasil no âmbito internacional. Afirmou também que o Brasil possui todas as condições necessárias para implementar um amplo processo de descarbonização e transição energética.
A presidente do IPEA, Luciana Servo, destacou que o envolvimento de 121 think tanks nas FTs do T20 tem sido um sucesso e que a diversidade étnico-racial entrou como tema-chave nos trabalhos desenvolvidos até então. Destacou também que todas as FTs adotam como referência a Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU), composta pelos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e as suas 169 metas. A presidente da FUNAG, Embaixadora Márcia Loureiro, ressaltou o papel da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, tema que foi elemento central nas declarações do evento e que gerou uma produção intensa de policy briefs. Concluiu sua fala afirmando que, após entregue o Communiqué aos líderes do governo, o foco do T20 passa a ser a implementação das recomendações.
Já o representante da prefeitura do Rio de Janeiro, Lucas Padilha, Secretário Municipal da Casa Civil, deu ênfase aos benefícios que a cidade tem tido por sediar as reuniões e eventos do G20, e declarou que a prefeitura está interessada em trabalhar para que as propostas apresentadas no Communiqué sejam adotadas. No geral, o clima do evento foi marcado por uma boa interação entre os membros da sociedade civil e os representantes de governo presentes no evento.
Encerrada a cerimônia de abertura, iniciaram-se os painéis referentes às FTs do T20. Sobre mudanças climáticas e transição energética, duas palavras-chave centralizaram as discussões: mitigação e adaptação. As recomendações traziam expressões tais como: “Precisamos melhorar a governança de comércio e investimento”, a fim de apontar problemas que precisam ser resolvidos, além de apresentar planos de ação mais amplos. Algumas intervenções enfatizaram que um dos objetivos do G20 é acelerar o financiamento da transição energética, assegurando que essa transição não venha aumentar a desigualdade. Destacaram também a importância da reforma dos Bancos de Desenvolvimento e a necessidade de formular “planos holísticos de transição”, articulando elementos como descarbonização, adaptação e mitigação dos impactos sociais.
No painel dedicado à FT02 (Ação climática sustentável e transições energéticas justas e inclusivas), os representantes discutiram a promoção do trabalho decente e afirmaram que pensar as condições dos trabalhadores é também um passo fundamental para a transição justa. Defenderam que o G20 assuma uma posição mais concreta sobre essa questão, criando um plano de transição abrangente que foque também no acesso à energia. Os líderes do G20 devem, portanto, criar planos que tenham mecanismos de proteção social específicos para tratar impactos às populações vulneráveis e para prevenir e mitigar o impacto ambiental da transição justa. É importante lembrar que a FT02 visa apoiar o trabalho e as deliberações da Força-Tarefa Especial para a Mobilização Global contra as Mudanças Climáticas, criada sob a presidência brasileira do G20.
Outro painel de grande importância para os trabalhos realizados foi o “Transformação digital inclusiva”, que levou o mesmo nome da FT05. Neste painel, os representantes da FT mencionaram exemplos de inclusão digital como contas bancárias nos celulares e, no caso brasileiro, a criação do sistema de pagamento pix do Banco Central. Destacaram o espaço do T20 como fundamental para o debate sobre questões relevantes, e enfatizaram a necessidade de encontrar alinhamentos entre os países sobre questões de desenvolvimento, oportunidades e riscos potenciais da transformação digital.
Nos painéis que abordaram a reforma da arquitetura financeira internacional (TF03) e investimento e comércio internacional (FT04), um dos principais pontos foi o aumento das desigualdades pela pandemia do coronavírus, sobretudo o gap entre países de renda baixa e alta que se tornou ainda maior. As falas realizadas pelos representantes dessas FTs indicaram que não foi apenas a pandemia que gerou um aumento das desigualdades, mas também a crise climática, a inflação e a falta de reserva de fundos que afeta especialmente os países de renda baixa. Outro ponto discutido foi a questão da taxação da riqueza incluída na agenda do G20 pela presidência brasileira. Entre as instituições que precisam ser priorizadas na reforma da governança está a Organização Mundial do Comércio (OMC), considerando a importância de fortalecê-la para que possa cumprir seu papel de principal fórum de discussões para comércio, incluindo a reflexão e estruturação de regras ambientais.
As discussões apresentadas no evento permeiam assuntos fundamentais da agenda internacional. Não obstante, foram falas simbólicas e mais gerais, no sentido de demonstrar o esforço das FTs em desenvolver proposições apropriadas à agenda do G20, bem como alinhadas aos ODS da ONU. É no Communiqué que estão presentes as propostas mais concretas. Parte significativa das falas realizadas no evento foram relatos dos trabalhos realizados e agradecimentos às organizações envolvidas. Os diálogos foram alinhados e diversas vezes interseccionados (partilhados por diferentes FTs e/ou grupos de engajamento), o que mostra que os discursos tendem a ser convergentes dentro das instâncias do G20.
Também, os discursos realizados demonstram o empenho dos GEs do G20 em seguir os três principais eixos estabelecidos pela presidência brasileira: a luta contra a pobreza e a fome, o enfrentamento das mudanças climáticas e a reforma da governança global. As recomendações elencadas no Communiqué concentram-se em diversas frentes, mas esses três temas possuem espaços privilegiados.
* Este texto não representa necessariamente as opiniões do Boletim Lua Nova ou do CEDEC. Gosta do nosso trabalho? Apoie o Boletim Lua Nova.
- Doutoranda em Ciência Política na Universidade de São Paulo (USP) e membra do Grupo de Reflexão do G20 no Brasil do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília. E-mail: alinaribeiro@usp.br ↩︎
Referência imagética: Representantes do governo brasileiro recebem oficialmente as recomendações do T20. Crédito: André Telles. Disponivel em <https://www.g20.org/pt-br/noticias/fortalecer-o-multilateralismo-esta-na-base-das-recomendacoes-do-t20-aos-lideres-do-g20>. Acesso em 06 ago 2024.