Brenda Gonçalves Andujas[1]
05 de março de 2024
Introdução
O artigo de minha autoria, intitulado Fatores de sucesso em candidaturas coletivas de mulheres, publicado na revista Almanaque de Ciência Política em dezembro de 2023, teve como objetivo realizar uma análise do desempenho das candidaturas coletivas de mulheres em comparação aos candidatos lançados pelos mesmos partidos políticos nas três capitais da Região Sul do Brasil na eleição de 2020. Para isso, foi realizada a análise do perfil socioeconômico dos candidatos lançados pelo PT, PCdoB e PSOL, que foram os partidos que lançaram as candidaturas coletivas nestas capitais na eleição municipal de 2020, bem como os recursos financeiros disponíveis para campanha destes atores políticos e trajetória política e partidária dos vereadores eleitos nestes partidos. Vimos que as candidaturas coletivas de mulheres podem ser vistas como uma tentativa de ocupação dos espaços de poder, aumentando a representação das mulheres na política institucional, fortalecendo as candidaturas coletivas por meio da união das co-candidatas que vêm de diferentes lugares, movimentos e coletivos.
A partir da compilação das informações apresentadas por Secchi et al. (2020) e INESC (2020), e da busca própria na Internet e plataformas de mídias sociais de novos mandatos, o estudo de Almeida e Lüchmann (2022) apontou que das 311 candidaturas coletivas mapeadas, 30 foram eleitas, o que representa um relativo sucesso eleitoral (quase 10%), próximo à taxa de sucesso eleitoral de todas as candidaturas a vereadores no país (11,2%). Entre as demais candidaturas coletivas que não obtiveram êxito, 133 ficaram na posição de suplentes (42,8%). O perfil das candidaturas coletivas ao legislativo contou com 146 mulheres (47%), alcançando a paridade de gênero se compararmos com todas as candidaturas em 2020, quando 34,6% eram mulheres e 65,4% homens.
O estudo também mostra que o PSOL liderou a corrida de candidaturas coletivas a vereadores no país, com 115 candidaturas (37%), seguido pelo PT com 65 (20,9%), e pelo PCdoB, com 31 (10%). Apesar do maior número de candidaturas coletivas do PSOL, o partido elegeu 10 vereadores, o mesmo número que o PT. O PCdoB elegeu dois mandatos coletivos, e oito partidos, de centro à direita[2], apresentaram uma média de uma candidatura coletiva eleita. Partidos de centro, centro-direita e direita (Scheeffer, 2018)[3]representam, no conjunto, 18,3% das candidaturas. Também é importante ressaltar que 10 partidos[4]não registraram nenhuma candidatura coletiva que pudesse ter sido identificada no banco de dados do TSE .
Além disso, o perfil das/os eleitas/os pelas candidaturas coletivas é mais plural, mesmo considerando apenas o perfil da/o porta-voz. Em relação ao perfil da totalidade de vereadoras/es eleitas/os em 2020, apenas 16% das vagas foram preenchidas por mulheres, enquanto 84% ficaram com os homens. Das eleitas por mandados coletivos, em 18 casos (60%) as porta-vozes são mulheres, e 12 são homens (40%). Em relação às candidatas individuais eleitas, a maioria das mulheres eleitas é branca (53,2%), seguida por pardas (39,1%) e, com percentual bem menor, de mulheres pretas (6,0%) – a exceção é o PSOL, que elegeu 31,4% de mulheres pretas.
Na eleição de 2018, a presença de mulheres passou de 10% para 15% na Câmara dos Deputados, o que parece ser resultado, em parte, da mudança na lei de financiamento para essas candidaturas[5]. Em 2020, começou-se a exigir cota de financiamento para candidaturas não brancas[6]. Essa mudança parece não ter afetado o perfil das chamadas candidaturas competitivas, que representam apenas entre 20% e 30% de todas/os as/os candidatas/os apresentadas/os nos pleitos para o legislativo municipal e federal, que tendem a privilegiar candidaturas brancas sobre as não brancas no acesso aos recursos. Vários fatores explicam essas dificuldades na representação, os quais podem ser definidos por causas internas e externas ao sistema eleitoral (Campos; Machado, 2020).
Nesse sentido, segundo Matos e Simões (2018), a quarta onda do feminismo tem a interseccionalidade[7] como um de seus destaques na compreensão dos sujeitos e dos repertórios discursivos. Ela tem propiciado a criação de novos mecanismos, espaços e repertórios de ação, como, por exemplo, o surgimento de estratégias de resistência por meio do que tem sido chamado de “ocupação da política”, em que um número crescente de mulheres negras têm optado por concorrer às vagas no Legislativo. Um acontecimento de destaque, neste processo foi o assassinato da vereadora Marielle Franco[8], trazendo maior visibilidade às reivindicações de feministas negras por uma maior participação na política institucional, e utilizando como principal expressão “eu sou porque nós somos” transformando, assim, Marielle Franco em símbolo de luta (Rodrigues; Freitas, 2021).
Além disso, ao considerarmos o sistema eleitoral e partidário brasileiro de representação proporcional com lista aberta, que poderia beneficiar as mulheres mais que um sistema misto ou majoritário, vemos que o mesmo leva à maior concorrência partidária, estimulando o caráter individualista das campanhas eleitorais que prejudicam as candidatas mulheres dentro dos seus partidos políticos, e, assim, precisam ampliar seu capital político para garantir o sucesso nas urnas. Aliás, o capital político-econômico, familiar, e social são fatores determinantes para o desempenho eleitoral para as/os candidatas/os, em um sistema de campanha personalista e individualista, questão que busca ser resolvida por meio da estratégia política das candidaturas coletivas de mulheres.
Assim, o artigo, analisa o desempenho eleitoral, em relação ao capital político das co-vereadoras das seis candidaturas coletivas de mulheres nas três capitais da região Sul, quais foram: Mandata Coletiva das Pretas-PT/PR; Somos Juntas PSOL/PR; Coletiva Bem Viver PSOL/PR; Mulheres pela Educação PT/PR; Cuca Congo PCdoB/RS e Nós, Mandato Coletivo PSOL/RS, em comparação às candidatas eleitas dentro dos seus partidos, que foram o PT e o PSOL, em Curitiba e Florianópolis, e também o PCdoB em Porto Alegre.
Para isso, foi realizado o mapeamento dos capitais das candidaturas coletivas de mulheres em comparação às demais candidaturas lançadas pelos seus partidos políticos, por meio da análise do perfil socioeconômico e dos recursos financeiros disponíveis para campanha, bem como a participação política de cada uma em coletivos e movimentos sociais, e a trajetória política de cada uma, considerando o número de candidaturas anteriores e sua atuação partidária.
Financiamento eleitoral na campanha eleitoral de 2020
Em Curitiba, os candidatos do PT eleitos em 2020 foram as vereadoras Carol Dartora-PT, Professora Josete-PT e o vereador Renato Freitas-PT. A Mandata Coletiva das Pretas-PT foi a nona candidatura na distribuição de recursos, em relação aos candidatos lançados pelo partido na cidade. Mesmo assim, alcançou o sexto lugar na lista partidária dos candidatos lançados pelo PT, sendo a segunda suplente do partido. A candidatura coletiva Somos Juntas-PSOL, formada por três mulheres, recebeu a maior quantidade de recursos do partido, ficando em primeiro lugar na votação partidária, e não sendo eleita apenas porque o PSOL não atingiu o quociente eleitoral mínimo exigido.
Em Florianópolis, a vereadora com a maior quantidade de recursos disponíveis foi Tânia Ramos-PSOL, mulher negra e a candidata mais experiente do partido por estar disputando sua 6ª campanha eleitoral. A Coletiva Bem Viver-PSOL não foi a candidatura com o maior recurso financeiro disponível, sendo a oitava da lista partidária de financiamento; apesar disso, conseguiu um melhor desempenho eleitoral entre as candidatas femininas lançadas pelo partido, sendo a única eleita. No PT, a vereadora eleita Carla Ayres-PT foi a candidata que recebeu a maior quantidade de recursos financeiros para a campanha eleitoral em 2020, a maior parte deles oriunda do partido (vale lembrar que ela foi candidata em três campanhas anteriores). A candidatura coletiva Mulheres pela Educação-PT foi a terceira com maior quantidade de recursos, embora tenha recebido menos da metade dos recursos destinados à primeira candidata, ficando com a primeira suplência. Em seguida, ficou o mandato coletivo de Batieri – Coletivo da Saúde, composto por 6 profissionais da saúde, que terminou com a segunda suplência do partido.
Em Porto Alegre, a vereadora Bruna Rodrigues-PCdoB, candidata mais votada do partido como um todo, recebeu o maior financiamento, contribuindo para o sucesso nas urnas. A candidatura coletiva Cuca Congo-PCdoB foi a terceira candidatura com maior valor de financiamento eleitoral no partido, ficando atrás apenas das candidatas Bruna Rodrigues e Abigail Pereira. A próxima candidatura com mais recurso foi o Giovani – mandato coletivo, uma candidatura da juventude, composta por 8 estudantes, que terminou com a primeira suplência. No PSOL em Porto Alegre, a vereadora eleita Karen Santos recebeu a segunda maior quantia de recursos financeiros de campanha, seguida do vereador eleito Roberto Robaina. Os dois foram eleitos junto com os candidatos Matheus Gomes e Pedro Ruas. A candidatura coletiva Nós, Mandato coletivo-PSOL recebeu a quinta maior quantia de recursos em comparação às candidaturas individuais de mulheres do partido, o que demonstra uma valorização da candidatura coletiva pelo partido que, por ser composta por sete integrantes, apresentava uma maior capacidade de concentração de votos.
Considerações finais
As candidaturas coletivas tentam reduzir o caráter personalista e individualista da campanha eleitoral, o que costuma prejudicar as minorias políticas. No entanto, nas candidaturas coletivas de mulheres existe uma ênfase maior sobre a importância da presença das mulheres no legislativo, juntamente com um projeto político feminista que defenda a igualdade de gênero, considerando a enorme discrepância entre homens e mulheres nas casas legislativas do Brasil. Com exceção do Giovanni e Movimento Coletivo-PCdoB/RS, formado por oito integrantes durante a campanha, maior composição em número de integrantes entre as candidaturas coletivas das capitais da Região Sul, foram as candidaturas coletivas de mulheres as que tiveram o melhor desempenho eleitoral.
Nas candidaturas coletivas de mulheres do PSOL e do PT, as tendências/correntes internas dos partidos foram responsáveis por oferecer o suporte e o apoio necessário para o enfrentamento dos desafios da campanha, auxiliando também na construção e consolidação do projeto político. A participação em outras redes movimentalistas também parece central, com destaque para a educação como principal tema do projeto político das candidaturas coletivas de mulheres. A candidatura coletiva Mandata Coletiva das Preta-PT/PR teve uma influência direta como símbolo de luta em Marielle Franco, cuja trajetória tem incentivado as candidaturas de muitas mulheres negras em todo Brasil.
Nos relatos das co-candidatas concedidos durante as entrevistas, realizadas entre julho e setembro de 2021 pela autora, percebe-se que na campanha eleitoral houve um fortalecimento e apoio mútuo entre as integrantes das candidaturas coletivas de mulheres, que relataram não ter coragem (por falta de confiança e segurança) de se candidatarem sozinhas, por conta do ambiente, muitas vezes hostil e machista desses espaços. Assim, as co-candidatas informaram se sentirem mais seguras disputando a campanha eleitoral por meio de um coletivo de mulheres. Deste modo, este novo modelo de candidatura representa, para as co-candidatas no geral, uma renovação do modelo individual e personalista do sistema eleitoral, prejudicial às candidatas mulheres.
Além disso, durante a campanha eleitoral, as candidaturas coletivas de mulheres promoveram assembleias e encontros virtuais com o objetivo de discutir as propostas e o projeto político da candidatura com a população, na tentativa de construir uma campanha mais inclusiva e participativa. Sendo assim, as candidaturas coletivas de mulheres são compostas por integrantes que atuam em diferentes lutas sociais e políticas, unidas por um projeto político, muitas vezes, consolidado por organizações políticas, que atuam dentro e fora dos partidos.
As candidaturas coletivas de mulheres obtiveram um financiamento considerável e uma boa votação, para a primeira candidatura coletiva, tendo um melhor desempenho do que muitas candidatas individuais com mais experiência política dentro de seus partidos. Além disso não se utilizaram de capitais familiares como algumas das vereadoras eleitas por outros partidos que tiveram um maior financiamento eleitoral. Portanto, a resposta para campanhas de sucesso, sobretudo iniciais, pode estar ligada à combinação entre valorização partidária, recursos, perfil socioeconômico, trajetória política e inserção em redes e movimentos sociais.
* Este texto não reflete necessariamente as opiniões do Boletim Lua Nova ou do CEDEC.
ALMEIDA, Debora; LÜCHMANN, Lígia (2022), “Movimentos sociais e representação eleitoral: o fenômeno das candidaturas e dos mandatos coletivos”, in L. Tatagiba, et al. (eds.) Participação, Ativismos e Desdemocratização: Legados, Retrocessos e Resistências.
CAMPOS, L.; MACHADO, C. (2020). Raça e eleições no Brasil. Porto Alegre. Editora Zouk.
INESC (2020). Análise das candidaturas coletivas nas eleições de 2020. . Brasilia: [s.n.].
MATOS, Marlise; SIMÕES, Solange (2018). Emergence of intersectional activist feminism in Brazil: the interplay of local and global contexts. In: BONIFACIO, Glenda Tibe (ed.). Global currents in gender and feminisms: Canadian and international perspectives. Bingley: Emerald Publishing Limited, p. 35-47.
RODRIGUES, Cristiano; FREITAS, Viviane (2021).”Ativismo Feminista Negro no Brasil: do Movimento de Mulheres Negras ao Feminismo Interseccional”. Revista Brasileira De Ciência Política, (34), Pp. 1–54.
SECCHI, L; LEAL, L; REZENDE, D; CAVALHEIRO, R.A., LÜCHMANN, L (2020). As candidaturas coletivas nas eleições municipais de 2020: análise descritiva e propostas para uma agenda de pesquisa sobre mandatos coletivos no Brasil. Zenodo, 9 jan. 2020. Disponível em: <https://doi.org/10.5281/zenodo.4423739>. Acesso em: abr. 2023
SCHEEFFER, F. Esquerda e direita hoje: uma análise das votações na Câmara dos Deputados. Curitiba: Appris, 2018
[1] Doutoranda em Sociologia e Ciência Política (UFSC). Mestra em Sociologia e Ciência Política (UFSC). Graduada em Ciências Econômicas (UEM). E-mail: brendaandujas@gmail.com
[2] Os partidos foram: Rede, PV, PSDB,PP,Podemos e Cidadania.
[3]A esquerda é composta por PCO, PSTU, PSOL, PCB, UP; a Centro-esquerda por PCdoB, PT, PSB, PDT, PROS, PV; o Centro por AVANTE, PSDB, MDB, Cidadania, REDE, PMN, PTB, SD, PMB; a Centro-direita: PTC, PODEMOS, Republicanos, PSC, PRTB, DC, PL, Patriota, PSD, e a Direita: PP, DEM, PSL, NOVO (Scheeffer, 2018).
[4] Em sua maioria de direita.
[5] Em 2018, o Supremo Tribunal determinou que os partidos destinassem o percentual mínimo de 30% dos recursos do fundo partidário a candidaturas de mulheres.
[6] Em setembro de 2019, o Plenário do TSE estabeleceu que a distribuição do Fundo Eleitoral deve ser proporcional ao total de candidatos negros que o partido apresentar para a disputa eleitoral.
[7] Eixos de opressão que definem a experiência de vida.
[8] “Marielle Francisco da Silva, mais conhecida como Marielle Franco, foi uma vereadora do Rio de Janeiro assassinada aos 38 anos de idade em uma emboscada no centro da capital fluminense no dia 14 de março de 2018. Socióloga e ativista dos direitos humanos, foi presidente da comissão da Mulher na Câmara do Rio e integrava a comissão que investigava abusos das Forças Armadas e da polícia durante a intervenção federal na área da Segurança Pública do Estado”. O Estado de São Paulo. Tudo sobre – Marielle Franco. s. d. Disponível em: https://tudo-sobre.estadao.com.br/marielle-franco. Acesso em: out. 2021.
Referência imagética: Giorgia Prates – Mandata Preta (PT), Câmara Municipal de Curitiba-PR. Disponível em <https://www.curitiba.pr.leg.br/informacao/nossa-memoria/galeria-de-vereadoras/vereadoras/giorgia-prates-mandata-preta>. Acesso em 08 fev 2024.