Andrei Koerner[1]
Cristiano Paixão[2]
Fernando Fontainha[3]
Matheus de Carvalho Hernandez[4]
Paulo César Endo[5]
A sociedade brasileira é historicamente marcada por violações de direitos humanos, que assumem a forma de desigualdades, discriminações e violência, em especial contra grupos sociais vulneráveis e minorias. A partir da redemocratização e da Constituição de 1988, houve maior sensibilização pública em relação aos problemas e foram adotadas políticas públicas de direitos humanos que os minimizaram, parcial e provisoriamente.
No entanto, uma franja de opinião sempre se opôs ao compromisso constitucional democrático e social. Essa franja, de composição bastante elástica, adota um discurso que, em nome da restauração da ordem, propugna políticas autoritárias, de repressão ao dissenso político, de promoção de valores hierárquicos de subordinação e exclusão social. Embora seja minoritária na nossa sociedade, essa corrente aproveitou a janela de oportunidade proporcionada pela crise política de 2013, para assumir, desde 2014-5, novo protagonismo, ampliar seus apoios políticos e vencer a eleição presidencial e em vários estados da federação, além de ampliar a sua bancada no Congresso Nacional e nas Assembleias estaduais.
As violações de direitos afetaram diretamente as últimas eleições. O viés político da Operação Lava-Jato e outras ações anticorrupção, em que inúmeras ilegalidades cometidas por agentes policiais e judiciais desestruturaram os partidos políticos, desequilibraram as suas relações e afetaram as eleições, especialmente por meio da ilegal e injusta exclusão do ex-presidente Lula (PT) como candidato e protagonista da campanha. Além disso, o resultado foi afetado decisivamente pelo abuso de tecnologias digitais pelo candidato Jair Bolsonaro (PSL), o que foi permitido pelas débeis ações tomadas pelas autoridades eleitorais durante a campanha, que até o momento não apresentaram qualquer conclusão das investigações.
Os discursos e as propostas do candidato Bolsonaro, e de seus apoiadores políticos, eram preocupantes e inaceitáveis. Ao invocar o nome de Deus, adotou um sistema de referências externo à Constituição e aos direitos humanos, prometeu proteção exclusiva e extralegal a seus aliados, ameaçou seus adversários, excluiu os dissidentes. Defendeu um modelo neoliberal de Estado que elimina direitos econômicos e sociais, atacou as políticas educacionais dos governos anteriores e colocou os direitos das minorias como alvos prioritários do seu governo.
Depois das eleições, o candidato eleito recuou em diversas de suas propostas, mas manteve o tom de guerra visando aos direitos e garantias constitucionais e à precarização dos direitos sociais. As nomeações dos ministros e outros funcionários de alto escalão confirmaram as expectativas negativas, pois eles são oriundos daquelas franjas intolerantes, fundamentalistas e antidemocráticas da política brasileira.
Os primeiros 45 dias de governo indicam que sua base de apoio é frágil e que a sua capacidade de iniciativa e articulação política é limitada. A sucessão de anúncios e desmentidos sobre as medidas do novo governo ocupou a opinião nas primeiras semanas, ao mesmo tempo em que as propostas de reforma da legislação penal apresentadas pelo ministro da Justiça têm sido amplamente questionadas como legítimas e eficientes para os fins a que se destinam.
A política geral do novo governo pode ser chamada de anti-direitos humanos. Seu discurso combina elementos de ressentimento, ódio e agressividade para atribuir efeitos negativos aos direitos humanos, que passam a ser acusados de provocar aquilo que eles combatem. Vítimas de violação são acusadas de incitá-las ou provocá-las; as condutas dos violadores são justificadas; as condições que propiciam violações são naturalizadas e aqueles que lutam por mudanças aparecem como os promotores da violência e do ódio que contra eles se abate.
Os objetivos e métodos de ação são anti-direitos humanos porque promovem reformas legislativas que fragilizam as garantias dos cidadãos contra arbitrariedades de autoridades na investigação criminal, ao mesmo tempo em que impedem a responsabilização de agentes do Estado por atos violentos; preparam-se para alterar substantivamente ou extinguir programas de inclusão social e racial e desqualificam políticas de reconhecimento das diversidades culturais, contra a discriminação de gênero ou de orientação sexual; redirecionam políticas estatais para o proselitismo religioso e a reafirmação de hierarquias e preconceitos variados; atribuem ao Executivo prerrogativas de vigilância a ONGs e organismos internacionais; e criam novos obstáculos para o acesso a documentos públicos. Desrespeitam a autonomia das Universidades, preparam cortes nas verbas para a pesquisa e ameaçam censurar ou bloquear pesquisas em ciências humanas e sociais.
As políticas pró-mercado, como as privatizações e o redirecionamento dos bancos públicos, aumentam a precariedade dos assalariados, aprofundando os efeitos negativos da reforma trabalhista do governo Michel Temer (PMDB). As propostas de reforma da Previdência têm em vista principalmente os direitos e expectativas dos contribuintes do setor privado.
Na situação atual, enfrentamos novos desafios para a análise e reflexão sobre o direito e os direitos humanos. Sem dúvida, mantêm-se na agenda os problemas crônicos, postos por violações disseminadas, pelas desigualdades e discriminações sociais, pelas violências de agentes públicos, pelas omissões ou deficiências de políticas estatais. Mas os novos governos federal e de alguns estados, a sua base política e os seus apoiadores nos grupos e redes sociais orientam-se por políticas anti-direitos humanos, de criação própria, orientada por teóricos ressentidos, ou imitando modelos violadores de fora.
A coluna se posiciona contra essas políticas anti-direitos humanos. Para isso, vai analisar, discutir, criticar a atualidade e vai procurar apoios para combatê-las politicamente.
[1] Presidente do Cedec, docente do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (IFCH/Unicamp), pesquisador do INCT-INeu e do GPDH-IEA/USP.
[2] Docente da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB).
[3] Docente do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (IESP/UERJ).
[4] Docente da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD).
[5] Coordenador do GPDH-IEA/USP e docente do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP).
A imagem utilizada para ilustrar essa coluna foi retirada do seguinte link:
http://www.controversia.com.br/blog/2016/04/28/bom-para-todos-caminhos-para-acabar-com-a-violencia-policial-12/