Nações difíceis

Por Dylan Riley. Tradução de Julio Tude d’Avila. Eu nunca havia ido à Grécia, mas ao nível da vida-mundo trata-se de um lugar completamente familiar: numerosos mercados pequenos, cafés, boticários, uma eventual livraria, um padrão de trânsito caótico com motoqueiros que desafiam a morte ao costurar entre ônibus e táxis. Em certo sentido, Atenas parece uma cidade genérica do sul da Europa. Claro que existem diferenças, especialmente se a comparamos a Roma. A fragilidade econômica é mais palpável; um shopping elegante da virada do século que me lembra do grande shopping no centro de Milão está abandonado, ainda vemos nas janelas os nomes de joalherias, lojas de roupas sofisticadas e restaurantes que atendiam aos interesses de pessoas que não têm mais a renda que tinham.

A Contribuição de Bresser-Pereira para a (Re)construção Intelectual do Estado Brasileiro

Por Daniel Estevão R. de Miranda. O período de meados da década de 1980 até meados da década de 1990 foi um divisor na trajetória do Estado brasileiro: tanto a lenta e gradual redemocratização quanto o ciclo de reformas liberais alcançaram um novo patamar nos governos FHC (1995-2002). Nesse contexto, foi criado um Ministério da Administração e Reforma do Aparelho de Estado (MARE), que recebeu atenção desproporcional à sua real influência no processo então em curso de privatização e desregulamentação.

A vida e as lutas de Marielle Franco

Por Lia de Mattos Rocha. Em 14 de março de 2023 completam-se cinco anos do assassinato político que vitimou a vereadora Marielle Franco e Anderson Gomes, seu motorista. Neste momento, em que se inicia um novo governo federal – após quatro anos que governos nada fizeram para esclarecer o crime que vitimou os dois, pelo contrário – as demandas por Justiça para Marielle e Anderson voltam a ocupar o espaço público. Até o momento foram identificados e acusados os executores do atentado, mas os mandantes permanecem desconhecidos e impunes.

Imaginações políticas para um outro mundo possível: as contribuições de Sen, Fraser, Boltanski e Butler

Por Eduardo Rezende Melo, Flávia Schilling e Maria José de Rezende. Neste artigo colocamos em vizinhança alguns tópicos do pensamento de autores como Amartya Sen, Nancy Fraser, Luc Boltanski e Judith Butler. Fomos orientados pela ideia da imaginação política – como exercício potente e de liberdade – sobre os dilemas do presente em torno da política, da crítica democrática, da justiça e das possibilidades de emancipação, em uma atitude de “lucidez desencantada”.

O autoritarismo instrumental de Carlos Lacerda e as ambivalências do liberalismo no Brasil (1950-1955)

Por Fabrício F. de Medeiros. A relação entre liberalismo e democracia foi e continua sendo caracterizada por uma série de percalços e ambivalências, entre as quais se destaca a proposta de ruptura institucional visando proteger os postulados liberais. O objetivo deste artigo é apresentar os resultados iniciais de uma pesquisa mais ampla a respeito do pensamento político de Carlos Lacerda (1914-1977), importante jornalista e político carioca que foi protagonista de diversas crises no período republicano.

Neoliberalismo e Gênero, Entrelace que Acentua Desigualdades

Por Stephany D. Pereira Mencato. Em um ensaio bibliográfico publicado recentemente busquei compreender como neoliberalismo e gênero se entrelaçam, acentuando as desigualdades de gênero, afetando mulheres e corpos feminilizados. Nele destaco os riscos que emergem dos discursos nos quais se prega, sem crítica, a autonomização total das mulheres, construindo-as como empresárias de si, possuidoras de liberdade total de escolha entre o mercado e a vida doméstica na sociedade de livre mercado.

Impressões de um trabalho de campo em Roraima

Por Sofia C. Zanforlin. Dados da Organização Internacional para as Migrações (OIM) mostram que 5,6 milhões de venezuelanos deixaram seu país desde 2015. Entre janeiro de 2017 e agosto de 2021, o Brasil acolheu 635.257 venezuelanos, depois do fluxo disparar 922% no biênio anterior. O governo brasileiro adotou a estratégia de abrigar e interiorizar os venezuelanos a partir da criação da Operação Acolhida (OPA), em 2018. A ação é levada a cabo pelo Exército Brasileiro, a ONU (Acnur e OIM) e ONGs que atuam no acolhimento em Roraima e em estados de diferentes regiões que recebem os migrantes.

Theodor Adorno e o jazz: desfazendo confusões através de um recorte histórico

Por Lucas Fiaschetti Estevez. Dentre os inúmeros temas abordados na vasta obra de Theodor W. Adorno, a sua análise a respeito do jazz suscitou um amplo e acalorado debate. As primeiras considerações do autor a respeito surgem pontualmente em alguns de seus escritos dos anos 1920 e passam gradativamente a ocupar um lugar central em sua obra na década seguinte, como em Adeus ao Jazz (1933) e Sobre o Jazz (1936). Desde então, sua análise desse gênero musical pode ser encarada como um momento daquele diagnóstico a respeito da padronização da cultura e sua colonização pela lógica mercantil, que encontraria sua exposição mais famosa em A Indústria Cultural: O Esclarecimento como Mistificação das Massas (1944). Nas décadas seguintes, Adorno ainda voltou a tratar do jazz de forma mais detida em Moda intemporal – Sobre o Jazz (1953) e em seus cursos de Sociologia da Música (1961-62).

O PCB, a questão racial e a questão nacional: a ambiguidade de uma singularidade    

Por Marcelo Martins da Silva. O debate sobre a incorporação da questão racial brasileira nas instituições políticas é fundamental para a avaliação do quanto elas têm absorvido e respondido às demandas por igualdade social a partir dessa questão específica. Por questão racial brasileira entendemos uma histórica opressão e superexploração que tem raiz na escravidão e na violência colonial, que se estende por toda a história republicana do país, impondo à população negra índices mais baixos de desenvolvimento socioeconômico.