No dia 30 de agosto de 2018 aconteceu o evento “Balanço dos governos do PT”, organizado pelo Laboratório de Estudos Marxistas da Universidade de São Paulo (LEMARX) e pelo Centro de Estudos dos Direitos da Cidadania (CENEDIC). O debate contou com as participações de André Singer (Departamento de Ciência Política – USP), Armando Boito Junior (Departamento de Ciência Política – Unicamp) e Laura Carvalho (Departamento de Economia – USP). Os debatedores ficaram responsáveis por discutir o tema do evento à luz de seus livros recém lançados, respectivamente Lulismo em crise – um quebra-cabeça do período Dilma (2011-2016) (Companhia das Letras, 2018), Reforma e Crise Política no Brasil (Unesp, 2018) e Valsa brasileira: do boom ao caos econômico (Todavia, 2018). A mediação foi de Ricardo Musse (Departamento de Sociologia – USP).
Laura Carvalho organizou sua exposição a partir do que entende ser os dois principais objetivos de seu livro: fazer um diagnóstico das políticas econômicas do período compreendido entre 2006-2017 e tonar mais acessível ao público de leigos em Economia uma série de teorias econômicas que poderiam oferecer ao campo progressista uma interpretação divergente daquela corrente entre os economistas liberais. Para a professora de Economia da USP, o governo Dilma Rousseff (PT) teria sido derrotado por uma conjugação de dois fenômenos: o equívoco próprio da sua estratégia econômica – alicerçada sobre o que denomina, provocativamente, de “Agenda FIESP” – e a mudança do cenário econômico externo a partir de 2011. Para Carvalho, uma agenda econômica voltada para investimentos públicos em infraestrutura, bem como em setores inovadores, seria a forma mais adequada para alavancar o desenvolvimento do país. Essa teria sido a estratégia de desenvolvimento seguida pelo segundo governo Lula (PT), em contraste com a direção adotada pela ex-presidente Dilma Rousseff, que teria privilegiado setores privados, como os empresários industriais. Carvalho também criticou os mecanismos de desenvolvimento sugeridos pela “escola neodesenvolvimentista”, cuja figura principal seria o economista Luiz Carlos Bresser-Pereira (Fundação Getúlio Vargas – SP).
Armando Boito Jr. também forneceu uma ideia geral de seu livro recém-lançado, resultado de um projeto temático financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Orientado por uma perspectiva marxista tributária, entre outros, do pensamento de Nicos Poulantzas, o cientista político da Unicamp argumentou que os governos do PT organizaram a hegemonia de uma fração da classe burguesa brasileira denominada por ele de “grande burguesia interna”. De maneira mais específica, Boito Jr. defende que os governos do PT foram sustentados por um bloco no poder, designado por ele como “frente neodesenolvimentista”, hierarquicamente organizado e pautado por interesses contraditórios entre diversas frações de classe, mas liderado pela grande burguesia interna. Como sinal de comprovação de sua tese, o autor mencionou como as políticas externa e econômica teriam privilegiado os interesses dessa fração líder.
Por outro lado, ao seu ver, o impedimento de Dilma Rousseff (PT) seria resultado de uma ofensiva política restauradora da burguesia integrada ao capital internacional e do capital financeiro contra a frente neodesenvolvimentista. Segundo sua análise, a frente neodesenvolvimentista, embora forte eleitoralmente, seria frágil do ponto de vista de sua consistência interna, o que se deveria às suas próprias tensões e contradições. O objetivo dessa ofensiva restauradora seria retomar o projeto econômico e político iniciado nos anos 1990 durante o mandato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Polemizando com a perspectiva de André Singer, Boito Jr. argumenta que o PSDB não seria um partido de classe média, embora eleitoralmente sustentado por ela, mas sim um partido das frações de classe que dão a direção para suas ações, a burguesia integrada ao capital internacional e o capital financeiro.
Reconhecendo a importância do debate que, ao seu ver, estrutura um campo de discussão e os pontos em comum compartilhados pelos debatedores, André Singer optou por fazer uma exposição em que buscou destacar os pontos nos quais sua análise se distancia daquelas feitas por seus colegas de mesa. No que se refere à análise feita por Carvalho, Singer reconheceu que a sua própria interpretação não tem a pretensão de avaliar a correção das estratégias econômicas adotadas pela ex-presidente Dilma Rousseff. Para ele, interessaria destacar o fato de que a ex-presidente confrontou o núcleo do capitalismo brasileiro, o setor financeiro, ao forçar a redução do spread dos bancos. Ao fazê-lo, ela teria assustado os setores do que Singer chama de “coalizão produtivista”, embora o fizesse em prol dos interesses dessa própria coalizão. No que se refere à análise de Boito Jr., Singer argumentou que ela daria maior ênfase à divisão entre setores capitalistas nacionais e internacionais, enquanto sua própria análise sublinharia com mais força a oposição entre setores produtivos e setores financeiros.
Além disso, segundo Singer, o livro de Boito Jr. oscilaria entre afirmar que a mudança de orientação política da burguesia brasileira teria começado em 2013 e 2015. No entanto, a diferença entre uma datação e outra seria radical, pois em 2013 ainda estaria em vigência o que Singer chama de “ensaio desenvolvimentista”; já em 2015, o cenário seria outro, com a ex-presidente Dilma adotando as políticas econômicas liberais. Singer apontou que existiriam indícios de que o setor produtivo do capitalismo brasileiro teria começado a mudar de lado em 2012, ano do auge do ensaio desenvolvimentista.