Giovanna Imbernon[1]
Observação: texto publicado originalmente em 28 de setembro de 2020, no blog do BRaS Center
Quando fui convidada a escrever sobre o campo de pesquisa no qual estou trabalhando, fiquei impressionada com o fato de que eu mesma tenho minhas dúvidas sobre como descrevê-lo. Nunca tinha ouvido falar sobre Estudos Culturais antes disso. Foi somente quando fui aceita no Programa de Doutoramento em Patrimônios de Influência Portuguesa da Universidade de Coimbra, Portugal, que essas palavras começaram a fazer sentido.
Em um artigo de 2004, o professor Renato Ortiz (Unicamp) descreve como ele mesmo sente que esta ainda não é uma disciplina definida. O campo dos Estudos Culturais surge de uma abordagem europeia e norte-americana sobre temas que, para aqueles que estudam sociedade, política, poder e cultura a partir de uma perspectiva latino-americana, por exemplo, parecem apenas fazer parte das lutas diárias de um cientista social. Tendo Stuart Hall como seu autor principal, o campo dos Estudos Culturais é marcado por uma abordagem heterogênea e interdisciplinar sobre temas que podem dificultar a delimitação de fronteiras entre as disciplinas de análise. No entanto, Hall ressalta que a expansão dessa área não obedece a uma tendência mundial.
Sua estreita relação com os Estudos Literários torna difícil definir seus limites. Ao mesmo tempo, pesquisadores e acadêmicos veem os Estudos Culturais como um campo híbrido e sofrem para delinear sua presença em diferentes contextos. Como disse Stuart Hall, não há nada de “global” nisso. Ao considerar as características locais, os Estudos Culturais oferecem mais de uma interpretação possível; fornece-nos uma questão importante para se discutir: como compreender a cultura sem cometer os mesmos erros que sempre tentamos evitar na Academia. Não se pode tratar a cultura como um objeto sólido e homogêneo. Para além disso, o principal é entender como cultura e poder estão conectados, e utilizar alguns dos conceitos mais críticos da Sociologia, Antropologia, Ciência Política, Estudos Literários, Linguística e assim por diante, para auxiliar-nos a compreender como a sociedade nos apresenta algumas questões.
Desde seu desenvolvimento preliminar em Birmingham na década de 1960 até a primeira publicação da principal obra de Stuart Hall em português em 1992, os Estudos Culturais iniciaram sua jornada pelas universidades brasileiras contribuindo para um amplo estudo sobre cultura e identidade. A partir do Brasil, talvez possamos notar algumas mudanças significativas neste campo, mas a questão é que não consigo ver da perspectiva local em que estou.
Levando em consideração aspectos pessoais, tais argumentos fazem com que eu questione constantemente o status da minha pesquisa. Discutir como os povos originários foram retratados na literatura brasileira durante o século XIX, mas tendo que fazer isso à distância, vivendo na Europa e em um dos países que tiveram um papel importante durante o colonialismo (principalmente sobre o Brasil), tornam essas fronteiras difíceis de definir e me deixa desconfiada. Primeiro, parece que traí um dos votos que fiz ao receber meu diploma em Sociologia e Ciência Política; segundo, como posso examinar a literatura brasileira estando fora de seu contexto?
Sei que existem algumas perguntas para as quais não encontrarei uma resposta imediata e provavelmente terei de lidar com essa incerteza por mais tempo do que pensava. No entanto, há uma contribuição significativa dos Estudos Culturais: pude entender que é uma questão de perspectiva. Abordar a Literatura Brasileira do ponto de vista dos Estudos Culturais e considerar muitas influências, como poder político e simbólico, instituições, práxis, sociedade e cultura ao olhar para um objeto tão abstrato como a ‘representação’, abriu minha mente para temas ainda mais fluidos. Embora o treinamento para não colocar as coisas em caixinhas, não ter qualquer definição ou um nome para o que se tem feito, dá-nos essa sensação de não pertencer a lugar nenhum.
Ter a possibilidade de mudar de um campo para outro também pode ser um de seus traços positivos. Talvez meus níveis de heterodoxia tenham aumentado ao longo dos anos, talvez seja apenas uma visão mais ampla das Ciências Sociais e de como existem infinitas perspectivas sobre um problema. Não importa o que aconteça, sempre haverá algo novo para investigar.
Bibliografia:
Ortiz, R. (2004). Estudos culturais. Tempo Social, 16 (1), 119-127
Seidel, R. (2018). O debate em torno da emergência dos Estudos Culturais no Brasil. Meridional. Revista Chilena de Estudios Latinoamericanos, (11), 13-46. doi: 10.5354 / 0719-4862.2018.50855
Nota:
[1] Doutoranda em Patrimônios de Influência Portuguesa – Universidade de Coimbra, III, CES.
Referência imagética:
The New Yorker. Disponível em: https://www.newyorker.com/books/page-turner/stuart-hall-and-the-rise-of-cultural-studies (Acesso em 12/01/2021)