Olívia Cristina Perez[1]
Bruno Mello Souza[2]
Os jovens de 16 a 18 anos incompletos devem tirar seu título de eleitor até o início de maio e aqueles que já têm o título devem comparecer às urnas em outubro de 2022. Esse tem sido o mote de campanhas entre artistas, mídia, partidos políticos e do próprio Tribunal Superior Eleitoral para estimular a participação das juventudes nas eleições[3]. Há nessas campanhas uma certa percepção de que a juventude tem pouco interesse pela política e que deveria participar mais.
O presente texto problematiza essa percepção e levanta hipóteses que ajudam a entender o baixo interesse dos jovens pelas eleições. Primeiro argumentamos que essa falta de interesse tem relação com uma forte desconfiança nas instituições. Contudo, tal desconfiança não é exclusiva das juventudes: ela está presente em todas as faixas etárias. E não se trata apenas de uma desconfiança nas instituições, mas sim no próprio regime democrático. Ainda assim os jovens estão ativos politicamente, protagonizando grandes protestos e se organizando em coletivos, que possibilitariam a inclusão de grupos alijados das instituições políticas tradicionais.
Baseamos parte dos nossos argumentos em dados coletados pela pesquisa Latinobarômetro (2020) que reúne um amplo estudo sobre opinião pública na América Latina. A referida pesquisa é aplicada desde 1995, produzindo dados de forma praticamente anual, mensurando atitudes e comportamentos acerca de temas de natureza sociopolítica por parte dos cidadãos destes países. A onda mais recente da pesquisa totalizou 20.204 entrevistas, sendo aplicada em 18 países, entre 26 de outubro e 15 de dezembro de 2020, com margem de erro de 3% para as amostras nacionais[4]. Apresentamos neste texto apenas os dados dos 1204 brasileiros que em 2020 responderam a respeito da democracia e suas instituições. Separamos os dados conforme suas faixas etárias, considerando os jovens como aqueles que têm entre 16 e 29 anos de idade e adultos aqueles com mais de 30 anos.
Com base nesses dados, um primeiro ponto a se ponderar é que a situação de afastamento e desalento acerca da política no país não é uma especificidade da parcela jovem da população. O Gráfico 1, por exemplo, demonstra precisamente que um percentual muito significativo, tanto dos jovens quanto dos brasileiros com 30 anos ou mais, desconfiam da instituição eleitoral brasileira, materializada no Tribunal Superior Eleitoral. Enquanto entre os jovens temos 58% respondendo que confiam pouco ou nada nessa instituição, os entrevistados acima dos 30 anos de idade apresentam um percentual ainda mais elevado de desconfiança (65%). Considerando tal desconfiança, não poderíamos esperar nada muito diferente do que uma falta de interesse em comparecer às urnas – tanto por parte dos jovens, quanto da população em geral.
Gráfico 1– Confiança na instituição eleitoral do país (%)
Uma das instituições que mais gera desconfiança entre os brasileiros são os partidos políticos. Conforme os dados apresentados no Gráfico 2, em ambas as faixas encontramos números bastante semelhantes: 86% dos jovens confiam pouco ou nada nos partidos, enquanto entre os respondentes com mais de 30 anos esse percentual é de 87%.
Gráfico 2– Confiança nos partidos (%)
Os resultados mostram então que as instituições políticas do Brasil se encontram em xeque, tanto na faixa de idade entre 16 e 29 anos quanto entre aqueles que têm 30 anos ou mais. Logo, a preocupação dos governantes deve ser muito maior do que apenas o voto entre as juventudes.
Indo mais além, a desconfiança é em relação ao próprio regime democrático. Como se percebe no Gráfico 3, há um forte sentimento de insatisfação em relação ao real funcionamento da democracia no Brasil entre as duas faixas etárias analisadas. Ainda que do ponto de vista difuso os brasileiros manifestem preferência pelo regime democrático[5] em comparação com a hipótese de um governo autoritário, na prática acaba por preponderar a sensação de frustração em relação aos resultados do regime democrático no país. A este respeito, 82% dos respondentes jovens afirmaram estar pouco ou nada satisfeitos, enquanto na faixa de 30 anos ou mais, 76% dos entrevistados responderam o mesmo.
Gráfico 3- Satisfação com a democracia (%)
Há uma percepção entre todos de que o regime democrático não foi capaz de garantir minimamente o que se espera dos governos. Mas isso não é só uma percepção, considerando as profundas desigualdades sociais no Brasil. Ainda assim, tal desconfiança não significa que os jovens estão apáticos ou não estão participando politicamente, como pode parecer em uma avaliação apressada.
Um primeiro exemplo que demonstra a rica participação política das juventudes é a sua disposição para participarem de protestos. Conforme dados do Gráfico 4, 58% dos jovens estão dispostos a participar de protestos em prol de melhorias na saúde e na educação, enquanto entre a população com mais de 30 anos esse índice cai um pouco, para 54%.
Gráfico 4– Disposição para sair e protestar por melhorias na saúde e na educação (%)
De fato, a década de 2010 marcou a história do Brasil por conta de um intenso ciclo de protestos, iniciado com as Jornadas de Junho de 2013, em que milhares de pessoas foram às ruas inicialmente pedindo a redução da passagem de ônibus e depois denunciando principalmente a forma como a política é conduzida no país (Perez, 2021). Nem a pandemia foi capaz de impedir ou alterar substantivamente o ciclo de protestos que estava acontecendo no Brasil. De modo geral os protestos durante a pandemia expressaram bandeiras e embates presentes no período anterior, a saber: de um lado a defesa da democracia, das pautas mais à esquerda e contra o presidente Bolsonaro; de outro, defensores do Bolsonaro e do projeto autoritário que ele representa (Perez, 2022).
Os protestos contaram com forte presença de organizações de juventude, chamadas de coletivos, que atuam na defesa dos direitos de grupos com menos acesso a eles como mulheres, negros, moradores de periferia e população LGBTQIA+ (sigla para lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis, transgêneros, queer, intersexuais, assexuais e o mais, que serve para abranger a pluralidade de orientações sexuais e variações de gênero).
Há entre os coletivos uma crítica à forma como a política é exercida nas instituições consideradas tradicionais, como os partidos políticos, pelo fato dessas instituições serem consideradas hierárquicas e com excesso de normas (Perez e Souza, 2020). Tais organizações seriam ocupadas pelos mesmos políticos de sempre: homens, brancos, velhos, ricos e de regiões mais privilegiadas.
Para contornar esse problema, os jovens se organizam em coletivos, organizações mais horizontais e autônomas, possibilitando assim que todos possam decidir, sem a necessidade de lideranças ou dependência de outras instituições (Perez e Souza, 2020). Embora a autonomia e a horizontalidade possam não ser concretizadas, há uma intenção de que essas organizações sejam mais inclusivas. Ou seja, para os jovens organizados em coletivos, seria preciso incluir em todas as decisões de uma organização as mulheres, os negros, a população LGBTQIA+ e os moradores de periferia; somente eles poderiam e deveriam falar sobre seus problemas. Com base nas experiências desses grupos, seriam construídas políticas públicas mais afinadas com a realidade social.
Os coletivos conectam então a ideia de que os grupos mais sujeitos a opressões sociais têm dificuldade de alcançar os direitos porque eles não estão presentes nas decisões políticas. Logo, a falta de interesse nas urnas não se trata apenas de uma apatia das juventudes, mas de uma certeza que essas instituições políticas excludentes não os representam. Nesse sentido, para que os jovens confiem nas instituições, elas devem primeiro incluir os grupos alijados das decisões públicas.
Fica então o convite para que as análises sobre as juventudes não acentuem apenas o baixo comparecimento eleitoral, mas atentem para os importantes recados que suas mobilizações têm expressado. Há uma percepção entre os jovens de que as instituições políticas não estão conseguindo incluir as juventudes no campo dos direitos, assim como outros grupos com mais dificuldade de acesso a eles. E para que isso aconteça é necessário que as organizações políticas se abram de fato à participação desses grupos. Somente com a inclusão de todxs (jovens, mulheres, negros, moradores de periferia e população LGBTQIA+) nas principais decisões públicas, eles adentrarão no campo dos direitos.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Boletim Lua Nova ou do Cedec.
Referências
LATINOBARÔMETRO. Banco de dados: Latinobarómetro, 2020. Disponível em: <http://www.latinobarometro.org> Acesso em 10 de abril de 2020.
PEREZ, O. C. Brazilian street protests during the covid-19 pandemic. OnePager, v. 1, p. 1, 2022.
PEREZ, O. C. Sistematização crítica das interpretações acadêmicas brasileiras sobre as Jornadas de Junho de 2013. Izquierdas, v. 1, p. 1-16, 2021.
PEREZ, O. C.; SOUZA, B. M. Coletivos universitários e o discurso de afastamento da política parlamentar. Educação e Pesquisa, v. 1, p. 1-19, 2020.
[1] Professora de Ciência Política da Universidade Federal do Piauí. Pós-doutorado em Ciencias Sociales, Niñez y Juventud (CLACSO, Univ. Manizales/CINDE). Doutora em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP). E-mail: oliviaperez@ufpi.edu.br
[2] Professor de Ciências Sociais da Universidade Estadual do Piauí. Doutor e Mestre em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). E-mail: brunosouza@cchl.uespi.br
[3] Ver: https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2022/noticia/2022/03/25/com-baixa-adesao-tse-mobiliza-redes-para-estimular-voto-dos-jovens-nas-eleicoes.ghtml
[4] Para mais informações a respeito da pesquisa do Latinobarômetro, ver os documentos disponíveis em: www.latinobarometro.org
[5] Os dados de 2020 do Latinobarômetro indicam que 42% dos jovens entre 16 e 29 anos consideram a democracia o melhor regime de governo, enquanto entre aqueles com 30 anos ou mais 47% manifestam essa preferência. Ainda nessa variável 18% dos jovens e 11% dos indivíduos acima de 30 anos manifestaram que em algumas circunstâncias um governo autoritário pode ser preferível, enquanto 40 e 42%, respectivamente, afirmaram não fazer diferença o regime de governo.
Fonte Imagética: Feriado da Independência do Brasil é marcado por protestos em Teresina. Foto: Arquivo/ J. Paiva. Disponível em: <https://piauihoje.com/noticias/geral/feriado-da-independencia-do-brasil-e-marcado-por-protestos-em-teresina-375109.html>. Acesso em: 11 abr. 2022.