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Para atar nós: pesquisando transições, transformações, mulheres, trabalho e música no Brasil do passado

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Lucas Gabriel Feliciano Costa1

16 de dezembro de 2025

Es el orden de este incesante entrelazamiento sin principio, es la historia de las relaciones del ser humano individual, lo que determina la forma y la esencia de este. Incluso el tipo y la forma de su existir en sí mismo, incluso lo que él siente como su «interior», es moldeado por la historia de estas relaciones —por la estructura del tejido humano en el que, como uno de sus nudos, crece hacia una individualidad y vive.

La sociedad de los individuos, Norbert Elias

Via-se no horizonte o nascer do século XX, mas o século XIX ainda não tinha acabado. No Brasil do passado, encadearam-se dois grandes marcos em sua história como nação independente (pós-1822), construídos como resultado de longo processo de luta e disputa sócio-política entre indivíduos dessa terra e germes da mudança social que estaria por vir: a Lei Áurea que proibia a escravidão negra (1888) e o golpe militar que proclama a república (1889). 

O final do décimo nono século brasileiro é uma época de transições: do trabalho escravo ao trabalho livre; do império à república; da condição semicolonial à experiência de república federativa de estados unidos moderno independente. Mas, “no fundo, todas as épocas são épocas de transição” (CARPEAUX, 2019, p. 1715). A mudança e o movimento das instituições e das relações sociais não cessam. Com respeito ao Brasil que miramos, seu projeto era uma transição, por muito tempo em trânsito, de uma terra em atraso civilizatório a um mundo ordenado possibilitador do progresso, isto é, civilizar-se2. As palavras de então eram “ordem e progresso”3, que entendemos como pôr em ordem ideias, indivíduos, relações, posições e poderes distribuídos, e colocá-los em seus “devidos lugares” para, então, progresar4. 

Sim, como verbo e no infinitivo. Falamos de progresso dessa forma para não incorrer no risco, e no erro, da reificação, isto é, de tomar o termo em sua forma substantivada e dar-lhe características humanas, a ponto de esvaziá-lo por completo de seu conteúdo elementar, tal como muitas de nossas palavras: a ação humana; são as pessoas que realizam a ação, fonte geradora e motriz que cria, delibera e executa dentro de um contexto, de forma comprometida ou distanciada com os fenômenos, para a existência de todas as coisas no mundo da segunda natureza: a sociedade (cf. ELIAS, 1990, 2008, 2016,). 

Fazer-se civilização e civilizado: eis o principal objetivo do projeto de modernização brasileiro em curso nesse período. Espelhando-se na experiência francesa e inglesa, o Brasil corria, com algumas passadas de desvantagem, uma carreira rumo à economia do capital e à sociedade mais urbana, de modos e de cultura burguesas. Não queria mais só uma aproximação e uma relação tímida com os métodos e procedimentos da máquina mercante que seguia a todo vapor no Velho Continente. Não, queria progresar e estabelecer um Estado-Nação “à europeia”, de espírito capitalista e fachada moderna e liberal.Mas antes, precisava limpar casas e ruas e ajeitar a aparência e a maneira bem brasileiras (como pensavam os contemporâneos), desordenadas pelos horrores da colonização, desigualdade social, escravidão e da fortíssima presença de corpos e culturas não-brancas, para pulverizar o passado e o atraso e chegar à “vitória da higiene, do bom gosto e da arte”5, fazer-se país moderno, confortável e civilizado6 (cf. NEEDELL, 2012). Fazer-se pelos feitos de muita gente interessada nessa mudança. Sociedade e cultura no Brasil se transformam em transição.

Ordem para progresar, definir a realidade, uma forma de ser para agir e estabelecer. A cidade do Rio de Janeiro, àquela altura capital nacional, representa bem esse projeto em execução que tem seus pontos altos na chamada belle époque brasileira (1898-1914)7. Um pacote de transformações no espaço urbano dessa cidade, realizado em reformas estruturais e construções novas, muitas delas saídas da mesa de desenho de Francisco Pereira Passos (1836-1913), não seria suficiente para modernizar a pátria, representada por sua capital, se não fosse acompanhada de transformações daquela sociedade de indivíduos. 

Queria-se burgueses citadinos, de trato cortês, higiênicos e de instrução para as relações públicas, a lida com a burocracia e as trocas comerciais. Precisava-se, então, de maior e mais generalizada instrução às primeiras letras e números; bens de consumo duráveis e não duráveis de tipo industrial; apresentar, popularizar e acomodar no espírito as ideias de burguês e de capitalista; conservar a hierarquia e modos de relação entre os sexos e as gerações, homens e mais velhos dominam, e estabelecer novos estândares de classificação e juízo das artes e expressões das culturas dessa terra. Um liberalismo e capitalismo à brasileira estavam em construção. Um possível resultado desejável seria: 

Na economia, os ricos fazem quanto lhes apraz, sem que a ninguém seja lícito intrometer-se; como indenização, o pobre recebe, ao que parece, o Estado: os liberais são adeptos da democracia. Pois que dano poderá causar-lhes o Estado desde que não interfira na economia? A nós os dividendos, ao pobre o sufrágio universal. (CARPEAUX, 2015, p. 138)

No entanto, na nossa história, as poliarquias se formaram, cobraram seus dividendos e só a elas, por muito tempo, deu-se o sufrágio universal. Pobres, mulheres, negros, ex-escravos estavam proibidos, suburbanizados, excluídos ou ainda desintegrados. Needell (2012, p. 89) acerta ao dizer que a nova arquitetura da grande capital será como a cultura de elite que se quer formar: de fachada estrangeira, mas de corpo brasileiro. Lima Barreto (1956a, p. 37) já denunciava que “A Bruzundanga, como o Brasil”, não te transformava só para inglês ver, senão para todo o estrangeiro.  

Para fazer do projeto uma realização, sair do campo e estabelecer-se nas cidades era preciso. Depois, as preocupações da ordem do dia passaram a ser a construção e a difusão de instituições de ensino primário e secundário; escolas de formação a artes e ofícios; e (mais uma) abertura dos portos para a entrada, circulação e estabelecimento de corpos e mentes civilizados, cérebros ilustrados, ideias e fazeres novos, além de mercadorias industrializadas vindas do além-mar, grande parte do leste europeu, ou produzi-las por cá mesmo, usando da experiência de migrantes desejáveis e exploráveis. 

Entre bagagens de intelectuais, pessoas ilustres, ou não, e bugigangas para o comércio, desembarcavam também em terra verde-e-amarela obras de forte expressão do mundo burguês: companhias de ópera e teatro (por mais que já andassem por aqui há algum tempo); livros de música para piano, voz e formações de câmara, de repertório com peças tradicionalmente românticas, outras ainda classicistas, certamente bem quistas para o baile sóbrio em salão de sociedade; e, para o divertimento de diletantes em reunião e entretenimento doméstico; obras de Balzac e outros representantes menores (principalmente franceses) do romance burguês8, difundidos por brochuras, em vernáculo ou não, e pelos já famosos folhetins que tomavam as páginas dos jornais cariocas e o tempo das senhoras que sabiam ler, seu maior público. Naqueles tempos “a Civilização e o progresso se interpretavam em francês” (Needell, 2012, p. 88). A tradução dessas histórias, suas personagens, imaginações, relações e realizações ficava por conta duma parte do povo fluminense de vestido, sombrinha de renda e chapéu de laço, de braços dados a fraques despojados, porém elegantes, perfeitos para ocasiões de lazer e de negócios. Ação e relação, em processo de ordenação, para progresar e vislumbrar uma realidade nova e desejada pelas pessoas e pelos grupos com poder de fazer esse projeto acontecer. Mas, afinal, por onde começar?  Dos muitos pontos possíveis a observar, olhemos primeiro a família, essa pequena unidade de pessoas capaz de inculcar valores nas novas gerações e conduzi-las a ver e viver uma realidade possível de forma objetiva, trocando em miúdos, uma instituição social (cf. ELIAS, 1990). 

A família brasileira em seus moldes tradicionais, com seus homens, mulheres e filhos, rodeada de agregados consanguíneos ou não, e acompanhada de seus criados e crenças, é um bom ponto de partida para pensar o processo ao progresso porque é coisa-lugar importante para se ordenar quando se quer transformar (as pessoas e o social). Mas, claro, falamos da família dos que integram as camadas sociais em que essas transformações têm condições de serem assimiladas, a família com membros minimamente letrados e de posses, que estabelece relações públicas transitando entre os mundos dos donos do poder brasileiro, desde o campo aos citadinos comerciantes, industriais e políticos, que coloca nas cadeiras de assembleias sua descendência de bacharéis urbanos e de anel de jóia no dedo (BARRETO, 1956a). 

Mesma família que põe suas mulheres, ociosas de atividades públicas e produtivas, para apreciar o mundo da janela de casa e das páginas de revistas de modas, letras de canções e de prosa. Submissa a seus homens, sua real providência, restava resignar-se a seus destinos escritos nos papéis de “filha” obediente e inteligente, “esposa” solícita, agradável e econômica e “mãe” responsável pela criação de uma nova geração de homens, preferencialmente, desejáveis à pátria. 

Eis a peça importante no jogo da produção das realidades sociais e das crenças: a constituição de uma tradição, sua perpetuação pela socialização e sua manutenção pela relação acúmulo-consumo de bens culturais (cf. NEEDELL, 2012; BARRETO, 1956a). 

O leitmotiv das páginas que seguem é a compreensão de uma transição. O caminho que desenhamos até aqui é um só: do Brasil em modernização constitui-se um projeto, é preciso ordenar a sociedade, seu imaginário, suas relações e seus indivíduos, para constituir direção ascendente a um caminho de evolução, deliberado, de destino ao progresso. Es necesario progresar, por lo tanto. Os parágrafos anteriores, compilatórios e rápidos, mostram alguns anseios presentes de parte de um povo brasileiro, da sua elite, preocupado e desejoso dessa modernização, bem como das coisas a “botar ordem”, pôr em ordem. Disso, pôde-se verificar um resultado: a construção de uma cultura. Que cultura? Independentemente de como ela se estabelecesse, o importante é que ela tivesse como fonte as tais elites da pátria. 

As transições sociocultural e econômica para o novecentos brasileiro têm como agentes perenes essas elites: grandes patriarcas latifundiários, escravistas e aristocráticos e a gente da Coroa Portuguesa que em 1808 (de maioria falecida em 1888) chegava na colônia e aqui se estabelecia. Como ponto em comum, todas elas se aburguesavam. Esse longo período que comporta o Primeiro Reinado (1822-1831), a Regência (1831-1840) e o Segundo Reinado (1840-1889) é “[…] contexto histórico indissociável no qual se consolidaram as bases da cultura e da sociedade da época” (NEEDLELL, 2012, p. 15). É nele que encontraremos indícios de nossa pesquisa. 

Chegamos, portanto, ao ponto central que percorre toda esta investigação: as transições brasileiras na virada do século XIX para o XX e suas consequências na vida social e cultural da época. Uma pergunta insistente persegue nosso raciocínio: como esse projeto de modernização das estruturas e instituições formais e sociais, do Brasil transformou a vida das pessoas? Mais especificamente, queremos saber como tal projeto afetou a vida das mulheres daquela sociedade. Justificamos o porquê. 

Talvez o primeiro passo mais comum de toda obra seja apresentar seus sujeitos e objetos de estudo e sua maneira de acessá-los. Neste trabalho não acontece coisa diferente. Eis nosso ponto de partida: estudamos o trabalho de mulheres no mundo da música carioca na virada do século XIX para o século XX, ação e agentes integrantes dos mundos de indivíduos e relações responsáveis pela criação, repetição, distribuição, validação e juízo de obras e bens culturais gestados pelo projeto de modernização brasileiro do qual estamos falando. Mas, antes de seguir, é preciso atar os nós. 

Afinados com Norbert Elias (2017), entendemos que, ao estudar fenômenos acontecidos no passado, existem diferentes pontos de vista na atividade de pesquisa: algumas abordagens em História, segundo o autor, preocupam-se com figuras e fatos concretos que existiram e passaram em outros tempos, enquanto algumas perspectivas da Sociologia buscam saber do desenvolvimento e estabelecimento de posições e relações sociais nesses outros tempos. Quando uma pesquisa sociológica mira o passado (a história), visa desenvolver modelos comparáveis de apreciação da realidade social (figuração), propõe Elias. O sociólogo deve atentar-se ao seu núcleo de problemas, saber que o que se quer conhecer não são entes inigualáveis e irrepetíveis – figuras consideradas magnânimas, excepcionais, as quais são usadas como ponto de referência para o estudo de um período ou fato – no processo histórico.

Como indica Elias, devemos não centrar as buscas em figuras (indivíduos) ou fatos concretos (grandes elites ou grupos determinantes, eventos resultados de ações dessas elites). Fazê-lo seria incorrer num erro de valorização e desvinculação entre coisas inseparáveis, indivíduos e sociedade. O sociólogo lida com a história de determinados laços sociais, de indivíduos agindo dentro das oportunidades de ação que seu tempo e espaço lhes permitem, mas sem estar totalmente determinados por essas oportunidades, apesar de fortemente constrangidos por estas. Assim, quer-se conhecer os aspectos repetíveis desse processo social e histórico. E este objetivo é o que dá origem à nossa pesquisa.

As pontas para o nó. Primeiramente, no artigo “O legado de Eva” representação social de mulheres e seu trabalho no Rio de Janeiro na virada do século (XIX – XX) miramos nas representações culturais, em transformação e em produção, que estavam por estabelecer-se e orientar uma nova forma de pensar, agir, sentir e autocoacionar os corpos naquela época. A partir disso, voltamos o olhar às pessoas e relações, mais precisamente, às relações sociais de sexo. Buscamos compreender quais eram os modelos de comportamento e a relação entre homens e mulheres daquela sociedade. Consequentemente, chegaremos às famílias e suas constâncias de hierarquização (de poder e de função) de seus membros. 

Por segundo, queremos saber como essas pessoas ganham suas vidas, quais são suas relações típicas de mulheres e homens com o trabalho. Daí ficam sob os holofotes as mulheres: na pesquisa, identificamos uma constância da dominação masculina em diferentes esferas e mundos sociais. Além da subjugação das mulheres no ambiente doméstico, no mundo do trabalho verificamos, naturalmente, uma regionalização das funções de indivíduos, com homens predominantemente fora de casa para trabalho (produtivo), lazer e relações públicas, e mulheres, dentro de casa, acompanhadas de criados diversos, dedicadas ao trato da prole e execução e/ou mando dos afazeres domésticos. 

É claro que essa estrita divisão espaço-funcional entre os mundos da casa e da rua acabava por não acontecer em todos os lares. Em camadas sociais superiores, a mulheres desligadas de homem provedor por viuvez, por exemplo, estavam permitidas socialmente a busca de trabalho honrado; ou já se dedicavam a atividades filantrópicas na condição de beatas ou devotas de alguma fé (especialmente cristã católica). Às das camadas inferiores, trabalho era necessidade. A pobreza pedia por comida e teto, era preciso ganhar a vida dia após dia. Vivendo por si ou amasiada com alguém, mulheres mais pobres sempre trabalharam nas mais diversas funções. O que coincide nas duas situações é: o tipo de trabalho que essas pessoas desenvolviam. Independentemente de sua condição social, mulheres trabalharam, principalmente, com as ditas “prendas do sexo”, é dizer atividades produtivas e serviços associados às atividades ligadas ao trabalho doméstico, cuidados e instrução. 

Transformação, transição, mulheres e trabalho: eis o primeiro nó. Mas ainda há uma ponta solta: estudamos mulheres trabalhadoras no mundo da música. Afinal, que tem a ver o que temos dito com as trabalhadoras artísticas? Tomamos tempo para dar uma resposta a essa e outras perguntas nos artigos “O som das patrícias”: presença e atuação de mulheres no mundo da música carioca (1889-1920) (no prelo) e “Em (marcha) Ré maior”: arte e trabalho de mulheres no mundo da música carioca (1889-1902), ambos em colaboração com o (queridíssimo!) Professor Doutor Sebastião Rios (UFG). 

Nossa proposta deriva, em grande medida, de um interesse acadêmico por entender a condição de mulheres trabalhadoras nos mundos das artes e mais especificamente nos mundos da música. Em investigações recentes sobre o trabalho no mundo das artes e da música brasileiro (como mostramos no Em marcha “Ré maior”) ouvimos o coro das pesquisas cantarem em uníssono as seguintes notas: o mundo do trabalho em música no Brasil é predominantemente masculino; as mulheres que nele estão concentradas em atividades ligadas à docência e criação musical. Encontramos aqui alguns aspectos recorrentes dessa instigante  história: homens predominando no trabalho fora do espaço doméstico; mulheres, quando trabalhando, ativas em funções tradicionalmente ligadas ao seu papel social de sexo. Óbvio e evidente, como esperado, mas nossa pesquisa da um passo a diante e revela uma estreita relação entre essa divisão sexual do trabalho social e a trajetória profissional de homens e mulheres em diversas áreas de atuação, o que também se mostrou verdadeiro no caso das artes e da música (tal como largamente exposto em O som das patrícias). Portanto, a condição social de sexo era (e ainda é) um dos presságios do destino pessoal e profissional de (algumas) mulheres daquele tempo.  

  Sem mais pontas soltas, estão prontos os laços da pesquisa: queremos estudar o trabalho de mulheres no mundo da música porque, através dele, conseguiremos perceber como as transformações do projeto de modernização nacional afetaram mutuamente os indivíduos do sexo feminino e seu processo de individualização, identificação e suas atividades e oportunidades de trabalho. Cultura como “herança de valores e objetos compartilhados” (BOSI, 1992, p. 309), resultado de um espírito9 que é responsável pela formação de condutas institucionalizadas e convertidas em realidade objetiva depositada num acervo de conhecimento social, a tradição, é o elemento que ata os nós e orna os laços. (BERGER; LUCKMANN, 1967; WEBER, 1977;) 

Mulheres, sua arte e seu trabalho, numa época de transição sendo afetados por uma transformação: aqui está a nossa pesquisa. Sujeitos, ações e relações: mulheres que trabalham com música. Espaço e tempo: cidade do Rio de Janeiro entre os anos de 1889 a 1902, primeiros anos da República Velha brasileira. O que queremos saber: como se deu o processo de inserção de mulheres, enquanto trabalhadoras, no mundo da música daquela cidade à época? Queremos sabê-lo para identificar os processos sociais que possibilitaram a presença e ação de indivíduos do sexo feminino em espaços de trabalho artístico como trabalhadoras livres, principalmente. Como fazemos: a partir de uma extensa análise documental de periódicos disponíveis na Biblioteca Nacional Digital. 

Nosso objetivo geral é identificar e caracterizar as diversas atividades de trabalho em serviços musicais executadas por mulheres do mundo da música em seus espaços de trabalho mais frequentes naquela capital da jovem república brasileira. Nesse caminho, visamos identificar e caracterizar principais postos de trabalho que elas assumiam e as características de seus trabalhos musicais e, por fim, compreender como se deu o processo de inserção de mulheres no mundo da música carioca enquanto trabalhadoras.

Transformações, transições, mulheres, trabalho e arte: dos nós atados, formamos os laços da (nossa) pesquisa. 

** Este texto não reflete necessariamente as opiniões do Boletim Lua Nova ou do CEDEC. Gosta do nosso trabalho? Apoie o Boletim Lua Nova!

Referências

BARRETO, Afonso Henriques de Lima. Os Bruzundangas. São Paulo: Editora Brasiliense, 1956.

BERGER, Peter L.; LUCKMANN, Thomas. The social construction of reality: a treatise in the sociology of knowledge. Harmondsworth: Penguin, 1967.

BILAC, Olavo. Chronica. In. Kósmos. Vol. 1, nº 3, maio de 1904 (Hemeroteca da Biblioteca Nacional Digital). Disponível em: <http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=146420&pesq=Olavo%20bilac&pagfis=167>. Acessado em: 20 de dezembro de 2021.

BOSI, Alfredo. Dialética da colonização. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 1992. 

CARPEUAX, Otto Maria.  História da literatura ocidental. Brasília: Senado Federal, conselho editorial, 2019.

CARPEUAX, Otto Maria. Caminhos para Roma: Aventura, queda e vitória do espírito. Campinas: Vide Editorial (Ecclesiae), 2014.

ELIAS, Norbert.  La sociedad de los individuos. Barcelona: Edicions 62, 1990.

ELIAS, Norbert. El proceso de la civilización. México, D.F.: Fondo de Cultura Económica, 2016.

ELIAS, Norbert. La sociedad cortesana. Distrito Federal: FCE – Fondo de Cultura Económica, 2017.

ELIAS, Norbert. Sociología fundamental. Barcelona: Gedisa Ed., 2008.

NEEDELL, Jeffrey D. Belle époque tropical. 1. ed. Bernal: Univ. Nacional de Quilmes, 2012. 

REAL ACADEMIA ESPAÑOLA (RAE). Diccionario de la lengua española, 23.ª ed., [versión 23.4 en línea]. Disponível em: <https://dle.rae.es>. Acessado em: 07 de junho de 2022.
WEBER, Max. Economía y sociedad. Madrid: F.C.E. de España, 1977.

  1. Doutorando em sociologia na Universidade de Brasília (UnB). Email: lucasgfc.lg@hotmail.com Lattes: https://lattes.cnpq.br/4915542141356819.. ↩︎
  2. São ideias presentes no imaginário da época. Podemos acessar essa forma de enxergar esse momento brasileiro a partir das crônicas de nomes como João de Barros e Olavo Bilac, por exemplo. Jeffrey Needell (2012) faz um longo apanhado de textos publicados na imprensa carioca entre os anos de 1890 e 1930, mostrando a forte presença dessa crença em textos de intelectuais, pessoas públicas e políticos. ↩︎
  3. Mote positivista presente na nova bandeira nacional da república nascente, instituída por decreto no governo de Manoel Deodoro da Fonseca no dia 19 de novembro de 1889. Para mais informações sobre esse símbolo pátrio, confira a seleta de arquivos e textos da Biblioteca Nacional  em ocasião de memória à data histórica: <https://www.bn.gov.br/acontece/noticias/2014/11/fbn-i-historia-19-novembro-dia-bandeira>. Acessado em: 07 de junho de 2025. ↩︎
  4. Progresar, vocábulo da língua espanhola, significa “avanzar, mejorar, hacer adelantos en determinada materia.” (RAE, 2021)
    ↩︎
  5. Trecho de “Chronica” publicada em 1904 por Olavo Bilac (cf. 1904); ↩︎
  6. Paráfrase às palavras de João do Rio (2008) sobre a necessidade da reforma em curso no espaço urbano na cidade do Rio de Janeiro à época, com seus dois símbolos máximos de progresso e civilização em destaque: a Avenida Central, marco da transformação carioca e brasileira, e a Rua do Ouvidor, espaço cosmopolita, artístico e intelectual, de conexão da capital da República com o mundo. ↩︎
  7. Seguimos definição e datação do período feita por Jeffrey Needell (cf. 2012). ↩︎
  8. “Balzac é a figura mais importante da transição entre o romantismo e o realismo-naturalismo: representa o advento da burguesia. Mas é preciso definir os termos dessa afirmação geralmente aceita. No fundo, todas as épocas são épocas de transição. E com respeito à burguesia: ela já apareceu tantas vezes no palco da história e da história literária. Burgueses eram os políticos e os poetas das cidades italianas do “Trecento”. Burgueses eram Lorenzo de’ Medici e os humanistas do “Quattrocento”. Burgueses eram os puritanos do “Commonwealth” de Cromwell e Milton. Também eram burgueses os dramaturgos e poetas que rodeavam Luís XIV, “ce grand roi bourgeois”. Burgueses eram os “dissenters” ingleses do século XVIII, o público de Addison e Steele, do romance e teatro sentimentais e da poesia pré-romântica. Burgueses eram os oradores da Revolução francesa. Em todas essas “épocas de transição” agiu, histórica e literariamente, a burguesia; mas sempre imitando o estilo de outras, mais altas, classes da sociedade. Só depois de 1830 venceu, com a burguesia, o próprio estilo de vida da burguesia: a economia livre e o parlamentarismo, os trajes masculinos mais sóbrios, sem qualquer vestígio de pitoresco, a prosa de casaca e cartola, a prosa dos negócios e a prosa na literatura. Byron e Puchkin ainda escreveram romances em versos; e o romance de Walter Scott, embora em prosa, foi poético. Mas agora, o romance tornou-se prosaico.” (CARPEAUX, 2019, p. 1715-1716, grifos nossos) ↩︎
  9. Que aqui entendemos como ideias e crenças construídas socialmente que são produzidas por ações e que as ações o produzem  (cf. WEBER, 2012)os e. ↩︎

Revista Lua Nova nº 120 - 2023

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