Murilo Calafati Pradella[1]
Como apresentado na primeira parte deste texto, o voto obrigatório se configura como uma constante ao longo de praticamente toda história brasileira, em especial em seu período republicano. No entanto, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), projetos e demandas que visam a instituição do voto facultativo no Brasil vêm aumentando. Além disso, nas disputas eleitorais de 2018, cerca de 20,3% dos eleitores não participaram (TSE). Sendo assim, a pergunta que se coloca é: qual seria o perfil do eleitorado brasileiro caso esse pudesse escolher se iria às urnas ou não? Anteriormente, foram analisados dados referentes a sexo, idade e escolaridade, e quais seus impactos no comportamento eleitoral dos cidadãos. Nessa segunda etapa, as variáveis a serem observadas são diferença regional, religião, etnia, renda e interesse por política.
Diferença regional, por religião, etnia e renda
Quanto à variável regional, de forma surpreendente, nota-se que a região Sudeste não tem um efeito positivo sobre a participação quando comparado à região Nordeste. Na realidade, a região tem um coeficiente negativo e estatisticamente não significativo. Por ser a região considerada como mais moderna e desenvolvida do país esperava-se justamente a relação contrária, ou seja, que os eleitores residentes do Sudeste fossem justamente os que tivessem a maior probabilidade de participação. Como podemos notar na tabela 7, a região Sul é a que apresenta o maior índice de indivíduos propensos a participarem caso o voto não seja obrigatório, com aproximadamente 44,84% de participantes, seguido pela região Nordeste, com 43,4%, Centro-oeste com 41,67% , Sudeste com 39,31% e Norte com 36,08%.
Tabela 7 -Voto facultativo por região
Voto Facultativo | Nordeste | Norte | Sudeste | Sul | Centro Oeste | Total |
Não votaria | 360 56.60 | 124 63.92 | 647 60.69 | 203 55.16 | 112 58.33 | 1.446 58.88 |
Votaria | 276 43.40 | 70 36.08 | 419 39.31 | 165 44.84 | 80 41.67 | 1.010 41.12 |
Total | 636 100.00 | 194 100.00 | 1.066 100.00 | 368 100.00 | 192 100.00 | 2.456 100.00 |
Cramér’s V = 0.0533
FONTE: Dados do autor, com base no ESEB 2018
A tabela 8 confirma a tendência de que a região não possui um efeito positivo para a participação. Ao analisarmos o que de fato ocorreu em 2018, as regiões com menores índices de desenvolvimento foram as que mais participaram, 90% o nordeste e 88% o norte, contrariando o que se esperava, uma vez que os residentes da região mais desenvolvida economicamente tendem a ser sistematicamente menos participativos do que indivíduos de outras regiões, o que acaba por abrir portas para novas perspectivas de análises sobre este dado fenômeno. A religiosidade não se mostrou uma variável relevante para explicar a participação eleitoral, uma vez que a diferença entre as duas com maior número de fiéis, a Católica e Evangélica, apresentou uma baixa intensidade.
Tabela 8 – Voto declarado por região
Declaração do voto | Nordeste | Norte | Sudeste | Sul | Centro Oeste | Total |
Não votou | 64 9.95 | 22 11.34 | 266 24.43 | 78 20.63 | 49 25.93 | 479 19.21 |
Votou | 579 90.05 | 172 88.66 | 823 75.57 | 300 79.37 | 140 74.07 | 2.014 80.79 |
Total | 643 100.00 | 194 100.00 | 1.089 100.00 | 378 100.00 | 189 100.00 | 2.493 100.00 |
Cramér’s V = 0.1655
FONTE: Dados do autor, com base no ESEB 2018
A tabela 9 mostra que a diferença entre Católicos e evangélicos, é de aproximadamente 2% nos níveis de participação, um número estatisticamente pequeno para justificar algum índice de impacto da religião sobre o comportamento. Esta tendência, da religião não ser de fato fator determinante para a participação se confirma na tabela 10, na qual de maneira percentual a norma do voto obrigatório não foi responsável por minimizar supostas diferenças; pelo contrário, em certa medida até aumentou, uma vez que a diferença entre as duas religiões saiu de algo na casa dos 2% e passou para um número próximo a 4%.
Tabela 9 – Voto facultativo por religião
Voto Facultativo | Católico | Evangélico | Sem Religião | Outros | Total |
Não Votaria | 711 57.38 | 463 59.13 | 133 66.83 | 127 59.07 | 1.434 58.87 |
Votaria | 528 42.62 | 320 40.87 | 66 33.17 | 88 40.93 | 1.002 41.13 |
Total | 1.239 100.00 | 783 100.00 | 199 100.00 | 215 100.00′ | 2.436 100.00 |
Cramér’s V = 0.0511
FONTE: Dados do autor, com base no ESEB 2018
Tabela 10 – Voto declarado por religião
Declaração do voto | Católico | Evangélico | Sem Religião | Outros | Total |
Não Votou | 218 17.36 | 168 21.13 | 50 24.51 | 41 18.89 | 477 19.30 |
Votou | 1.038 82.64 | 627 78.87 | 154 75.49 | 176 81.11 | 1.995 80.70 |
Total | 1.256 100.00 | 795 100.00 | 204 100.00 | 217 100.00 | 2.472 100.00 |
Cramér’s V = 0.0581
FONTE: Dados do autor, com base no ESEB 2018
Além disso, a etnia não impactou e se mostrou sem efeito quanto aos índices de participação declarada e hipotética nas eleições. Nas tabelas 11 e 12 foram testados os efeitos que a etnia do indivíduo poderia exercer sobre o seu comportamento eleitoral. Na tabela 11, referente ao voto facultativo, podemos notar que as diferenças não se apresentam de forma muito significativa. Se analisarmos a maior disparidade, entre Pretos e Brancos, podemos perceber que a diferença chega a apenas 4%. Em um cenário em que o voto fosse facultativo aos cidadãos, cerca de 43% dos brancos iriam às urnas, enquanto 39% dos pretos iriam participar.
TABELA 11 – Voto facultativo por etnia
Voto Facultativo | Preto | Pardo | Branco | Outros | Total |
Não Votaria | 222 60.33 | 691 60.83 | 423 56.25 | 110 55.00 | 1.446 58.88 |
Votaria | 146 39.67 | 445 39.17 | 329 43.75 | 90 45.00 | 1.010 41.12 |
Total | 368 100.00 | 1.136 100.00 | 752 100.00 | 200 100.00 | 2.456 100.00 |
Cramér’s V = 0.0473
FONTE: Dados do autor, com base no ESEB 2018
Em consonância ao que vimos na tabela 11, a tabela 12 apresenta dados que evidenciam uma discrepância pequena na participação efetivamente declarada em 2018. Enquanto naquele pleito cerca de 75% dos negros votaram, aproximadamente 79% das pessoas brancas também participaram. Ou seja, a diferença se manteve próxima a 4%. Lendo as duas tabelas em conjunto, podemos perceber que de fato não foi a instauração da norma que manteve a proximidade percentual de participação entre os dois distintos grupos.
TABELA 12 – Voto declarado por etnia
Declaração do voto | Preto | Pardo | Branco | Outros | Total |
Não Votou | 90 24.13 | 190 16.61 | 159 20.60 | 40 19.61 | 479 19.21 |
Votou | 283 75.87 | 954 83.39 | 613 79.40 | 164 80.39 | 2.014 80.79 |
Total | 373 100.00 | 1.144 100.00 | 772 100.00 | 204 100.00 | 2.439 100.00 |
Cramér’s V = 0.0687
FONTE: Dados do autor, com base no ESEB 2018
Por outro lado, pode-se notar um efeito significativo e impactante em duas principais variáveis: uma de ordem atitudinal, o interesse por política, como já havia apontado Jairo Nicolau (2022); e outra de ordem estrutural e social, a renda. Isto é, ter uma renda alta e ser interessado por política apresentam-se como as variáveis que mais aumentam as chances do comparecimento eleitoral em cenários em que o voto hipoteticamente se configura como facultativo.
Entre aqueles indivíduos que ganham menos, até um salário mínimo, e aqueles mais bem remunerados, 5 salários mínimos ou mais, há mais de 20% de chance dos mais bem pagos irem às urnas do que aqueles em estratos inferiores. Já em cenários de voto compulsório, essa diferença é inexistente, evidenciando mais uma vez o impacto que a norma possui para a participação eleitoral dos brasileiros.
Tabela 13 – Voto facultativo por renda
Voto Facultativo | Até 1 SM | De 1 a 2 SM | De 3 a 4 SM | 5 ou mais SM | Total |
Não Votaria | 339 63.72 | 411 61.07 | 453 57.71 | 102 42.68 | 1.305 58.55 |
Votaria | 193 36.26 | 262 38.93 | 332 42.29 | 137 57.32 | 924 41.45 |
Total | 532 100.00 | 673 100.00 | 785 100.00 | 293 100.00 | 2.229 100.00 |
Cramér’s V = 0.1211
FONTE: Dados do autor, com base no ESEB 2018
Tabela 14 – Voto declarado por renda
Declaração do voto | Até 1 SM | De 1 a 2 SM | De 3 a 4 SM | 5 ou mais SM | Total |
Não Votou | 97 18.23 | 135 19.71 | 152 19.10 | 44 18.26 | 428 18.99 |
Votou | 435 81.77 | 550 80.29 | 644 80.90 | 197 81.74 | 1826 81.01 |
Total | 532 100.00 | 685 100.00 | 796 100.00 | 241 100.00 | 2.254 100.00 |
Cramér’s V = 0.0152
FONTE: Dados do autor, com base no ESEB 2018
Quando se trata da variável interesse por política, as discrepâncias são ainda maiores. De fato esta se configura como a variável de maior significância e impacto referente à atitude individual de ir ou não às urnas em dias de votação. Caso o voto fosse facultativo no Brasil em 2018, cerca de 31% daqueles que não se interessam por política votariam e aproximadamente 63% dos interessados iriam às urnas, uma diferença de mais de 30%. Já no cenário concreto de voto obrigatório em 2018, a diferença foi de aproximadamente 10% na declaração de participação dos cidadãos.
Tabela 15 – Voto facultativo por interesse por política
Voto Facultativo | Nada/Pouco interessado | Inter/Muito interessado | Total |
Não Votaria | 1.164 68.79 | 270 36.64 | 1434 59.09 |
Votaria | 528 31.21 | 467 63.36 | 995 40.96 |
Total | 1692 100.00 | 737 100.00 | 2.429 100.00 |
Cramér’s V = 0.3006
FONTE: Dados do autor, com base no ESEB 2018
Tabela 16 – Declaração do voto por interesse por política
Declaração do voto | Nada/Pouco interessado | Inter/Muito interessado | Total |
Não Votou | 370 21.56 | 99 13.24 | 469 19.03 |
Votou | 1.346 78.44 | 649 86.76 | 1.995 80.97 |
Total | 1.716 100.00 | 748 100.00 | 2.464 100.00 |
Cramér’s V = 0.0975
FONTE: Dados do autor, com base no ESEB 2018
O que diz a regressão dessas variáveis?
Quando partimos para a análise de dados por meio da regressão, vemos que, assim como anteriormente, em cenários facultativos homens tenderiam a ter mais propensão a irem às urnas do que mulheres, porém a norma do voto obrigatório no Brasil apresenta um efeito moderado e acaba por equalizar índices de participações discrepantes. O mesmo acontece com a faixa etária, na qual os mais velhos tenderiam a participar mais ativamente do que os mais novos, e a escolaridade, na qual quanto maior o índice de escolaridade de um indivíduo, maiores serão suas propensões a participar dos pleitos.
A regressão confirma que a variável regional não possui um impacto determinante na participação individual, confirmando que a região Sudeste, por exemplo, possui um coeficiente estatisticamente não significativo. Sendo assim, interpretar tais resultados é um desafio que exige mais pesquisas empíricas. Cabe lembrar que o efeito observado considera o controle de variáveis socioeconômicas, como a própria renda ou a escolaridade. É possível, portanto, que exista algum efeito de ordem cultural, ou mesmo de ordem estrutural, que afete a forma como paulistas, cariocas, mineiros e capixabas se comportam diante da decisão de votar ou não. A religiosidade pouco impacta na decisão de ir ou não votar nos diferentes cenários., No caso estudado, o catolicismo foi usado como parâmetro de comparação com a religião evangélica, uma vez que essa ainda é a religião de maior penetração no país, no entanto o efeito da religiosidade sobre a participação foi mínima, pouco importando se determinado indivíduo é Católico ou Evangélico.
Nesta linha, o modelo 02 da regressão logística utilizada colabora para análise de que as variáveis de interesse por política e de renda apresentam um efeito forte e impactante da norma do voto obrigatório no país. A regressão logística é uma técnica recomendada para situações em que a variável dependente é de natureza dicotômica ou binária, já às independentes, tanto podem ser categóricas ou não. Este modelo é um recurso que nos permite estimar a probabilidade associada à ocorrência de determinado evento em face de um conjunto de variáveis explanatórias que se concentra em estimar a probabilidade da variável dependente assumir um determinado valor em função dos conhecidos valores de outras variáveis. Seus resultados variam no intervalo de zero a um.
Dessa forma, ao olharmos para a variável “interesse por política”, podemos notar que aquele indivíduo interessado no assunto tenderia a ir votar 37,2% mais vezes do que aquele que se interessa pouco pela temática em cenários nos quais o voto não fosse obrigatório. Esse número despenca para 17,4% em um cenário de voto obrigatório como o das eleições de 2018 no Brasil. A variável de renda apresenta o mesmo comportamento estatístico, como podemos observar nas tabelas a seguir, em um cenário de voto facultativo, quanto maior a renda de um indivíduo maiores serão suas propensões a irem às urnas, mais especificamente 16,7%. Porém, ao serem analisados os números apresentados pelo cenário de 2018, esse número cai para 11,5% evidenciando mais uma vez o efeito impactante que a norma do voto obrigatório tem para a participação individual dos brasileiros.
A pesquisa tinha como principal intenção determinar qual seria o perfil do brasileiro que iria às urnas caso o voto fosse facultativo em 2018. Dessa forma, demonstramos que algumas variáveis sociológicas clássicas e estruturais sobre a desigualdade eleitoral não se confirmam. Variáveis como etnia, região demográfica e religião não apresentam efeitos impactantes para a decisão individual de ir ou não votar. Ou seja, em cenários facultativos, tais variáveis seriam pouco explicativas para índices de participação ou não participação individual.
Além disso, variáveis como sexo, idade e escolaridade apresentaram um efeito moderado, isto é, de alguma forma impactam na decisão de participar, no entanto apresentam-se com índices estatisticamente pouco relevantes, isto é, com diferenças pouco impactantes sobre o processo de tomada de decisão. Já as variáveis de interesse por política e de renda sem dúvida apresentam-se como centrais e determinantes com claros efeitos fortes sobre a decisão de participação eleitoral individual. Ambas as variáveis apresentam-se como decisivas para explicar a diferença de participação entre os eleitores. Sendo assim podemos concluir que, caso o voto não fosse obrigatório para os brasileiros em 2018, quem iria participar ativamente do processo de escolha seriam aqueles indivíduos que se interessam por política e que possuem uma renda mais elevada.
*Este texto não expressa necessariamente as opiniões do Boletim Lua Nova ou do CEDEC.
[1] Mestrando em Ciência Política na Universidade Federal de São Carlos (Ufscar/PPGPOL). E-mail: mucpradella@gmail.com.
Fonte Imagética: Fonte: Você conhece a história do voto no Brasil? Veja nossa linha do tempo (União Brasileira de Estudantes Secundaristas/UBES). Disponível em <https://ubes.org.br/2018/voce-conhece-a-historia-do-voto-no-brasil-veja-nossa-linha-do-tempo/>. Acesso em 16 mar 2023.