Ana Maria de Assunção Barros1
Cristina Carvalho Pacheco2
6 de dezembro de 2025
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Esta Série Especial do Boletim Lua Nova reúne, ao longo dos próximos meses, reflexões produzidas pelo Grupo de Estudos e Pesquisa em Política Externa (GEPEX), da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), coordenado por Cristina Pacheco. Criado em 2009, o GEPEX dedica-se à formação e à pesquisa em Relações Internacionais, com ênfase, desde 2020, no campo das Potências Médias e nas articulações entre economia, diplomacia e segurança na formulação de estratégias nacionais. Os textos do Especial podem ser conferidos aqui.
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Como a literatura define o conceito de potências regionais (PR)? Após a Guerra Fria, o ressurgimento de uma nova onda de regionalismo estimulou fortemente o debate sobre a nova ordem mundial (Hurrell, A., 1995). Nesse contexto, surgiram definições mais complexas sobre potências regionais, baseadas em termos como poder e região (Nolte, D., 2010). No campo das relações internacionais, poder e região são conceitos complexos e que não possuem uma definição bem delimitada. Da mesma forma, a noção de potência regional, derivada desses termos, também não é de fácil categorização. Tampouco é possível delimitar suas características. Assim, o objetivo deste artigo consiste em tomar como ponto de partida as definições tradicionais de poder e região nas RI, com base em teóricos liberais e realistas, para mapear o debate acerca do conceito de PR. O tratamento destas categorias é feito através da combinação entre metodologia qualitativa e revisão sistemática literária, por meio do software “Publish or Perish”, a fim de coletar artigos e capítulos de livros que atendam a critérios mínimos de 10 citações por ano, entre os anos: 1989-2024 e que sejam de livre acesso. O artigo está estruturado em três partes. A introdução apresenta a importância de pesquisar sobre potências regionais, assim como os conceitos básicos das relações internacionais que se constituem em referência para o desenvolvimento da pesquisa. Na segunda seção, o foco reside na revisão sistemática da literatura, para que os resultados e discussões apresentem as principais características encontradas na pesquisa realizada. Por fim, conclui-se que a relação entre as características que compõem a definição de região e, principalmente, as formas de projetar poder, é intrínseca às categorias analisadas, relatando, neste ponto, as duas maneiras de projeção mais citadas: a projeção de poder por meio material e, também, ideacional.
O conceito de potência regional é formado por dois termos que ainda não foram bem delimitados na área de relações internacionais: poder e região. Partindo destas duas categorias, esse artigo tem como base a visão realista estrutural de Kenneth Waltz (1959), somada à perspectiva teórica de Andrew Hurrel (1995), para definir o que é região. Tal categoria, potência regional, apresenta uma perspectiva abrangente, permitindo diversas definições. Assim, diferentes autores (Nolte, 2010), Wehner (2014), Bandeira (2008) e Destradi (2010) oferecem múltiplas interpretações, muitas vezes adicionando novas características ao conceito.
Apesar das várias definições elaboradas na literatura acima, o termo “potência regional” possui características fundamentais que tendem a se repetir, agregando alguns elementos em comum. Tais características serão apresentadas a seguir. Mas antes, algumas palavras sobre a metodologia.
Este artigo teve como ponto de partida a revisão sistemática da literatura (Alves et al, 2021) sobre o conceito de potência regional. A RSL se caracteriza como um método de pesquisa rigoroso e estruturado, com o objetivo de identificar, avaliar e sintetizar todos os estudos relevantes sobre um determinado tema, de forma objetiva e replicável. Para o artigo em questão, a seguinte pergunta foi feita: “Quais são as definições para potência regional?” Os critérios estabelecidos para a pesquisa e catalogação dos artigos incluíram: a) artigos publicados em revistas acadêmicas indexadas no Scopus, b) nos idiomas português, espanhol e inglês, c) entre os anos 1989 e 2024, d) em formato de artigo e capítulo de livro, e) que não fossem pagos e f) com mais de 10 citações por ano, g) a partir das seguintes palavras chaves de busca: Potência Regional, Poder Regional, Regional Power. O período foi delimitado dessa forma em razão do fato de que as idéias, definições e o surgimento do conceito de potências médias ganharem força após a Guerra Fria. Por esse motivo, observa-se um aumento significativo de publicações sobre o assunto a partir de 1989. O resultado da revisão sistemática da literatura foi a seleção e leitura de 23 artigos.
Os conceitos de “potências regionais”, “regiões” e “regionalidade”, no contexto das relações intra-regionais e da ordem internacional, são amplamente debatidos na área de RI. Tanto Dal (2016) quanto Nel (2010) refletem sobre o crescimento da discussão em torno desses conceitos, ressaltados e analisados quanto à sua importância no sistema internacional.
O conceito de poder regional engloba um arcabouço teórico ainda não plenamente delimitado, visto que engloba a junção de “poder” e “região”, conceitos em constante reflexão, das quais geram debates nas teorias de RI em busca de consenso.
Outro desafio na definição de “potência regional” reside nas diferentes maneiras como essas potências podem se comportar (Destradi, 2010). É esperado que apresentem comportamentos distintos em determinados aspectos. Assim, torna-se importante ressaltar que pertencem a regiões com processos históricos e culturais diversos. Em outras palavras, possuem formações diferentes, e os Estados, suas peculiaridades; por isso, é complexo estabelecer definição cabível a todos de modo generalizado.
Apesar do crescimento do interesse acadêmico, poucas tentativas foram feitas para ir além de estudos de caso empíricos (Destradi, 2010). Isso gera margem para generalizações na definição de um termo que visa se encaixar em contextos distintos. Abordagens estruturalistas tendem a negligenciar as estratégias das PR, enquanto teorias mais centradas nos autores focam em uma única estratégia, resultando em conceituação parcial (Destradi, 2010). Dessa forma, é importante estudar PR para além de análises generalizantes.
Para Destradi (2010) e Osterud (2014), o Estado precisa exercer influência incontestável na região, resistindo a possíveis alianças entre países que busquem contrapor sua hegemonia. A existência de uma hegemonia regional gera desequilíbrio na balança de poder, podendo levar ao dilema de segurança. Nesse cenário, a tendência é que os países formem alianças para restaurar o equilíbrio. Portanto, a posição da potência regional deve se manter inabalável mesmo diante dessas alianças.
Uma definição mais geral refere-se à hierarquia e à influência que um país exerce sobre determinada região. Segundo Carvalho e Gonçalves (2016), com base em Godehardt e Nabers (2011), potências regionais são Estados com capacidades superiores às de seus vizinhos, mas que ainda não conseguem projetar poder em nível global. Essas capacidades, contudo, não foram bem delimitadas. Ainda de acordo com Carvalho e Gonçalves (2016), citando Buzan (2011) e Bandeira (2014), a hierarquia exercida por um país deve considerar três fatores: extensão territorial, poder econômico e poder militar. Esses elementos permitem atuação mais independente.
Para ser considerada potência regional, uma nação deve reivindicar sua posição de liderança em uma região delimitada geográfica, econômica e politicamente, além de dispor dos recursos materiais, organizacionais e ideológicos necessários à projeção de poder (Carvalho e Gonçalves, 2016).
Após analisar as discussões apresentadas nos artigos, foi possível agrupar as características frequentemente utilizadas para tais categorias:
| Característica | Referência | |
| 1 | Autopercepção de liderança em região geograficamente delimitada | (Nolte, 2010; Carvalho e Gonçalves, 2016; Dal, 2016) |
| 2 | Recursos materiais (militar, econômico e demográfico), políticos e ideológicos suficientes para projeção de poder | (Nolte, 2010; Carvalho e Gonçalves, 2016; Dal, 2016) |
| 3 | Exercer influência nos assuntos regionais | (Nolte, 2010; Carvalho e Gonçalves, 2016) |
| 4 | Ser interligado econômica, política e culturalmente à região | (Nolte 2010; Carvalho e Gonçalves 2016) |
| 5 | Reconhecimento regional e internacional da posição de líder | (Nolte, 2010; Carvalho e Gonçalves, 2016; Dal, 2016) |
Bandeira (2006) e Wehner (2014) complementam essa perspectiva, ressaltando a importância de promover bens coletivos e manter a paz regional.
Outros aspectos da projeção de poder ideacional incluem: influenciar a construção político-ideacional da região; exercer influência por meio de estruturas não governamentais; promover bens coletivos; estruturar agenda de segurança (Nolte, 2010; Carvalho e Gonçalves, 2016).
Referências
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* Este texto não reflete necessariamente as opiniões do Boletim Lua Nova ou do CEDEC. Gosta do nosso trabalho? Apoie o Boletim Lua Nova!
- Estudante de Graduação em Relações Internacionais; Universidade Estadual da Paraíba; João Pessoa, PB; Bolsista PIBIC 2024/2025; ana.assuncao@aluno.upeb.edu.br. ↩︎
- Professora do Departamento de Relações Internacionais e do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais; Universidade Estadual da Paraíba; João Pessoa, PB; criscpacheco@servidor.uepb.edu.br. ↩︎



