Bruno de Castro Rubiatti[1]
Introdução
Nas últimas décadas, o debate sobre a representação de minorias têm ganhado destaque no Brasil. Desde a promulgação da Lei 9.504/1997 que definiu uma cota de candidaturas para mulheres (25% nas eleições de 1998 e 30% nas seguintes), os resultados dessa política estão abaixo do esperado: apesar do crescimento na representação feminina na Câmara dos Deputados, o número de candidatas eleitas ainda se mantém baixo – em 2018, 32,2% das candidaturas foram de mulheres, mas apenas 15,0% das cadeiras em disputa foram ocupadas por elas. Recentemente, outras iniciativas visando diminuir essas desigualdades foram debatidas, como o projeto (PEC 28/2021) que visa contar em dobro os votos em candidatos negros e mulheres para fins de distribuição do fundo partidário, ou projetos que visam garantir que os recursos do Fundo Especial de financiamento de Campanha (FEFC) e do Fundo Partidário sejam investidos em candidaturas proporcionais femininas, ou através de propostas que visam estabelecer um mínimo de representação feminina nas casas legislativas. Todavia, essas iniciativas sempre se voltam para as eleições proporcionais.
Desta maneira, todas essas iniciativas atingem a Câmara dos Deputados, Assembleias Legislativas estaduais e Câmaras de Vereadores, mas deixam de fora o Senado, única casa legislativa brasileira que adota um sistema majoritário em sua eleição. Com isso, cabe perguntar: “como se dá a representação dessas minorias na câmara alta brasileira?”. Tendo isso em mente, busca-se apresentar aqui a participação feminina e a diversidade racial tanto entre as/os candidatas/os quanto as/os eleitas/os ao Senado nas eleições de 2014 e 2018, visando observar traços que podem se manter nas eleições deste ano.
As eleições para o Senado
Antes de tratarmos diretamente das eleições senatoriais, cabe destacar que o Brasil adota o bicameralismo forte, isto é, tanto a Câmara dos Deputados quanto o Senado possuem poderes de iniciar, vetar e discutir leis, além de participarem de indicações de autoridades. Além disso, a forma de seleção para cada uma das casas é diferente. Sendo assim, o bicameralismo brasileiro é simétrico e incongruente, o que torna a existência da segunda câmara relevante dentro do processo decisório nacional. Essa importância do Senado também pode ser vista nos últimos anos, com o crescimento da atuação desta casa legislativa nas atividades de controle sobre o Executivo, além de seu papel na análise e aprovação de projetos de lei.
Sobre a eleição para o Senado, dois pontos interessam aqui: 1) a forma de eleição e 2) a renovação parcial. Sobre o primeiro ponto, é importante frisar que a eleição para o Senado é direta, em eleição própria – que ocorre juntamente com as eleições para presidente, governadores, deputados federais e estaduais – utilizando-se do princípio majoritário, isto é, o candidato com maior quantidade de votos é o eleito. Assim como os deputados federais, o distrito eleitoral dos senadores é o próprio estado, mas, diferente da câmara baixa, o número de senadores por estado é igual (três senadores), independente do tamanho do eleitorado. A representação do Senado tem, em princípio, um caráter territorial e federativo. Já sobre o segundo ponto, cabe destacar que o mandato dos senadores é de oito anos, e a renovação da casa ocorre parcialmente a cada quatro anos em um terço e dois terços. Por esse motivo, optou-se por trazer para essa análise as eleições de 2014 – ano que se renovou um terço do Senado – e de 2018 – renovação de dois terços, cobrindo, portanto, um ciclo completo. As eleições deste ano renovarão um terço da casa – final do mandato dos eleitos em 2014.
Tabela 1 – Distribuição de gênero das candidaturas ao Senado (2014-2018)[2]
O primeiro ponto a se destacar é o predomínio de candidaturas masculinas em ambas as eleições, aproximadamente 80% com pequena variação entre uma eleição e outra. Também se nota que a participação feminina nas candidaturas ao Senado é inferior às apresentadas na Câmara: em 2014, 31,8% das candidaturas à Câmara dos Deputados eram de mulheres, enquanto no senado esse número era de apenas 20,1%; em 2018 foram 32,2% para a primeira câmara e 18,0% para a segunda. Aqui já fica claro que a política de cotas teve um efeito nas eleições proporcionais, mas, nas eleições majoritárias para o Senado, a participação feminina ainda fica em patamares mais baixos.
Quando pensamos na oferta de candidaturas femininas por estados, o quadro fica ainda mais alarmante: tanto em 2014 quanto em 2018 não houve nenhuma candidatura feminina ao Senado em cinco unidades da federação: Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Piauí e Paraná em 2014 e Acre, Alagoas, Bahia, Rondônia e Tocantins em 2018. Somado a isso, em 2014, outros 12 estados tinham apenas uma candidata mulher e esse número caiu para 5 em 2018. Por fim, os estados que tiveram, proporcionalmente, maior participação de candidatas em 2014 foram: Rio Grande do Norte (60,0%), Ceará (50,0%), Pernambuco (40,0%) e Tocantins (40,0%); e, em 2018: Rio Grande do Sul (38,5%), Pernambuco (36,4%) e São Paulo (35,3%). Como se pode notar, com exceção do Rio Grande do Norte e Ceará, ambos em 2014, as candidaturas ao Senado são preponderantemente masculinas.
Ao olharmos por regiões, ainda proporcionalmente, Norte e Nordeste são as que apresentam maior participação de candidaturas femininas em 2014 e Sudeste e Sul em 2018. Por outro lado, se observarmos a contribuição de cada uma das regiões para o total de candidaturas femininas, em 2014, Nordeste e Norte foram as regiões que mais contribuíram (com 29% e 24,9% do total de candidaturas de mulheres), já em 2018 foram Nordeste e Sudeste (30,2% e 28,3%).
Assim, a baixa apresentação de candidaturas femininas pode ser vista como um fenômeno nacional, não restrita exclusivamente a estados e regiões específicos, mas presente em todos eles em momentos distintos. Apenas o Rio Grande do Norte, em 2014 apresentou mais candidatas que candidatos ao Senado. Contudo, nas eleições seguintes, apenas 28,6% das candidaturas eram de mulheres.
Essa baixa apresentação de candidaturas acaba por impactar também a presença de senadoras na segunda câmara brasileira. Além dos estados com nenhuma candidata, há também que se observar que, por se tratar de uma eleição majoritária, as candidatas ao Senado devem ser as primeiras colocadas (no caso da renovação de um terço) ou estar entre a primeira e segunda colocação (no caso da renovação de dois terços).
Tabela 2 – Distribuição de gênero dos eleitos ao Senado (2014-2018)
Como fica nítido na tabela 2, a baixa presença de mulheres indicadas já nas candidaturas se aprofunda quando tratamos das eleitas. Nesse caso, nas duas eleições aqui analisadas, o patamar de eleitas fica abaixo de 20%. Cabe notar que na tabela 2 não estão considerados os dados sobre Mato Grosso para o ano de 2018 porque essas informações não constam do SIG (Sistema Integrado de Gestão) de Eleições do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Porém, nessa eleição, Mato Grosso teve como eleitos a Juíza Selma Arruda e Jayme Campos. Se considerarmos esses dois, a participação feminina entre os eleitos em 2018 sobe para 13,0%. Todavia, a Juíza Selma Arruda teve seu mandato cassado por abuso do poder econômico e arrecadação ilícita nas eleições de 2018. Com a cassação do mandato, foi convocada eleição suplementar em 2020, sendo eleito Carlos Fávaro.
Quando olhamos por estado, as senadoras foram eleitas por Rio Grande do Norte, Mato Grosso do Sul, Sergipe, Tocantins e Espírito Santo em 2014. Já em 2018, foram eleitas por Distrito Federal, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Rio Grande do Norte, São Paulo – além do caso do Mato Grosso citado acima. Sendo assim, em 2014 e 2018 a região sul não elegeu nenhuma senadora, sendo que o mesmo ocorreu com a região norte em 2018. Nota-se também que apenas o Rio Grande do Norte e Mato Grosso do Sul elegeram senadoras nas duas eleições.
Assim, a baixa presença feminina entre as eleitas segue o mesmo padrão que a de candidaturas: não é um fenômeno localizado, mas sim nacional. Em 17 estados da federação não houve nenhuma mulher eleita para o Senado entre 2014 e 2018.
Ao comparar a participação de mulheres eleitas entre as casas do Congresso nacional, observa-se que em 2014 apenas 9,9% das 513 cadeiras em disputa foram ocupadas por mulheres e no Senado foram 18,5%; já nas eleições de 2018 foram 15,0% para a Câmara e 11,5% para o Senado (13,0% se considerarmos o caso do Mato Grosso). Dessa forma, há diferenças entre as casas no que tange à presença feminina, sendo um pouco maior nas eleições proporcionais da Câmara dos Deputados.
Outro ponto a se destacar sobre a representação no Senado é a questão racial. Para tratar desse tema, buscamos informações sobre a autodeclaração dos candidatos ao Senado no próprio sistema do TSE. Assim, os candidatos foram classificados em “branco”, “pardo”, “preto”, “indígena” e “amarelo” de acordo com sua autodeclaração no momento do registro de sua candidatura. A tabela 3 mostra essa distribuição.
Tabela 3 – Distribuição das candidaturas ao Senado de acordo com a autodeclaração racial (2014-2018) [3]
Como se pode notar na tabela 3, o predomínio de candidatos brancos é evidente. A segunda maior frequência é a de candidatos que se declaram pardos, mas mesmo aqui a diferença é gritante: mais 45 pontos percentuais em comparação com a primeira. Candidatos autodeclarados pretos só atingem 10% na eleição de 2018. Indígena e amarelo são residuais, sendo apenas três candidatos indígenas em 2014 (nos estados do Acre, Piauí e São Paulo) e dois em 2018 (um em Mato Grosso do Sul e outro em Roraima). Já para amarelo há apenas um em 2018 (Minoru Kinpara, candidato pela REDE no estado do Acre).
Ao tratar dos candidatos declarados pretos nota-se que foram 14 em 2014, espalhados por 13 estados, ou seja, apenas em um estado houve mais de um candidato que se declarava preto (Minas Gerais). Em 2018 esses números aparentemente melhoram: são 32 candidatos espalhados por 17 unidades da federação, sendo que quatro delas apresentaram três candidatos pretos. Todavia, cabe notar que 2018 foi uma renovação de dois terços e, sendo assim, o número total de candidaturas também é maior que o de 2014. Por isso, mesmo com essa melhoria em termos de números absolutos, não houve grande alteração na participação de candidatos autodeclarados pretos entre as eleições (saindo de 8,3% em 2014 e chegando a 10,9% em 2018).
Outro ponto a se notar é que em seis estados não houve candidatura de indivíduos autodeclarados pretos em nenhuma das duas eleições aqui tratadas (Acre, Alagoas, Goiás, Mato Grosso do Sul, Paraíba e Rondônia) e outros 11 estados só apresentaram candidatos nessa categoria em uma das eleições. Complementarmente, em poucas ocasiões a categoria “branco” não se apresentou como maioria (50% ou mais) dos candidatos ao Senado: no Acre, Amapá e Sergipe, em 2014; e em Roraima, em 2018. Mas, em todos esses casos, a categoria “pardo” ou ficava com uma participação ligeiramente maior ou igual a de “branco”.
Ao observarmos por região, as que apresentaram maior participação de candidatos autodeclarados pretos em 2014 foram as Sudeste e Nordeste (12,9% e 12,2%). Em 2018 também foram as mesmas regiões, só que na ordem inversa: Nordeste (16,0%) e Sudeste (15,8%). Já a região com a menor participação de candidatos autodeclarados pretos em ambas as eleições é a Centro-Oeste (4,0% e 2,9%, respectivamente em 2014 e 2018).
Tabela 4 – Distribuição dos eleitos ao Senado de acordo com a autodeclaração racial (2014-2018)
Ao observarmos os candidatos eleitos, novamente o quadro se agrava: em 2014 81,5% dos eleitos se declaravam brancos e não houve nenhum eleito preto ou indígena[4]. Em 2018, houve uma ligeira queda na participação de autodeclarados brancos (75,0%) e 5,0% dos eleitos se autodeclaravam pretos. Efetivamente, esses 5,0% representam três senadores eleitos: Paulo Paim (PT, Rio Grande do Sul), Weverton (PDT, Maranhão) e Mecias de Jesus (PRB, Roraima).
Assim, o que se nota na questão racial para o Senado nas duas eleições é o predomínio de candidatos e eleitos autodeclarados brancos. Os autodeclarados como pardos aparecem em segundo lugar, mas em um patamar bem mais baixo. Autodeclarados pretos formam uma minoria entre candidatos e eleitos, tendo sido eleito apenas três nomes em 2018. Por fim, autodeclarados indígenas e amarelos são residuais nas candidaturas e ausentes entre os eleitos.
A questão racial e de gênero no Senado: o que esperar de 2022
O quadro apresentado nas duas últimas eleições para o Senado mostra a disparidade racial e de gênero que atinge a câmara alta brasileira. Mais da metade dos candidatos ao Senado são homens brancos e mais de 65% dos eleitos em cada uma das eleições também o são. Assim, a representação de mulheres e de outros grupos raciais é minoritária nesta casa legislativa.
Todavia, as propostas de mudanças que visam mitigar esse quadro de sub-representação desses grupos no Legislativo acabam por incidir nas eleições proporcionais e, consequentemente, não têm um efeito direto sobre o próprio Senado. Assim, não houve uma mudança institucional que possa trazer uma alteração nesse quadro já nas eleições de 2022.
O quadro para 2022 reproduz a situação presente nas eleições anteriores: até o momento, os possíveis nomes de candidatos ao Senado continuam sendo majoritariamente homens e brancos. Claro que isso não significa que não há mulheres que competirão nessas eleições para o Senado, e algumas com grandes chances de se elegerem, mas que a oferta de candidatos pelos partidos ainda se concentra em indivíduos do sexo masculino e indivíduos autodeclarados brancos. Assim, o problema da sub-representação desses grupos no Senado, antes de ser um problema do eleitorado, é um problema de oferta por parte dos próprios partidos: se, em parte dos estados, não há candidatura de mulheres ao Senado, não há como o eleitor escolher uma representante feminina. Isso vale também para candidatos autodeclarados pretos e, em um grau ainda mais alarmante, indígenas.
O Senado é visto como uma casa legislativa formada por membros com maior experiência política, tanto que muitos dos seus membros possuem passagens por outros cargos legislativos e executivos, incluindo ex-governadores e até ex-presidentes. Sendo assim, ao lançarem candidatos ao Senado, os principais partidos podem selecionar seus membros mais experientes e, como esses grupos sub-representados no Senado também o são em outros cargos eletivos, pode haver uma falta de membros que sejam desses grupos e possuam experiência política prévia. Nesse ponto as alterações recentes visando a diminuição da disparidade racial e de gênero no Legislativo podem ter efeito sobre o quadro das candidaturas (e eleitos) ao Senado, mas seria um efeito de longo prazo, não trazendo mudanças para a atual eleição.
Por fim, o problema da sub-representação de mulheres e de grupos étnicos não se limita apenas ao Senado, nem é um problema de fácil solução: questões anteriores à própria seleção de candidatos e a violência política racial e de gênero são elementos centrais para se compreender esse fenômeno. Todavia, esse texto buscou observar o fenômeno das candidaturas (e eleitos) ao Senado e apontar os limites que as atuais propostas que visam diminuir as disparidades no Legislativo apresentam quando falamos da câmara alta: por focarem em eleições proporcionais, as políticas propostas não afetam, pelo menos de imediato, o próprio Senado, o que pode manter essa casa legislativa afastada de uma representação menos desigual.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Boletim Lua Nova ou do Cedec.
[1] Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política (PPGCP) e da Faculdade de Ciências Sociais (FACS) da UFPA. Pós-Doutorando em Ciência Política junto ao Programa de pós-graduação em Ciência Política da UFMG
[2] Os dados foram coletados no SIG Eleição do TSE. Todavia, para o ano de 2018 não constam os dados dos candidatos do Mato Grosso. Por esse motivo, esse estado não será tratado para o ano de 2018.
[3] Os dados foram coletados no SIG Eleição do TSE. Todavia, para o ano de 2018, não constam os dados dos candidatos do Mato Grosso.
[4] Nem amarela, mas também não houve nenhum candidato que se autodeclarava assim.
Fonte Imagética: Senado Notícias. Pauta do Senado na próxima semana terá foco nos direitos da mulher. 05 mar. 2022. Fotografia de Marcos Oliveira/Agência Senado. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2022/03/04/pauta-do-senado-na-proxima-semana-tera-foco-nos-direitos-da-mulher>. Acesso em: 25 jul. 2022.