Paulo Borba Casella[1]
Paulo Sérgio Pinheiro[2]
22 de agosto de 2025
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O Boletim Lua Nova republica o artigo de Paulo Borba Casella e Paulo Sérgio Pinheiro, originalmente publicado em O Globo no dia 20 de agosto de 2025. Agradecemos aos autores pela generosidade em autorizar a reprodução do texto e por compartilharem uma reflexão indispensável para compreender os desafios atuais da democracia brasileira.
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Perverte-se o sentido da norma, usando-a para punir não o autor de crimes, mas o magistrado que os julga.
O sentido das sanções adotadas contra o professor titular de Direito da USP e ministro do STF Alexandre de Moraes com base na Lei Magnitsky, além da flagrante agressão aos direitos individuais do magistrado, no uso de suas atribuições constitucionais e legais, configura ataque ao Estado Democrático de Direito e à separação de Poderes em uma democracia. Essa agressão menospreza o princípio basilar de não interferência nos assuntos internos de outro Estado, faz pouco do nosso respeito ao devido processo legal, o rule of law, que eles nos Estados Unidos também deveriam observar. Estamos diante de uso espúrio e indecente da norma, adotada durante o governo Obama para punir perpetradores de violações de direitos civis e políticos. Assim perverte-se o sentido dela, usando-a para punir não o autor de crimes, mas o magistrado que os julga.
Além do ministro Moraes, também foram atacados outros sete colegas da nossa Corte mais alta, com mesquinha medida persecutória e vexatória de cancelamento de vistos de entrada nos Estados Unidos para os magistrados e suas famílias. Essas medidas ilustram bem o vergonhoso comportamento da atual administração dos Estados Unidos em relação ao Brasil. Isso já ficou evidenciado, diante da fantasiosa e inverídica fundamentação da chantagem tarifária americana, cometida contra o Brasil: misturando falsas alegações de desequilíbrio de balança comercial — quando existe, de fato, superávit em favor deles, no comércio de bens e serviços. E inventando práticas comerciais desleais e cobrança excessiva de tributos sobre produtos provenientes dos Estados Unidos no Brasil — na verdade, o Brasil cobra, em média, pouco acima de 5%, metade da média mundial de tributação, de mais de 9%, segundo dados da Organização Mundial do Comércio. Misturam-se ainda big techs, que pretendem atuar no Brasil como terra sem lei, ao nosso Pix, que funciona muito bem, obrigado, e não custa nada, tirando mercados dos sistemas (onerosos) de pagamento eletrônico oferecidos pelas prestadoras americanas de tais serviços.
O mais grave, contudo, é o fato de esse sórdido e desleal ataque ao Estado Democrático brasileiro, às suas instituições e ao conjunto da sociedade brasileira ser perpetrado por motivo torpe — como expressamente mencionado pelo presidente Trump, em reação à suposta perseguição contra quem tentou (e, felizmente, fracassou) destruir nossa democracia e aqui refazer uma ditadura. Parece que aquele presidente gostaria de ter no Brasil alguém com a mesma postura de ataque autoritário em relação à democracia, à separação de Poderes, à proteção da diversidade e da inclusão de minorias e grupos vulneráveis, à proteção do meio ambiente e ao estímulo a tecnologias e energias limpas. Para que o pacote completo da extrema direita pudesse aqui ser repetido.
Ainda mais grave e lamentável é que grande parte da opinião pública brasileira compartilhe e aceite como válida essa agressão, desleal, ilegal e descabida contra o Brasil. Vai contra o interesse nacional, contra milhares de empregos ameaçados pelas sequelas da chantagem tarifária de Trump, torpemente pretendendo defender quem cometeu crimes e agora se acovarda em responder por eles. Espera-se que as organizações da sociedade civil, com o governo brasileiro, manifestem apoio e solidariedade efetivos a Moraes, ao STF, bem como aos tribunais superiores e de primeira instância e a seus magistrados — porque todos foram atacados com as sanções impostas. Vergonha para os traidores brasileiros que, nos Estados Unidos, trabalham contra o Brasil e os brasileiros por motivos torpes.
* Este texto não reflete necessariamente as opiniões do Boletim Lua Nova ou do CEDEC. Gosta do nosso trabalho? Apoie o Boletim Lua Nova!
[1] Professor titular de Direito Internacional Público da Faculdade de Direito da USP
[2] Professor titular aposentado de Ciência Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.