Eduardo Barbabela[1]
Introdução
Não é novidade a importância da comunicação para as democracias contemporâneas. Em um sistema cada vez mais descentralizado de divulgação de informações, no qual novas mídias surgem para dar voz a uma pluralidade de sujeitos, a mídia tradicional ainda possui um papel de agregador de demandas e vozes, definindo a relevância ou não dessas vozes no processo político. Seja por sua extensa capilaridade, seja por sua capacidade de produção de matérias com checagem de fatos, os grandes meios de comunicação possuem a confiança da sociedade para informá-la sobre o que acontece. Ao longo do século XX, a evolução da tecnologia e o desenvolvimento de novas formas de comunicação transformaram a sociedade e a sua relação com a política.
Na era da comunicação em massa, em que o discurso político se adaptou a novos veículos, novas rotinas e novos formatos, o público foi conectado a uma nova linguagem dos meios eletrônicos, principalmente no aspecto visual e no simbolismo dos atributos, que cada vez mais se tornaram essenciais para se entender a mensagem. A aproximação entre eleitores e eleitos, somada à importância da propaganda, exigiu transformações na ação do político, principalmente na sua relação com os novos meios de comunicação. Um dos principais mecanismos foram os sites de redes sociais.
Estes sites revolucionaram os espaços de interação social e ampliaram os espaços de conversação. Não é exagero afirmar que as redes sociais atualmente possuem papel importantíssimo na construção das redes de relações dos indivíduos. Nessas redes, os atores estão inseridos em estruturas complexas de relações com outros atores que em seus comportamentos e na visão de mundo dos indivíduos. Esses sites possibilitam a criação de perfis que permitem conexões entre distintos atores, com a amplificação de conexões e das informações disponíveis (Recuero, 2009).
O processo de conexão pelas redes sociais também acaba influenciando na representação dos grupos, principalmente por suas características específicas, como a persistência e a replicabilidade da informação (Boyd, 2010). Além disso, nas redes sociais é comum que as fronteiras do público e do privado se misturem, somadas a uma audiência invisível que está presente na rede, porém que não é imediatamente discernível (Recuero, 2012). Com isso, o estudo desses sites de redes sociais se tornou um caminho natural para entendermos o aprofundamento dos processos democráticos que vivemos e, em especial, no atual período eleitoral. Afinal, segundo pesquisa do DataSenado, 45% da população é influenciada pelas redes sociais na hora do voto.
Este artigo propõe discutir sobre como os perfis de Bolsonaro e Lula se comportaram ao longo da campanha presidencial no primeiro turno das eleições de 2022. Para isso, analisaremos dados do Crowdtangle dos perfis oficiais dos dois candidatos durante o período eleitoral de 2022 nos sites de redes sociais do Facebook e do Instagram. Vamos comparar apenas visualizações e interações nos dois perfis oficiais ao longo de sete semanas da campanha para entendermos as diferenças nos dois sites de redes sociais da Meta.
Um breve contexto
Para iniciarmos esta discussão é preciso primeiro compreendermos os dois polos que analisaremos. O campo Bolsonarista nas eleições de 2022 iniciou sua campanha no Facebook com uma rede forte e presente no Facebook, que se montou desde antes das eleições de 2018. Se analisarmos os relatórios do M Facebook produzidos pelo Manchetômetro nos últimos dois anos, percebemos que a página de Jair Bolsonaro se manteve constantemente no topo dos rankings de interações, visualizações, compartilhamentos e seguidores ao longo desse período.
O Lulismo, por sua vez, iniciou sua campanha de 2022 com números muito mais reduzidos. Ao longo do período eleitoral, alguns personagens, antes fora do espectro e do grupo Lulista, se aproximaram das redes do ex-presidente e tornaram-se essenciais na campanha. O principal deles foi André Janones (AVANTE-MG). O candidato a deputado federal e ex-pré-candidato à Presidência é uma das figuras mais importantes dentro do ecossistema do Facebook. Janones foi um personagem extremamente importante durante as discussões sobre o Auxílio Emergencial e conseguiu, com sua atuação, crescer e tornar seu perfil um dos mais importantes dentro do Facebook ao longo dos anos. Com seu alcance e visibilidade, Janones bateu recordes de visualizações na rede social e permitiu algum alcance a Lula aliado a um grande perfil no Facebook para ajudá-lo a ter alcance na rede.
As discrepâncias nos números de seguidores entre os dois perfis individuais são enormes no Facebook. Bolsonaro iniciou a campanha de 2022 com mais de 14,6 milhões de seguidores, enquanto Lula tinha pouco mais de 5 milhões. No Instagram as diferenças são também significativas. Nos números de seguidores, a imagem é parecida com a que vimos no Facebook, com a liderança do atual presidente: Bolsonaro aparece com mais de 21 milhões de seguidores no início de agosto, enquanto Lula possuía por volta de 6 milhões.
A métrica de total de números de seguidores demonstra os tamanhos dos campos nas redes e a facilidade que possuem para alcançar internautas nos sites das redes sociais. Em tese, aqueles que seguem as páginas possuem algum interesse no conteúdo por ela veiculado. Vamos tentar explicar de forma simples como as duas páginas conseguiram engajar a partir das quantidades totais de Visualizações e Interações que ambas tiveram. Assim, iremos avaliar brevemente se as campanhas estão atraindo atenção ou não nas redes[2].
Os dados no Facebook
Gráfico 1 –Total de Visualizações dos perfis dos candidatos no Facebook
Gráfico 2 – Total de Interações dos perfis dos candidatos no Facebook
Quando comparamos os dados das sete semanas de campanha presentes nos gráficos 1 e 2, percebemos que a força de Janones no Facebook não foi o suficiente para equiparar os campos em disputa nos números absolutos, exceto nas visualizações na primeira semana, quando a notícia sobre o apoio era novidade. Analisando as sete semanas de campanha, a página de Bolsonaro dominou em números absolutos em visualizações e interações. As duas semanas de maior destaque do presidente são a segunda semana, quando o presidente participou da sabatina do Jornal Nacional e utilizou o momento para publicar diversos posts nas redes sobre a ida a TV Globo, e a sétima semana, a semana em que foram viralizados os conteúdos dos debates do SBT e da TV Globo. Bolsonaro aproveitou também para realizar transmissões ao vivo em que o presidente conversava diretamente com seus apoiadores, em um bate papo informal que o aproximava de seus eleitores, tática que tem se demonstrado eficiente no Facebook nos últimos anos.
A página de Lula, por sua vez, não consegue ter números de interações próximos aos de Bolsonaro e apenas na 1ª semana possui quantidade de visualizações próximas à da página do atual presidente. Lula, diferente de seu adversário, apostou mais na publicação de fotos e nas transmissões ao vivo de eventos grandes, sem a interação e contato com seu público direto. A exceção fica pelas lives com Janones que construíram algumas poucas pontes neste primeiro turno.
Em números totais de visualizações e interações, o Facebook é um site de rede social em que Bolsonaro está mais bem posicionado e é capaz de gerar mais interações e visualizações do que Lula, mesmo com a ajuda de personagens relevantes como Janones. Para além da posição já consolidada do Bolsonarismo com altos índices de seguidores, o que sem dúvidas facilita o processo, a estratégia de apostar no modelo de lives com a conversa direta com seus apoiadores, em uma posição humanizada e que aproxima o eleitor de seu eleito, demonstra-se muito mais eficaz nesta rede do que a estratégia de Lula, que aposta em publicizar grandes eventos e repostar fotos de seus eventos de campanha.
No Instagram, contudo, os dados das métricas são bastante distintos do que os do Facebook, mesmo com a diferença grande de seguidores presente no site, e apresentam novidades importantes.
Gráfico 3 – Total de Visualizações dos perfis no Instagram
Gráfico 4 – Total de Interações dos perfis no Instagram
Nos dados do Instagram, apesar de Bolsonaro possuir também o maior número de seguidores, não há o mesmo domínio em números absolutos do que no Facebook. Embora conte com mais de 3 vezes o número de seguidores, os números absolutos demonstram um equilíbrio muito maior entre as visualizações e interações dos dois perfis ao longo das semanas. Bolsonaro apresenta duas curvas distintas. A curva de Visualizações demonstra um perfil que se manteve durante seis semanas com números próximos de visualizações e que, na última semana, teve seu pico com um grande destaque que até então não havia. Já nas interações a campanha demonstrou um pico na segunda semana, semana da sabatina e depois teve uma nova queda, até retomar uma tendência de crescimento a partir da sexta semana.
Bolsonaro ao longo deste período de campanha não conseguiu reproduzir o seu projeto de lives semanais no Instagram de forma eficaz. Dado que não há um sistema de Linha do Tempo no Instagram tal qual no Facebook, os vídeos do atual presidente acabam tendo reduzido alcance. A arquitetura do aplicativo ajuda a entender a dificuldade de Bolsonaro nesta rede, afinal não há um incentivo para a publicização de vídeos longos na plataforma, embora existam mecanismos para tal.
A campanha de Lula também apresenta os dois comportamentos percebidos nas curvas de Bolsonaro, inclusive com os mesmos movimentos nas mesmas semanas. No entanto, enquanto não vemos uma alta no número de visualizações igual a de Bolsonaro, nas Interações, o perfil de Lula consegue acompanhar as interações da página do ex-presidente e mesmo superá-la no final. Se no Facebook não havia espaço para competição, no Instagram parece ainda existir um espaço em que há possibilidade de as duas campanhas crescerem. Aqui a tática de publicizar fotos torna-se eficaz, pois é o principal objetivo da plataforma. E por ser uma prática recorrente da campanha de Lula, acaba alimentando tanto as fotos quanto os stories do candidato petista, ampliando suas possibilidades de ser visualizado por seguidores e nas buscas.
Breves conclusões
Hoje nosso sistema de informações é descentralizado, principalmente com o fortalecimento da internet. A internet possui capacidade, tal qual a televisão, de alcançar o cidadão e expô-lo a informações, além de sua inquestionável importância para a promoção da liberdade de expressão como mecanismo que possibilita que os indivíduos compitam com os meios de comunicação em massa pela divulgação de notícias. A convergência das mídias para o campo digital desenvolveu um sistema considerado multimídia e em rede, que ampliou os produtores de conteúdo (Barendt et al., 2013, p. 336)
Os dados do Facebook e do Instagram, apesar de serem ambos sites de redes sociais da mesma Meta, demonstram perfis e realidades distintas. Enquanto Bolsonaro demonstra já possuir altos números de seguidores em ambas as redes, seus perfis não possuem a mesma eficiência. Enquanto no Facebook a página do atual presidente domina as métricas de visualizações e interações, aproveitando da vantagem que teve na construção de uma rede de seguidores ao longo dos anos, no Instagram Bolsonaro não conseguiu se aproveitar dos maior número de seguidores para superar Lula da mesma forma. A página de Lula, por sua vez, demonstrou ter conseguido acessar melhor o Instagram e conseguir métricas de interação e visualização melhores com menos seguidores, o que pode ser uma alternativa ao domínio que o Bolsonarismo possui no Facebook.
As explicações para resultados tão díspares passam por vários fatores, desde os objetivos das redes, passando por seus públicos e mesmo pela própria arquitetura das plataformas. O sistema de publicizar os mesmos conteúdos em diversas plataformas e sites de redes sociais acaba por desconsiderar as especificidades de cada rede e limitar o sucesso das mensagens em alguns desses espaços. Ainda mais quando consideramos nessa equação duas outras plataformas como o Whatsapp e o Twitter. As campanhas dos dois principais candidatos presidenciais não parecem ter compreendido estas distinções no primeiro turno de forma a se beneficiar do cruzamento dos conteúdos de uma forma harmônica para cada plataforma. Vejamos se no segundo turno será diferente.
*Este texto não reflete necessariamente a opinião do Boletim Lua Nova ou do CEDEC.
Referências
BARENDT, Eric. “Broadcasting Law: A Comparative Study.” Oxford: Clarendon Press, 1995.
_____, Eric. “Freedom of Speech”. Oxford: Oxford Universy Press, 2007.
_____; BOSLAND, Jason; CRAUFURD-SMITH, Rachael; HITCHENS, Lesley. “Media Law: Text, Cases and Materials.” Edinburgh: Person Press, 2013.
BOYD, D.; ELLISON, N. Social Network Sites: Definition, History, and Scholarship. Journal of Computer-Mediated Communication, [S.l.], v. 13, n. 1, p. 210-230, 2007.
_____. Social Network Sites as Networked Publics: Affordances, Dynamics, and Implications. In: Papacharissi, Z. (Ed.). A Networked Self: Identity, Community, and Culture on Social Network Sites. New York: Routledge, 2010. p. 39-58 RECUERO, R. A Conversação em Rede: comunicação mediada pelo computador. Porto Alegre: Sulina, 2012.
[1] Eduardo Barbabela é doutor em Ciência Política pelo IESP UERJ. Pesquisador do Manchetômetro e do Observatório de Eleições.
[2] Sabemos da existência do impulsionamento de publicações e da possibilidade de ser seguidor e não visualizar as publicações das páginas, tanto no Facebook quanto no Instagram, além da existência de robôs. Entretanto, considerando que não é possível retirar nenhuma dessas informações a partir dos dados fornecidos pelo Crowdtangle, decidimos por desconsiderar para ambos os candidatos.