João Gaspar1
14 de novembro de 2025
Em parceria com o Observatório Político dos Estados Unidos (OPEU), o Boletim Lua Nova republica a comparação dos modelos de segurança pública do Brasil e dos Estados Unidos. O texto foi originalmente publicado em 6 de novembro de 2025, no site do OPEU.
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Muito se vem discutindo no Brasil, nos últimos anos, acerca do modelo de ciclo de policiamento incompleto adotado pelo nosso país e sobre a proposta de transformação das nossas guardas municipais em polícias municipais. Não raro, defensores da implantação, aqui, do modelo de ciclo de policiamento completo e do nível local de jurisdição policial procedem a uma idealização das formas estadunidenses para justificar sua importação.
No presente Informe OPEU, apresentarei os sistemas brasileiro e estadunidense de Segurança Pública, diferenciando-os particularmente quanto aos níveis de jurisdição das suas agências policiais e quanto aos seus modelos de ciclo de policiamento, dentre outros pontos, como a relação com a Promotoria e o policiamento de universidades, problematizando, especialmente, nesse ínterim, os tipos estadunidenses. Com isso, visamos a contribuir para os estudos sobre EUA e para o debate de Segurança Pública, mostrando que, a despeito de não aparecerem comumente nas discussões sobre o tema, há uma lista enorme de problemas típicos do sistema de justiça criminal estadunidense, que ensejam argumentos contrários à transposição acrítica dos seus dispositivos para o Brasil.
Com isso, esperamos não apenas corrigir falsificações da realidade, como fazer com que se considere uma variável fundamental para quaisquer discussões sobre policiamento e crime que, pretendendo-se sérias, sejam levadas adiante em países dependentes e subdesenvolvidos como o nosso: o Imperialismo. Amiúde desprezado enquanto tal nos debates de Segurança Pública, ele não obstante exerce uma influência avassaladora sobre o ambiente securitário nacional, devendo, assim, estar presente nas agendas de pesquisa atuais sobre o tema.
Vale pontuar que esta influência pode se dar, basicamente, de duas formas, complementares entre si: a partir da dimensão institucional das relações bilaterais entre Brasil e EUA em matéria de Segurança Pública, em que este último exerce profunda ingerência sobre o primeiro, estando associadas as elites dirigentes de ambos, informadas, cada qual, por suas respectivas classes dominantes; e a partir da dimensão privada de tal relacionamento, em que think tanks localizados aqui e lá operam juntos, no sentido de conformarem consensos em Segurança Pública pró-burguesia pelo trânsito de ideias e de políticas públicas paridas no centro e levadas à periferia para serem desenvolvidas e aplicadas localmente.
Os dois modos pelos quais somos influenciados pelos EUA em nossa Segurança Pública já foram tratados por mim aqui no OPEU, nos seis informes componentes da série “Relações BR-EUA em matéria de Segurança Pública”, publicados no primeiro semestre deste ano de 2025. O primeiro deles pode ser acessado aqui: Segurança Pública na Dependência.
Vale dizer que o objeto da discussão que vamos fazer agora se insere na dimensão privada dessas relações bilaterais, na medida em que os defensores da importação, por parte do Brasil, das formas estadunidenses costumam estar vinculados a institutos neoconservadores, vindo a operar tais quais intelectuais orgânicos, em favor da burguesia a que servem. Entre eles, menciono o Novas Ideias em Segurança Pública — que tem o ciclo completo de policiamento e o nível local de jurisdição policial como suas bandeiras-mestras, tal como explicitei no informe A construção do consenso securitário neoliberal no Brasil.
Níveis de jurisdição policial: comparativo Brasil-EUA
De modo geral, existem nos EUA quatro níveis de jurisdição policial independentes entre si: a) municipal, em que se encontram os Departamentos de Polícia (PDs, na sigla em inglês); b) de condado, em que se encontram PD’s e/ou Escritórios de Xerife; c) estadual, em que se encontram Patrulhas Rodoviárias ou Departamentos Estaduais de Polícia; e d) federal, em que temos uma série de órgãos subordinados a Departamentos do Governo Federal, como o Escritório Federal de Investigações (FBI, na sigla em inglês), a Agência de Repressão a Drogas (DEA, na sigla em inglês) e o Serviço de Delegados dos EUA (US Marshals Service, em inglês), vinculados ao Departamento de Justiça; e a tão comentada nos últimos tempos, devido às suas operações contra imigrantes neste segundo mandato de Donald Trump, Polícia Migratória e Alfandegária (ICE, na sigla em inglês), que responde ao Departamento de Segurança Interna. Estão em operação, nos EUA, 18.623 corporações de polícia, segundo o Anuário de 2022 do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).
No Brasil, conforme definido pelo art. 144 da Constituição Federal de 1988 (CF), existem, basicamente, dois níveis de jurisdição independentes entre si: a) estadual, relativo às unidades da federação, em que se encontram as polícias militares (PMs), as polícias civis (PCs) e as polícias penais estaduais (PPEs); e b) federal, relativo à União, em que se encontram as Polícias Federal (PF), Rodoviária Federal (PRF), Ferroviária Federal (PFF) e Penal Federal (PPF). Além disso, o Congresso Nacional mantém um corpo de polícia que atua em suas dependências, conhecida como Polícia Legislativa Federal (PLF), o mesmo valendo para o Poder Judiciário Federal, que conta com sua Polícia Judicial Federal (PJF), a qual atua nos tribunais superiores e federais brasileiros. Hoje, segundo o mesmo Anuário de 2022 do FBSP, estão em operação no Brasil 87 agências policiais1. Importante lembrar que, conforme art. 27, §3º da CF e resolução n. 344/2020/CNJ, assembleias e tribunais estaduais também estão legalmente autorizados a comporem suas próprias polícias, o que, em ocorrendo, elevaria o número de corporações de Segurança Pública brasileiras operantes à casa das 200.
Na maioria dos municípios brasileiros, encontramos, ainda, as guardas municipais (GMs). Até o momento, elas atuam apenas complementarmente às polícias militares no policiamento ostensivo das cidades, por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), não tendo atribuição específica, nem podendo ser chamadas de polícias municipais. Por esse motivo, não as consideraremos parte da estrutura do sistema policial brasileiro, mesmo que integrem o Sistema Único de Segurança Pública do Brasil. Em 2021, existiam, no Brasil, 1.256 guardas municipais, segundo Anuário de 2022 do FBSP.
Quadro 1 — Comparativo BRA-EUA quanto aos níveis de jurisdição policial
| NÍVEL | EUA | BRASIL |
| municipal | Departamento de Polícia | — |
| distrital | PD ou Escritório do Xerife | — |
| estadual | Departamento Estadual de Polícia e/ou Patrulha Rodoviária | PM, PC, PPE, polícia de assembleia estadual e polícia de tribunal estadual |
| federal | FBI, DEA, Serviço de Delegados, ICE + várias outras | PF, PRF, PFF, PPF, PLF, PJF |
Fonte: Elaboração própria.
Ciclo de policiamento e sistema de justiça criminal: comparativo BRA-EUA
Quanto ao ciclo de policiamento, observamos que, nos EUA, todas as corporações têm jurisdição territorial e/ou competência penal específica, realizando o ciclo completo do policiamento, além de haver o acúmulo das atividades administrativas e judiciárias, isto é, das funções ostensivo-preventiva e investigativa, por cada corporação policial estadunidense. No Brasil, isso é diferente: nossas polícias se dedicam, de modo geral, a uma ou outra atividade, com exceção da PF, quanto a fatos ocorridos em fronteiras, mares e aeroportos (vide art. 144, § 1º, I – IV da CF); das PMs, quanto a delitos militares (vide art. 144, § 4º da CF); e da PLF.
Quadro 2 — Comparativo BRA-EUA quanto ao ciclo de policiamento
| CICLO COMPLETO? | ||
| EUA | SIM | |
| BRASIL | SIM: PF quanto a mares, aeroportos e fronteiras; PMs quanto a delitos militares; e PLF | |
| NÃO | polícias administrativas (função ostensiva): PMs, PRF, PFF, PJF… | |
| polícias judiciárias (função investigativa): PCs, PF… | ||
Fonte: Elaboração própria.
Simplificadamente, assim funciona a justiça criminal no Brasil (o exemplo trata do nível estadual de jurisdição policial no Brasil): caso alguém seja detido em flagrante delito, o mesmo deve ser conduzido à Delegacia de Polícia Civil que tenha jurisdição sobre aquela comarca, onde se passou o fato, para que seja registrado um Boletim de Ocorrência, e instaurado, após lavratura do Auto de Prisão em Flagrante2, um Inquérito Policial pelo Delegado de Polícia Civil.
Então – aqui, pode ser arbitrada fiança pelo Delegado, ou se prosseguir à Audiência de Custódia perante juiz das garantias3, para se decidir sobre a manutenção ou não da prisão em flagrante (art. 310 e 322 do Código Processual Penal, CPP) –, sob presidência do Delegado responsável, são apuradas as circunstâncias, a autoria e a materialidade do fato, por meio de diligências tais como oitivas, perícias, reprodução simulada do ocorrido, identificações, buscas e apreensões, intercepções etc. (art. 3º-B, XI, a) – e) do CPP), algumas dessas necessitando de mandado judicial, e outras tendo de ser solicitadas à Polícia Científica.
A seguir, é confeccionado um relatório (pelo qual o Delegado indicia ou não o(s) autor(es) do crime), o qual é repassado, junto dos autos do Inquérito, ao juiz das garantias e ao Ministério Público. A Promotoria apreciará seu conteúdo, podendo oferecer denúncia ao Judiciário, determinar o arquivamento do Inquérito ou devolver os autos à Delegacia, solicitando que a polícia obtenha mais material. Se for oferecida denúncia, o caso é levado a tribunal e, se o juiz (ou o júri popular, em caso de crimes dolosos contra a vida), com base nas provas apresentadas pela acusação, obtidas na fase de instrução processual, julgar o réu culpado e lhe impuser pena privativa de liberdade, agentes com poder de polícia, independentemente da corporação, cumprem o mandado de prisão e conduzem o apenado à penitenciária designada.
Nesse sentido, no Brasil, a atividade de polícia judiciária vem a ser executada, basicamente (há exceções, como já expusemos), pela PF e pelas PCs, consistindo na apuração de ilícitos com vistas ao seu esclarecimento. Seu instrumento de ação é o Inquérito Policial, procedimento administrativo privativo da Autoridade Policial (art. 144 da CF e Lei n. 12.830/2013) que antecede o processo penal e constitui a primeira etapa da persecução penal, tendo por fim único a informação da promotoria para formação da sua opinio delictis (espécie de opinião sobre o caso, a partir da qual ela decide se irá apresentar denúncia ou não) e o embasamento de uma futura ação penal por ela movida. Note-se: o Inquérito Policial não produz provas, e tampouco constitui a polícia, no Brasil, parte em um eventual processo.
Já a atividade de polícia administrativa vem a ser executada, sobretudo (novamente, há exceções), pela PRF, pela PFF, pela PJF e pelas PMs, estando seus homens estrategicamente posicionados ou fazendo rondas nas localidades cuja incolumidade (e a dos bens e pessoas que ali estejam) lhes caiba proteger.
Nos EUA, dá-se algo distinto. Cada uma das diversas corporações policiais faz, independentemente, ambos os trabalhos policiais, administrativo e judiciário (eis o dito ciclo completo de policiamento), sobre aqueles temas que estejam sob sua jurisdição em termos de território e competência (esta última informada pelo tipo de ilícito). Além disso, elas atuam junto ao Ministério Público mais que para lhe permitir a simples oferta da denúncia: as polícias estadunidenses participam verdadeiramente da acusação, sendo o instrumento da promotoria para a obtenção das provas que essa utilizará em juízo, para o convencimento do júri. Isso porque não há, conforme nos mostra o Departamento de Justiça daquele país, fase de instrução processual propriamente dita no sistema de justiça criminal estadunidense, nem uma delimitação da atividade investigativa como procedimento pré-processual similar à que temos no Brasil, derivada do instituto do Inquérito Policial (inexistente naquele país).
Para quem assistiu ao seriado estadunidense Law and Order: Special Victims Unit, isso tudo fica bastante claro: a mesma corporação policial responsável por patrulhar a cidade e por atender às ocorrências a partir do 911 — número unificado dos serviços de emergência dos EUA, que redireciona quem liga para os bombeiros, para a polícia, para hospitais etc., a depender da demanda; no Brasil não há um número semelhante, sendo que cada serviço, aqui, tem seu próprio telefone — é que leva adiante as investigações criminais (nesse caso, o Departamento de Polícia da Cidade de Nova York, NYPD). A Promotoria atua, por sua vez, junto da polícia, com uma intimidade e proximidade bastante grandes.
Advirão precisamente daí muitos dos problemas próprios do modelo de Segurança Pública estadunidense, como veremos mais à frente.
Policiamento nas universidades: comparativo BRA-EUA
Antes, porém, gostaríamos de fazer mais uma diferenciação entre as formas brasileira e estadunidense de fazer Segurança Pública, concernente, agora, às universidades.
Nos EUA, grande parte das universidades, tanto as públicas como as privadas, tem um University Police Department próprio, cuja direção cabe à administração da instituição. Semelhantes aos PDs de condados e municipalidades (independentes e atuantes em um ciclo completo de policiamento), costumam contar com agentes fardados e equipados com armamento letal, bem como com viaturas caracterizadas e adaptadas para servirem às atividades de policiamento.
No Brasil, cada universidade pública vem a estruturar de um jeito como que único seu corpo “policial”, dentro das normativas expedidas pelo Ministério da Educação no âmbito da Segurança Universitária Federal, seja por meio de servidores técnico-administrativos selecionados por concurso, seja por terceirização, esta última sendo a modalidade mais comum nos últimos anos.
Nesse sentido, tais corporações não são consideradas forças de Segurança Pública de fato, não estando previstas como tal no arcabouço jurídico brasileiro hodierno — ou seja, não são “polícias universitárias”. Além disso, seus agentes não costumam portar armas letais nem utilizar uniformes táticos, e seus poucos veículos não estão preparados para levar adiante operações policiais minimamente mais exigentes. Suas atribuições vão desde patrulhamento dos campi e escolta cerimonial de autoridades até registro de ocorrências e encaminhamento de vítimas/flagrantes à PF ou à PC, conforme o caso, tendo, pois, apenas função administrativa (mesmo assim, de forma bastante limitada).
As universidades privadas brasileiras contam apenas com a possibilidade de recorrer aos serviços de empresas provedoras de segurança patrimonial, sendo raro, no entanto, que elas efetivamente contratem esses serviços.
Rompendo as mistificações: problemas do modelo estadunidense
Como vimos, não raro vêm a ser sobrevalorizadas, no debate público brasileiro, as formas estadunidenses de fazer Segurança Pública. Desconsideram-se, assim, as suas problemáticas, decorrentes tanto do modelo de ciclo completo de policiamento lá em voga, como do papel mesmo da polícia dos EUA, inserida em um sistema de justiça criminal específico, além de outros pontos, como seu modelo de policiamento universitário.
De fato, nos EUA, porque, de um lado, há uma maior interdependência entre os trabalhos policial-judiciário e acusatório, e, de outro, uma deficiente atividade investigativa, devido à concentração de ambas as funções em uma mesma corporação — o que vêm a obstaculizar a produção de material probatório suficiente para o convencimento de um grand jury4, por exemplo, ou mesmo para que se consiga levar um processo até a condenação inicialmente pensada pela Promotoria —, muitas rusgas se sobressaem entre o Ministério Público e a polícia estadunidenses. Disso advêm riscos de contaminação pseudo-política dos processos, de aumento de casos de abuso do uso da força e de atuação ilegal por parte da polícia, de racha e consequente paralisia institucional etc..
Nesse ínterim, o Ministério Público, primeiramente, que considera que, conforme William F. McDonald, no artigo “As relações entre o Ministério Público e a Polícia nos Estados Unidos (2011), “a polícia muitas vezes é demasiadamente orientada para a realização de detenções e excessivamente disposta a achar que seu trabalho acaba quando uma prisão é feita”, reclamando igualmente do treinamento dos agentes, vem a recorrer, por exemplo, à “proibição” da prática de transação penal, para “forçar” um melhor trabalho por parte dos investigadores.
Nos EUA, a transação penal pode se dar durante a fase das negociações, que antecede o julgamento, e consiste na confissão de culpabilidade em algum grau, pelo réu, para se logre uma pena mais branda, em um acordo entre acusação e defesa. Segundo Paul Marcus, no artigo “Sistema da Justiça Criminal nos Estados Unidos da América Uma Visāo Resumida” (1997), bem mais do que a metade dos processos criminais do sistema judiciário estadunidense é finalizada por meio dela, conhecida localmente como plea bargaining, em inglês.
A “proibição” da prática de transação penal pela promotoria, nesse sentido, “justifica-se”, porque restariam, então, apenas as opções de arquivar a investigação ou de oferecer denúncia, isso é, seria um jogo de “oito ou oitenta”, em que ou se consegue o suficiente para se levar o réu a juízo e vencer, ou se descartará o caso e não se punirá um criminoso, pelo que a polícia ver-se-ia coagida a se dedicar mais à investigação. Não é algo positivo, porém, por óbvio, desde uma perspectiva normativa, que um dispositivo legal haja de ser posto em suspensão por pressão de uma instituição de Estado, para que outra instituição de Estado venha a atuar tal como deveria, desde o princípio, uma vez posta contra a parede — o que nos dá mostra das problemáticas intrínsecas ao sistema de justiça criminal estadunidense.
Quanto às corporações policiais estadunidenses, segundo McDonald, essas vêm a criticar os promotores por seu suposto distanciamento da realidade das ruas e aversão à absolvição, que os faz “aceitar apenas os casos mais fortes do ponto de vista probatório, nos quais há grandes chances de condenação, estando também propensos demais a propor uma transação penal, a arquivar ou rejeitar outros inquéritos”, apenas para não saírem como que perdendo, em vez de intentarem penalizar, de fato, os criminosos, ao máximo, como for possível
Caso houvesse repartição das funções de polícia entre duas corporações distintas, adotando-se o ciclo incompleto de policiamento, poder-se-ia alegar, tais conflitos talvez deixassem de existir, pois se poderia lograr uma maior profissionalização dos patrulheiros e dos investigadores, uma vez pertencentes a carreiras distintas5. Por outro lado, pode-se opor, talvez se perdesse em celeridade procedimental, pois haveriam mais órgãos operando no sistema criminal, além de se fazer maior a possibilidade de se deixar passarem detalhes de ocorrências, pois aqueles que as atendem necessariamente não serão mais aqueles que as investigam (argumentos pró-modelo de ciclo completo de policiamento) etc..
Enfim, quanto às universidades, o fato de a maioria dos campi estadunidenses conviver com policiais armados, patrulhando-os, torna rotina as notificações ou denúncias de casos de abuso do uso da força por parte da polícia contra alunos e professores, sobretudo, em reação a protestos (vide movimentos pró-palestina de 2024). Tratando-se de espaços de formação de jovens, circulação de ideias, convivência etc., a naturalização dessas ocorrências é ainda mais grave, pois, para além da sua dimensão física (confrontos assimétricos, prisões etc.), não podemos minimizar seus efeitos adversos e deletérios sobre a função primeira de instigadora sócio-político-intelectual que as universidades têm (e devem ter).
De fato, a militarização das polícias universitárias estadunidenses é um tema bastante quente no debate público doméstico. Em relação a esse ponto, também há, no Brasil, aqueles que acriticamente defendem sua cópia e reprodução em solo nacional, tal como é feito nos EUA, para acabar com as supostas vagabundagem e drogadição que permeiam (aparentemente, de forma exclusiva) os campi brasileiros…
Espero, com este informe nada exaustivo do tema, haver contribuído para os estudos sobre EUA, bem como para os debates sobre Segurança Pública, ao apresentar as formas estadunidenses de fazer Segurança Pública, comparando-as com as brasileiras e problematizando-as, particularmente, quanto aos níveis de jurisdição policial, ao modelo de ciclo de policiamento e ao modo de se policiar as universidades.
Note-se que o nível local de policiamento, presente no sistema de justiça criminal estadunidense, cuja importação, para o Brasil, é tão defendida, na forma da transformação das guardas municipais em “polícias municipais”, não foi aqui discutida porque não nos parece um tópico em que haja o que se apontar, por conta dos níveis de jurisdição per se, de “problemas”, em quaisquer dos países. Além disso, na prática vem a ser bastante semelhante a atuação das polícias estaduais brasileiras, sobretudo as militares, em relação àquelas municipais estadunidenses, estando ambas bastante próximas da suas respectivas populações — “próximas” em um sentido apenas objetivo, sublinho, sem qualquer carga normativa — no policiamento ostensivo. Talvez procedendo-se a uma comparação de fundo quantitativo do tema obtenha-se outra conclusão, quanto à taxa, por exemplo, de atendimento de ocorrências, porém, no momento, a partir de uma análise eminentemente qualitativa, esta é nossa percepção.
* Este texto não reflete necessariamente as opiniões do Boletim Lua Nova ou do CEDEC. Gosta do nosso trabalho? Apoie o Boletim Lua Nova!
Referência imagética: Soldados do Exército dos EUA do 769º Batalhão de Engenharia de Brigada (BEB) da Guarda Nacional de Louisiana coordenam ações com policiais do Departamento de Polícia Metropolitana de Washington, D.C., após responderem a um tiroteio perto do National Mall, em Washington, D.C., em 10 out. 2025 (Crédito: Guarda Nacional do Exército dos EUA/Sargento de 1ª Classe William Frye. Fonte: DVIDS).
- João Gaspar é graduando em Relações Internacionais na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e bolsista de Iniciação Científica do CNPq. Contato: joaogkg@hotmail.com. ↩︎


