Por um Pachukanis Insurgente: elementos de uma outra recepção da obra Teoria Geral do Direito e Marxismo

Por Moisés Alves Soares. Para além do expurgo que a obra de Evguiéni Pachukanis sofreu na União Soviética após a ascensão do stalinismo, por diversas razões, sua leitura centrada no direito compreendido como relações sociais constitutivas da dinâmica do mundo do capital encontrou forte resistência no campo acadêmico e quase nula influência no horizonte dos partidos políticos e movimentos sociais. No Brasil, o resgate de sua principal obra, Teoria Geral do Direito e Marxismo, apareceu, ainda que de forma contraditória, em tempos de resistência da crítica jurídica latino-americana durante o período da ditadura militar.

As cidades no G20 e a importância de uma perspectiva territorial para avanços nas agendas

Por Daniel A. de Azevedo e Pablo Ibañez. A Cúpula do G20 Financeiro no Brasil ocorre em meio a um momento extremamente delicado do sistema internacional. Além das duas guerras em curso, na Ucrânia e em Gaza, as tensões envolvendo médias e grandes potências têm aumentado, gerando uma ruptura daquilo que conhecemos como globalização. Hoje, teses sobre um processo de desglobalização já estão sendo cada vez mais discutidas, como o trabalho de Rajan (2023) bem evidenciou. Ainda que não haja um consenso entre os analistas, a “parceria sem limites” firmada entre China e Rússia, assim como as crescentes ações em bloco que países têm realizado, a exemplo do uso cada vez mais comum de sanções econômicas, elevam o grau de incerteza sobre como a geopolítica contemporânea lida com o complexo jogo de interesses globais. O que se sabe é que o sistema como conhecemos está em rearranjo.

O populismo como herdeiro do fascismo: história da herança autoritária

Joyce Miranda Leão Martin. O final da década de 2010 colocou em xeque as democracias tais como as conhecemos: em seus postulados de separação dos poderes, de defesa dos direitos individuais, de proteção às minorias e de direito à oposição. Fenômenos como o Movimento Cinco Estrelas (na Itália), o Brexit (no Reino Unido), e as eleições de Donald Trump (Estados Unidos, 2017-2021), Viktor Orbán (Hungria, 2010-), Tayyip Erdoğan (Turquia, 2014-) e Jair Bolsonaro ( Brasil, 2019-2022) acenderam o alerta de que havia algo errado com os regimes liberais. Palavras como populismo e fascismo voltaram a ser tema de debates públicos, fazendo parte desde páginas de jornais até conferências em congressos e dossiês de periódicos acadêmicos.

Para além do modelo espiral: o impacto de normas e pressões internacionais de direitos humanos

Por Bruno Boti Bernardi e João Roriz. Há mais de setenta anos, os direitos humanos mobilizam afetos, ideias e ações em contextos domésticos e no cenário internacional. Pelo menos desde a década de 1970, os direitos humanos deixaram de ser apenas uma linguagem jurídico-diplomática e impulsionam ciclos de ativismo, denúncia e mobilização social (Moyn, 2010; Kelly, 2018; Sikkink, 2018). Os direitos humanos se consolidaram como uma espécie de língua franca capaz de enquadrar não apenas a vocalização de demandas e reivindicações pela sociedade civil, mas também as próprias políticas públicas de acesso e consecução de bens e garantias. A linguagem e o seu repertório de práticas se impuseram, paulatinamente, tanto sobre outras narrativas rivais de dissenso quanto sobre projetos e visões alternativos de legitimidade política (Donnelly, 2006; Hafner-Burton; Ron, 2009; Beitz, 2009). 

A defesa do Estado de direito e os limites da liberdade de expressão: o que o caso Assange pode nos ensinar sobre o 8 de janeiro?

Por Eduardo Lasmar Prado Lopes, Mariane Costa Matos e Robson Vitor Freitas Reis. Recentemente, o caso de Julian Assange tem sido novamente objeto de atenção e discussão. Assange, um programador australiano, tornou-se uma figura central na discussão sobre o direito de acesso à informação e à divulgação de documentos confidenciais, muitas vezes em detrimento das políticas de sigilo governamentais. Para nós, os desdobramentos recentes de seu julgamento se mostram uma excelente oportunidade de discutirmos um pouco as controvérsias inerentes ao direito à liberdade de expressão. Nessa perspectiva, o texto busca avaliar o recente caso brasileiro, onde a liberdade de expressão ameaçou a higidez do Estado de direito, para refletir sobre a inescapável necessidade de equilibrar esses direitos fundamentais em uma sociedade democrática. 

Existe uma mudança nas prioridades de atuação do Ministério Público brasileiro nas últimas décadas?

Por Bruno Lamenha. O empoderamento do sistema de justiça e de suas capacidades institucionais, especialmente no que diz respeito à ampla capacidade de intervenção na implementação de direitos fundamentais e na estruturação de políticas públicas, é uma das principais características do projeto jurídico-político encartado pela Constituição de 1988. Há variados elementos e sentidos que podem ser extraídos desse fenômeno. Por exemplo, trabalhos como o de Almeida (2010) identificam, nesse momento histórico particular, o ponto de chegada de um longo processo de profissionalização das carreiras jurídicas nacionais iniciado com o fim da República Velha. Outros, como Koerner (2018, p. 307), propõem que o cenário acima descrito evidenciou uma aposta dos poderes políticos em sentido estrito no sistema de justiça e na expertise profissional dos juristas como ativo relevante na estabilidade institucional da nascente Nova República.

Prudência política: das origens aos golpes de Estado

Por Eugênio Mattioli Gonçalves. Interessado no problema da razão de Estado, desenvolvi durante minha pesquisa de mestrado uma investigação sobre um de seus principais representantes: Gabriel Naudé. Frequentemente identificado como um dos maiores nomes da razão de Estado francesa do séc. XVII, o libertino é responsável por uma ‘teoria dos golpes de Estado’, que autoriza ao soberano mesmo as ações políticas mais extremas, sempre que este julgar necessário. Descumprir a lei, mentir e assassinar, diz o escritor, são escolhas legítimas por parte do príncipe quando este tiver como fim a proteção de seu Estado e de seu próprio poder. Assim, Naudé tece um longo elogio a episódios como a matança perpetrada por Carlos IX no Massacre de São Bartolomeu, justificando-a como uma ação “muito justa e muito notável” (Naudé, 1993, p. 110) para todo o país.

Combate à desigualdade e justiça social: a proposta brasileira de tributação global no G20 Financeiro

Por Marina Bolfarine Caixeta e Roberto Goulart Menezes. Desde a década de 1980, a concentração de renda aumentou vertiginosamente no mundo. A última edição do Relatório da Desigualdade Mundial (Piketty et al, 2022), revela que a iniquidade global segue crescendo: os 10% mais ricos ficaram com 52% da renda e 76% da riqueza. Na parte de baixo da pirâmide, metade da população fica apenas com 2% da riqueza e 8,5% da renda. No Brasil, de acordo com a Oxfam (2017), a desigualdade de renda segue sendo brutal: seis brasileiros possuem a mesma renda que metade da população mais pobre do país. Portanto, é fundamental que a desigualdade seja politizada e tenha sido incluída pela presidência brasileira do G20 na agenda desse que se tornou desde a crise de 2008 o principal fórum de discussão das questões econômicas e financeiras.

A reorganização política do Executivo brasileiro nos âmbitos fundiário e agroalimentar e sua contribuição para a democracia

Por Gil Ramos de Carvalho Neto e Elisabete Maniglia. Este trabalho foi inicialmente apresentado no 27° Congresso Internacional de Ciência Política (IPSA), realizado em Buenos Aires-ARG, e faz parte do doutorado que está sendo realizado no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Estadual Paulista (UNESP), Campus de Franca. Seu objetivo é investigar se as principais medidas de interesse agroalimentar e fundiário adotadas de prontidão pelo terceiro governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) contribuem para o retorno da institucionalidade democrática do Brasil.

Nós, os(as) desenvolvimentistas: homenagem à professora Maria da Conceição Tavares

Por Johnny Daniel M. Nogueira. O pensamento crítico e desenvolvimentista brasileiro e mundial perdeu, no dia 08 do mês de junho, uma de suas mentes mais brilhantes e criativas. Maria da Conceição Tavares é um nome que ressoa com força e respeito na academia e nos debates econômicos. Nós, sociólogos, cientistas políticos e, sobretudo, economistas, possuímos uma dívida imensurável com a sua contribuição ao pensamento e à produção acadêmica. Sua trajetória intelectual e profissional é testemunho de um compromisso inabalável com o desenvolvimento econômico do país e com a formação de gerações de economistas que carregam, ainda hoje, o ideal desenvolvimentista.  Sua formação sólida em matemática e sua capacidade analítica a levaram a desenvolver um pensamento econômico robusto, que combinava rigor teórico com um profundo entendimento das realidades sociais e econômicas brasileiras.