Ana Ayla de Andrade Sousa[1]
Julia Gabrielle Mendes da Silva[2]
Luana Maria Almondes[3]
Introdução
A sociedade resulta da necessidade de agrupamento, comum à maior parte dos indivíduos. Os grupos sociais impulsionam o estabelecimento do Direito como ferramenta para a obtenção do bem comum, dada a sua indispensabilidade para a convivência pacífica entre os homens. Envoltos nessa gênese legal, há direitos que surgem do reconhecimento e positivação enquanto prerrogativas inerentes à condição do ser humano.
Segundo Koerner (2022, pg. 83) “Os Direitos Humanos compreendem um complexo de princípios morais, de normas jurídicas, de organizações e de programas de ação, adotados tanto no plano internacional como no das sociedades nacionais, com o objetivo de proteger os indivíduos contra violações e abusos na sua dignidade humana, assim como de promover as capacidades individuais e coletivas dos seres humanos”. Corolários destes, os direitos fundamentais estão positivados na Constituição Federal de 1988, como instrumentos a assegurar o mínimo de dignidade para os indivíduos. É pertinente frisar que esses direitos foram manifestos nos mais variados períodos históricos e nos mais longínquos locais, importando uma análise, ainda que sucinta, do seu curso.
Dentre os marcos históricos dos direitos fundamentais, destaca-se a Magna Carta Inglesa (1215), que tinha como intuito conceder privilégios a uma classe em ascensão (barões), porém, é vista como “símbolo das liberdades públicas”, a Bill of Rights da Virgínia, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, documento oriundo da Revolução Francesa, entre outros.
A carência da efetivação das prerrogativas adquiridas após anos de intensas lutas é difícil de ser ignorada. Os direitos fundamentais, oriundos desse longo processo histórico, hodiernamente, assumem caráter obrigatório, posto que sejam institucionalizados constitucionalmente e sua concretização seja pauta no âmbito do Direito Internacional. O presente texto aborda um tema que não pode ser esgotado facilmente, por isso serão apresentados de maneira sucinta alguns aspectos conceituais relativos aos direitos e garantias constitucionais, que cunham o caminho para a efetivação dos direitos humanos.
Os direitos e as garantias sob a perspectiva teórica
No Brasil, de acordo com as instruções de José Afonso da Silva (2006), a Constituição Imperial, 1824, detém a primazia da subjetivação e positivação dos direitos do homem. A constitucionalização desses direitos é estratégica, no que tange a sua efetivação nos casos concretos. A inspiração, segundo o autor supracitado, advém tanto dos ideais cristãos, correntes de pensamento jusnaturalistas e concepções filosóficas, quanto das condições objetivas perpassadas na história. Estes eventos, também, possibilitaram uma divisão didática dos direitos humanos em dimensões.
Na divisão adotada por Agra (2021), são seis as dimensões dos direitos humanos: a primeira dimensão trata dos direitos associados à liberdade do indivíduo frente a intervenção do Estado; a segunda dimensão refere-se aos direitos sociais, econômicos e culturais que, em seu âmago, traduzem uma ideia de igualdade material que, para concretizar-se, carece de intervenção estatal; a terceira dimensão está relacionada aos direitos difusos, transindividuais, de fraternidade entre todos os indivíduos; a quarta dimensão abrange uma maior participação dos cidadãos nas decisões políticas, ampliação da soberania popular; a quinta, aparece junto aos avanços científicos para resguardar questões éticas no âmbito da ciência e tecnologia; e a sexta, que vem se disseminando, incluiria os animais como portadores de direitos. Majoritariamente, as três primeiras dimensões são aceitas, enquanto as três últimas encontram oposição entre os juristas, especialmente a que trata os animais como portadores de direitos.
Domina o entendimento que os direitos e as garantias constitucionais não são parte de um mesmo conceito. No entanto, quem possui tal visão, exprime que a linha separatória entre direitos e garantias é muito tênue, nem sempre ficando bem definida. A título de exemplo, a Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, traz tanto os direitos como as garantias em um mesmo título: “Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais”, isso abre precedentes para interpretações favoráveis à separação entre ambos, mas também para a não distinção dos termos.
Agra (2021), por exemplo, entende que essa denominação adotada no título II da Carta Magna, como também a designação no §2º, do artigo 5º “os direitos e garantias”, objetivam a distinção entre eles. Nesse ínterim, segundo Ruy Barbosa, os direitos seriam “declaratórios”, ou seja, existiam por si mesmos, enquanto que as garantias teriam caráter “assecuratório”, portanto para asseverar que o poder se limite em virtude da defesa dos direitos, e só existiriam como um instrumento para proteção na medida em que um direito estivesse sendo lesado ou ameaçado (Silva, 2005).
Gonet (2014), por outro lado, apresenta uma visão que vai de encontro ao posicionamento majoritário entendento que a ordem constitucional trata tanto os direitos como as garantias uniformemente na prática. Dessa forma, apresenta as garantias como direitos, sendo que aquelas são normas que limitam o exercício do poder, em favor da proteção a um direito conturbado, recebendo a denominação de “direitos-garantia” ou garantias fundamentais, e estes se caracterizam por ter como objeto bens específicos das pessoas. Destarte, em sua obra, as garantias constitucionais estão inseridas no capítulo denominado “Direitos fundamentais em espécie”, clarificando a intenção do autor no tratamento unívoco de ambos.
O renomado constitucionalista José Afonso da Silva (2006), classifica as garantias constitucionais em gerais e especiais, e ainda em individuais, coletivas, sociais e políticas a depender da essência do direito garantido.
Eficácia e aplicabilidade das garantias constitucionais
A palavra eficácia se apresenta em dois sentidos, quais sejam: social e jurídico. A eficácia social se traduz na efetiva correspondência entre a conduta e o previsto pela norma. Segundo Kelsen (1998, p. 8), trata-se do “fato real de que ela é efetivamente aplicada e observada, da circunstância de uma conduta humana conforme a norma se verificar na ordem dos fatos”. Já a eficácia jurídica, como expressa Meirelles Teixeira (1991), está relacionada à produção de efeitos jurídicos nas relações, situações e comportamentos, uma vez que regula as hipóteses de ocorrência, nesse sentido a eficácia se traduz na aplicabilidade e autoexecutoriedade da norma, mas principalmente como potencialidade/possibilidade de sua aplicação.
Em regra, entende-se que os direitos e garantias individuais têm aplicação imediata, enquanto os direitos de segunda dimensão, direitos sociais e econômicos, necessitam de regulamentação para sua efetiva concretização e nem sempre possuem aplicação imediata. Maria Helena Diniz (1995) fala de um gradualismo eficacial das normas constitucionais.
As garantias constitucionais em sentido lato têm natureza essencialmente assecuratória, e caracterizam-se em instrumentos necessários para o exercício de direitos (preventivamente) ou os repara se violados – gênero do qual são espécies os remédios constitucionais: Habeas Corpus, Habeas Data, mandado de injunção, mandado de segurança, mandado de segurança coletivo, ação popular. Podem ser citados como garantias o direito de petição e o direito ao juiz natural. Em algumas normas, a garantia está inserida juntamente com o direito, como exemplo, tem-se a inviolabilidade de consciência e crença, prevista no art.5°, inciso VI, sendo garantido na forma da lei a proteção aos locais de culto.
Considerações finais
Perante o exposto, podem-se aferir alguns detalhes a respeito da discussão dos direitos e garantias em espécie nos direitos humanos, tendo em vista, que a dignidade da pessoa humana representa um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, e a mesma não pode ser efetivada sem satisfação dos direitos humanos, pode-se evidentemente apontá-los como base de um Estado Democrático de Direito. Portanto, munir-se de compreensão sobre um assunto tão imprescindível na contemporaneidade, em que há um debate efervescente sobre o tema, de maneira nenhuma será improfícuo.
Tem-se que a compreensão da base teórica dos direitos humanos é a chave para sua efetivação. Há pensadores que defendem uma discussão teórica crítica dos direitos humanos, uma vez que, como preceitua Adão (2022, pg. 115), o debate possibilita o surgimento de “novas lentes para enxergar com mais clareza sua finalidade e expandir seu alcance a novas situações de violação que ocorrem diariamente”. Não se pode olvidar que cada passo rumo ao que chamam de “progresso” se assemelha a um retrocesso no bem estar da humanidade. E, diariamente, são noticiadas diversas situações que sequer aparentam ser reais em um mundo em que os debates são tão avançados.
Ainda assim, sabe-se que a disseminação de conhecimento é imprescindível ao ambiente social e a consolidação dos institutos depende da dispersão de informações. Portanto, o debate deve ser fomentado como meio de contribuição para o avanço da sociedade.
Referências bibliográficas
AGRA, Walber Moura. Curso de Direito Constitucional. 10. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2021.
BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador: contribuição para a compreensão das normas constitucionais programáticas. Tese (Doutorado em Ciência Jurídico-Política). Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Coimbra, p. 124. 1983.
DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. 8. ed. Atual. São Paulo: Saraiva, 1995.
ENDO, Paulo César; KOERNER, Andrei; VRECHE, Carla Cristina. Debates Interdisciplinares sobre Direito e Direitos Humanos: Impasses, riscos e desafios. 1.ed. Campinas, SP: BCCL/UNICAMP, 2022. Disponível em: <https://econtents.bc.unicamp.br/omp/index.php/ebooks/catalog/view/152/186/655>. Acesso em: 06 de maio de 2022.
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 6. ed., São Paulo: Martins Fontes, 1998.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 23.ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.
SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 15. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006.
TEIXEIRA, José Horácio Meirelles. Curso de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991.
[1] Aluna do curso de Bacharelado em Direito, da Universidade Estadual do Piauí (UESPI), integrante do Projeto de Pesquisa Universitária “Gênero, Poder e Sociedade” e do projeto de Extensão Universitária “Multiculturalismo”. E-mail para contato: <anaasousa@aluno.uespi.br>.
[2] Aluna do curso de Bacharelado em Direito, da Universidade Estadual do Piauí (UESPI), integrante do Programa de Extensão Universitária “Núcleo de Estudos Constitucionais”. E-mail para contato:<juliamendes@aluno.uespi.br >.
[3] Aluna do curso de Bacharelado em Direito, da Universidade Estadual do Piauí (UESPI), integrante do Programa de Extensão Universitária “Núcleo de Estudos Constitucionais”. E-mail para contato:<luanaalmondes@aluno.uespi.br >.
Fonte Imagética: Populares acompanham votação da Constituição Federal no plenário da Câmara, em 1988 Foto: Arquivo/Agência Câmara. Disponível em: https://www.gov.br/pt-br/constituicao-30-anos/textos/direitos-fundamentais-e-humanos-marcam-texto-constitucional-de-1988. Acesso em 18 maio 2022.