Hans Kelsen para Além da Reine Rechtslehre
Por Alex Sander Pires. O honroso convite para colaborar com o Boletim Lua Nova sobre a vida, a obra e o legado de Hans Kelsen motivado pelo meio século de sua morte, prontamente aceito, impôs um desafio: como apresentar a vasta, multidisciplinar, interdisciplinar, densa, crítica, complexa e repetitiva produção intelectual de um indivíduo emblemático, comprometido com os valores e desafios de seu tempo, além de empenhado cientificamente na pretensão de solucionar problemas sociais a partir da independência metódica do Direito visto como norma (para além da lei e da ordem) em perspectiva de fortalecimento do direito interno do Estado diante da necessária reconstrução do Direito Internacional no entre — e pós — guerras mundiais?
A antipolítica em junho de 2013: uma pequena minoria de vândalos
Por Acácio Augusto. Convencionou-se dizer, desde um ponto de vista sociológico, que as manifestações de rua naqueles dias e a sequência de atos que explodiram em todo país não foram como um raio em céu azul. Comumente busca-se expor uma compreensão verificável de que aquelas manifestações não surgiram sem prévia mobilização e que tiveram, de certa forma, um cenário político-social favorável, embora a dimensão dos atos tenha sido imprevisível e seus efeitos inesperados. Esta chave de análise interessa a identificação dos chamados “atores políticos e sociais” para derivar seus efeitos institucionais e os desdobramentos de suas ações para a política de representação.
A Filosofia Política Ainda Sonha com a Igualdade?
Por Lucas Petroni. Igualdade e distribuição tornaram-se sinônimos no vocabulário da filosofia política contemporânea. Nesse sentido, discutir o valor da igualdade equivaleria a compreender as razões que justificam a igual distribuição de algum bem ou oportunidade social entre indivíduos com reivindicações conflitantes. “Tomo como pressuposto”, assim explicava G. A. Cohen na abertura de um artigo clássico, “que existe um algo em relação ao qual a justiça exige que as pessoas tenham em quantidades iguais” . Uma série de perguntas se seguem, naturalmente, quando aceitamos o pressuposto de Cohen: O que devemos distribuir – o “algo” – igualmente entre as pessoas? Como devemos medir as distribuições relevantes, por exemplo, com base nas oportunidades abertas à cada pessoa (“igualdade de oportunidades”) ou, diferentemente, em relação ao resultado final de suas interações? Como impedir que as pessoas não se aproveitem, ou “peguem carona”, nos esforços produtivos umas das outras? Não é por outra razão que perguntas como essas definiram a filosofia política desde o final do século XX.
O que 2013 nos diz?
Por Jean Tible. Uma forma frequente de abordar e analisar os protestos, aqui e alhures, é de estabelecer um tipo de tribunal, desde cima, dos seus resultados (imediatos) . Isso significa, no contexto brasileiro (mas poderíamos também dizer no chileno, egípcio, sírio ou tantos outros), decretar o fracasso ou derrota das manifestações, ou ainda seu favorecimento da extrema direita. Percebo essa posição de julgamento como equivocada e, além disso, conservadora e ruim para pensar-lutar.
Os males da nossa política são outros: Wanderley Guilherme dos Santos e o multipartidarismo brasileiro
Por Juliana Carvalho. Professor aposentado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e um dos fundadores do antigo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ), Wanderley Guilherme dos Santos dispensa apresentações no campo da Ciência Política: é considerado um dos nomes mais importantes para a institucionalização e difusão da disciplina no Brasil. “Quem dará o golpe no Brasil?”, texto publicado em 1962 no qual antecipou o golpe militar que se daria em 1964, o notabilizou no campo acadêmico, fazendo com que muitos olhos se voltassem para as suas análises. A partir daí, a lista de publicações é extensa, entre artigos, livros, entrevistas e colunas para jornais e revistas. Há, portanto, diversos pontos dos quais podemos partir ao pesquisar o trabalho do autor e uma vasta bibliografia na qual podemos nos apoiar.
Junho de 2013 e a importância do coletivo
Por Olívia Cristina Perez. Em meados de Junho de 2013 milhares de brasileiros/as foram às ruas com pautas diversas que incluíam direito à cidade; reconhecimento de direitos para grupos mais sujeitos a opressões sociais, tais como mulheres, negros, lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transgêneros; além de críticas ao Estado que seria corrupto e incapaz de garantir direitos sociais. Esse ciclo de protestos ficou conhecido como Jornadas de Junho de 2013.
Junho de 2013 e suas ambivalências: reflexões a partir do Margem-UFMG
Por Ricardo F. Mendonça e Rayza Sarmento. Quando junho de 2013 aconteceu, o Margem , grupo de pesquisa que integramos, estava interessado no processo acentuado de conversação política online que se desenrolava no país e já podia ser observado nas plataformas de redes sociais, em especial no Facebook. Estávamos àquela altura preocupados/as em compreender engajamentos discursivos, troca de razões, manifestações de desrespeito a partir de questões que envolviam minorias políticas, com foco especial nos debates que sucederam a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), em 2011, sobre casamento homoafetivo .
A herança de Bolsonaro para o presidencialismo de coalizão
Por Rodney Amador. Após quatro meses do fim de seu mandato, o ex-presidente Jair Bolsonaro continua ocupando as páginas da imprensa especializada tanto quanto as falas institucionais do novo governo, presidido por Luiz Inácio Lula da Silva e seu partido, o PT. Seja no tema da reconstrução do Estado, que o novo presidente enfatizou desde a campanha, seja no perigo que muitos dos apoiadores do ex-presidente ainda representam à democracia, haja vista os atos do dia 08/01, no qual as sedes dos Três Poderes da República foram invadidas e vandalizadas. Porém, muito pouco dessas análises foram direcionadas a entender como as instituições – especificamente a relação Executivo-Legislativo – ficaram após seu governo, marcado por animosidades e francos ataques ao arranjo institucional que emergiu com a Constituição de 1988. O mesmo não aconteceu com os pesquisadores que, na medida do possível, já estão debruçados sobre o tema e têm produzido as primeiras análises sobre este tumultuado período.
A retórica em Mary Wollstonecraft: apropriação e inovação do conceito de tirania
Por Camila M. Corvisier, Hannah L. Ramos e João Pedro G. Balanco. A Teoria Política, bem como outras áreas de conhecimento acadêmico, sempre foi majoritariamente marcada por trabalhos masculinos, ainda que as mulheres tenham produzido trabalhos filosóficos e políticos ao longo da história (BERGÈS, COFFEE, 2016). Mais recentemente, figuras femininas e seus trabalhos têm sido resgatados, recuperando uma parte esquecida – pois obliterada – da tradição filosófica e política. Parte da justificativa para este ensaio reside, assim, na recuperação da figura de Mary Wollstonecraft e de seu pensamento enquanto filósofa e arguta observadora da política de seu momento.
Ceticismo, política e “a questão da postura adequada frente a um tirano”
Por João Paulo de Castro Bernardes. Acredito não ser impreciso, ou ousado, afirmar que, desde a publicação da clássica obra de Richard H. Popkin, em 1960, os estudos sobre o ceticismo desfrutaram de um importante revigoramento. Isso se deu, sobretudo, com a recuperação historiográfica e filosófica do pensamento cético moderno que tal obra promoveu, o qual teria sido bastante negligenciado nos anos subsequentes ao Iluminismo (NETO et alli, 2009, p. 1).