O Boletim Lua Nova em 2024: uma breve retrospectiva
Por Equipe do Boletim Lua Nova. O encerramento de mais um ano nos convida a refletir sobre os caminhos percorridos e os debates travados ao longo de 2024. Este foi um período de intensas reflexões, marcado por eventos que desafiaram nossos entendimentos sobre democracia, justiça, o papel do Brasil no cenário global e as múltiplas crises do cenário internacional. No Boletim Lua Nova, essa jornada traduziu-se em 114 textos que exploraram temas variados, como os dilemas do G-20 sob a liderança brasileira, eleições municipais, conflitos na sociedade brasileira e internacional, entre outros. Embora não seja viável abordar cada uma dessas publicações em uma única retrospectiva, buscamos aqui oferecer uma visão geral dos assuntos que definiram nosso trabalho, celebrando o que construímos e o compromisso que nos orienta: pensar criticamente o presente para reimaginar o futuro.
A Ética na Política: considerações sobre o político e a finalidade do Estado à luz da filosofia prática aristotélica
Por Gustavo Ceneviva Zuccolotto. A ciência política, ao se consolidar enquanto área do saber científico na modernidade, autonomiza-se das categorias que até então embasavam a reflexão sobre a vida em comunidade e a autoridade (arché) nas cidades antigas. Essa reflexão era chamada “filosofia prática”, ciência que integrava os campos da ética e da política. Essa filosofia tinha como conceito nuclear a “ação política”, princípio relacionado tanto à ação (práxis), quanto à natureza política do ser humano, ou seja, enquanto cidadão. Como parte de um movimento maior de legitimação científica, a ciência política, ao longo do século XX, constitui seu objeto próprio de estudo, o campo de disputa pelo exercício legítimo do poder, o Estado moderno, antes tratado nos termos da comunidade política ou da cidade (pólis).
A liberdade libertariana de Robert Nozick em face da sustentabilidade ambiental
Por Ulysses Ferraz e San Romanelli Assumpção. Um dos modos de se verificar o valor prático de uma teoria da justiça abstrata é indagar se ela fornece algum tipo de resposta para problemas que não havia abordado expressamente ou se é pressionada de modo fatal por tais problemas. Nesse sentido, o objetivo deste breve ensaio em homenagem aos 50 anos da publicação de Anarquia, estado e utopia (1974), do filósofo Robert Nozick (1938-2002), é questionar, ainda que de forma sucinta e preliminar, o papel da concepção de liberdade, implicada na teoria da titularidade nozickiana, diante dos imperativos de sustentabilidade de nosso tempo. A noção de sustentabilidade pode ser considerada como uma espécie de ideal social ou político, que emerge com as questões ambientais a serem enfrentadas no século XXI. Segundo Steven Vanderheiden (2020), a crise associada à capacidade finita do planeta de gerar os bens e serviços ecológicos dos quais as sociedades humanas dependem, exige uma reavaliação ampla do papel que os ideais sociais e políticos, tais como liberdade e igualdade ou democracia, desempenham na orientação da vida coletiva. Para Vanderheiden (Ibid.), quaisquer que sejam seus ideais normativos, uma boa sociedade deve ser sustentável se quiser persistir ao longo do tempo.
A relação dos povos indígenas com o Brasil em 50 anos de cartas públicas
Por Rafael Xucuru-Kariri. Comecei a escrever cartas ainda criança, na aldeia de Coroa Vermelha, do povo Pataxó. No café da manhã ou no almoço, na ida ou no retorno da escola, minha casa nunca estava vazia. Líderes Tupinambá, Pataxó Hã-Hã-Hãe e Pataxó discutiam os rumos dos seus movimentos políticos com meus pais, funcionários da Fundação Nacional dos Povos Indígenas, a FUNAI. Como faço parte da primeira geração de indígenas alfabetizados em grande número nas escolas públicas, entre as décadas de 1990 e 2000, era convocado, por minha mãe, a ouvir e passar para a máquina de escrever o resultado das discussões e parte do pensamento indígena sobre a relação que temos com o Estado brasileiro.
Heterodoxia Rebelde e Memória: 50 anos do Programa de Pós-graduação em Ciência Política do IFCH-UNICAMP
Por Carlos Eduardo Landim e Andréia Fressati Cardoso. Qual é o papel desempenhado pela Ciência Política em nosso tempo? De que forma o Programa de Pós-Graduação do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) foi moldado e, simultaneamente, moldou as diferentes conjunturas históricas e políticas do país? Em que medida sua proposta inovadora, marcada pela insígnia de uma “heterodoxia rebelde”, contribuiu para redefinir os paradigmas da Ciência Política brasileira? Essas e outras questões foram abordadas pelos participantes do seminário que marcou os 50 anos do Programa de Pós-graduação em Ciência Política (PPGCP) do IFCH, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), realizado nos dias 12, 13 e 14 de novembro de 2024.
Comentário sobre o livro “Brasil em disputa: uma nova história da economia brasileira”, de Pedro Rossi (Planeta do Brasil, 2024)
Por Monica Stival. A ideia de que o Brasil está em disputa é o eixo condutor da nova história da economia brasileira nos últimos vinte anos proposta por Pedro Rossi. A obra não é nova porque traz elementos obscurecidos nas análises que foram produzidas ao longo dos anos, nem porque surpreende com uma tese inesperada. É nova porque organiza o que está em disputa – e essa é a atitude política mais importante que podemos ter ao nos colocarmos no amplo debate social atualmente. Afinal, vivemos tempos em que a noção de disputa está cada vez mais fora do jogo.
Imperador, Forças Armadas, Supremo Tribunal Federal: a função moderadora no Brasil
Por Vitor Hugo Sampaio. Este artigo é uma versão resumida e sintetizada de um capítulo do livro “Sociologia & história do constitucionalismo brasileiro”.Este trabalho tem por objetivo traçar um breve panorama histórico acerca do Poder Moderador no Brasil, do Império à Nova República. Buscamos descrever suas funções, desenvolvimento histórico e as instituições que desempenharam tal função no país em seus diferentes períodos históricos até às recentes celeumas envolvendo o tema durante o governo Jair Bolsonaro (2019 – 2022).
A RELAÇÃO ENTRE O TERRORISMO DOMÉSTICO E A EXTREMA DIREITA NOS ESTADOS UNIDOS: O CASO DA INVASÃO AO CAPITÓLIO (2021)
Por Yasmim Abril M. Reis. Neste texto argumento que o fenômeno do terrorismo não é uma forma exclusiva de expressão política que se restringe à atualidade dos Estados Unidos. As importantes transformações da década de 1990, com o fim da bipolaridade, a dissolução da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e a ascensão dos Estados Unidos como potência unipolar, marcaram a virada do século. Assim como o evento dos atentados do 11 de setembro de 2001, quando os Estados Unidos direcionaram sua política externa ao combate ao terrorismo internacional.
Cem anos de A ideia de razão de Estado na história moderna
Por Bernardo Ferreira. Publicado em 1924, Die Idee der Staatsräson in der neueren Geschichte (A ideia de razão de Estado na história moderna), do historiador alemão Friedrich Meinecke, é um livro profundamente marcado pelo impacto da Primeira Guerra Mundial. No projeto inicial, em princípio intitulado Staatskunst und Geschichtsauffassung, Meinecke imaginava abordar as conexões entre as novas artes de governar surgidas a partir do Renascimento e a moderna concepção da história característica do historicismo. Para o historiador, a associação entre as artes do governo e o historicismo moderno decorreria de uma espécie de afinidade eletiva: em ambos os casos o pensamento seria levado a concentrar-se na individualidade da experiência e das situações, seja na reflexão sobre a particularidade dos interesses de cada Estado, seja na atenção dirigida à singularidade irredutível das vivências históricas.
Nozick e a crítica à noção de “justiça distributiva”
Por Caio Motta. Anarquia, Estado e Utopia (1974), de Robert Nozick, é amplamente reconhecido como um dos textos mais importantes da filosofia política do século XX. Sua relevância se mantém, não apenas pelo rigor filosófico, mas também porque suas conclusões morais e políticas desafiam as posições predominantes entre os filósofos políticos acadêmicos, especialmente aqueles inclinados a teorias distributivas de justiça. Paradoxalmente, o rigor intelectual que torna a obra de Nozick amplamente reconhecida também é o principal motivo pelo qual tantos se sentem compelidos a refutá-la.