Francisco Weffort, fundador e primeiro diretor-presidente do CEDEC, professor titular de Ciência Política da USP, pioneiro no estudo do populismo brasileiro e latino-americano, ex-ministro da cultura, morreu domingo aos 84 anos de ataque do coração.
Foi como estudante de Ciências Sociais na Universidade de São Paulo que Weffort conheceu e integrou a agenda de pesquisa que ali se desenvolvia sob orientação de Florestan Fernandes a respeito dos “fenômenos que melhor caracterizam o Brasil moderno”, ou seja, o processo de industrialização do país e sua relação difícil com a democracia. Os primeiros anos da década de 1960 marcavam a emergência de uma cultura intelectual em São Paulo cuja principal característica era a da rivalidade com o nacionalismo democrático dominante no período anterior e que o golpe de 1964 extirpava do aparelho de Estado.
Weffort se aproximara da Ciência Política ainda antes. Suas análises sobre política e voto na cidade de São Paulo formaram a base de seus primeiros escritos sobre o populismo já em 1963. Além da rivalidade com o nacionalismo democrático que tinha no ambiente intelectual fluminense seu centro, Weffort encontrou na USP um circuito cultural efervescente, próprio de uma geração de jovens que buscava nos escritos de Marx um caminho para ultrapassar seus professores pela esquerda.
Depois de 1964, as energias dessa geração foram distribuídas em um conjunto de sínteses analíticas que carregavam a novidade indelével: a formação do Estado brasileiro a partir da experiência colonial e escravista, o papel da violência na conformação desse poder político, o (não) lugar da cultura e da vida intelectual nesse processo, os impasses próprios às dinâmicas de industrialização, com a emergência das cidades e dos novíssimos e incompreendidos sujeitos políticos, a difícil conexão das relações econômicas internas e externas na periferia capitalista.
Não é possível entender a contribuição de Weffort ao pensamento político brasileiro sem ter esse contexto em conta. Ou, ainda, sem reconhecer o quanto suas análises sobre o populismo foram relevantes para a formulação da perspectiva dependentista celebrizada internacionalmente pelo ensaio de Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto. O dossiê Brasil: tempos modernos, originalmente organizado por Celso Furtado em 1967 para a revista de Jean Paul Sartre, Les temps modernes, é possivelmente a principal testemunha documental dessa colaboração analítica.
A importância de Weffort vai além disso. Se seus textos de afinidade analítica com a temática da dependência na América Latina são fascinantes, mais ainda são os que argumentam a ruptura com esse paradigma. Uma quebra, aliás, contraditória e até mesmo incompleta. De efusivo participante, Weffort passou a cético e crítico da abordagem teórica desenvolvida por Cardoso já no início dos anos 1970, em um movimento de afastamento político-intelectual do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP) que culminaria na fundação do Centro de Estudos de Cultura Contemporânea (CEDEC) em 1976. Os documentos presentes no acervo do CEDEC no Arquivo Edgard Leuenroth (AEL-Unicamp) reforçam a hipótese de que esse afastamento não foi drástico como a memória de seus participantes já levou a crer. O CEBRAP apoiou institucionalmente a formação do CEDEC e usou, para isso, sua rede de contatos como uma espécie de avalista informal diante de potenciais financiadores das pesquisas do novo centro. A relação entre os dois centros parece ter sido, desde o início, de porosidade e de circulação de intelectuais.
Apesar disso, o importante de destacar aqui é que o CEDEC tinha, de fato, uma agenda de pesquisa própria em sua fundação, orientada especialmente para o estudo dos movimentos sociais e dos processos autônomos de organização política populares. Uma agenda com a qual Weffort contribuiu de maneira central já que sua atitude desconfiada em relação à perspectiva da dependência se confirmava, a partir de 1974, na estratégia do CEBRAP, ao subsidiar o programa político do MDB para as eleições, em apostar em uma transição política moderada da ditadura para a democracia no Brasil. Weffort via no golpe e na ditadura militar no Brasil não uma fatalidade estrutural típica de países da periferia do capitalismo, sempre incompletos diante de um modelo liberal-representativo a ser alcançado, mas uma tragédia política da qual era preciso extrair lições.
Não por acaso, Weffort e muitos dos intelectuais vinculados ao CEDEC terminaram por se vincular a outra experiência política emergente no final dos anos 1970, aquela das greves operárias do ABC paulista e, em seguida, da fundação do Partido dos Trabalhadores e da Central Única dos Trabalhadores. Entre 1974-1979, Weffort se dedicara a lapidar ideias esboçadas em um importante ensaio sobre as greves operárias de Contagem e Osasco em 1968 e a atuação de lideranças e movimentos sindicais na perspectiva do chamou por “sindicalismo populista”. Sua crítica à atuação do Partido Comunista Brasileiro no período 1945-1964, além disso, seria decisiva para a elaboração da ideia de que era preciso rever a indisposição histórica da esquerda em buscar um caminho próprio, independente da regulação estatal-burguesa.
Como professor da USP, Weffort formou gerações de cientistas sociais nos anos 1970 e 1980, ensinando os fundamentos do pensamento político moderno ocidental. Além disso, seus cursos sobre o pensamento de Antonio Gramsci são lembrados até hoje por muitos intelectuais, jovens à época, que seguiriam a carreira universitária nas décadas seguintes. No início dos anos 1990, o abandono do PT, onde ocupava o posto de Secretário Geral, e a adesão, como Ministro da Cultura, ao governo de Fernando Henrique Cardoso, foi como uma resolução, em escala molecular, dos impasses que ele ajudara a abrir e aprofundar na vida partidária brasileira do final dos anos 1970.
Francisco Weffort é um intelectual incontornável para quem se interessa pela vida política de nosso país na segunda metade do século XX e suas análises deixam pistas interessantes para pensar também o presente. Seu desaparecimento, ao lado da partida de outras figuras caras às humanidades do mesmo tempo e espaço, como o sociólogo Leôncio Martins Rodrigues e o filósofo José Arthur Giannotti, nos legam a responsabilidade de reconstruir com o máximo escrúpulo a história de nossas ideias políticas e de retomar, com mais rigor ainda, os problemas ao redor dos quais se desenvolveram até nós.
Daniela Mussi