Equipe do Boletim Lua Nova
20 de dezembro de 2024
O encerramento de mais um ano nos convida a refletir sobre os caminhos percorridos e os debates travados ao longo de 2024. Este foi um período de intensas reflexões, marcado por eventos que desafiaram nossos entendimentos sobre democracia, justiça, o papel do Brasil no cenário global e as múltiplas crises do cenário internacional. No Boletim Lua Nova, essa jornada traduziu-se em 114 textos que exploraram temas variados, como os dilemas do G-20 sob a liderança brasileira, eleições municipais, conflitos na sociedade brasileira e internacional, entre outros. Embora não seja viável abordar cada uma dessas publicações em uma única retrospectiva, buscamos aqui oferecer uma visão geral dos assuntos que definiram nosso trabalho, celebrando o que construímos e o compromisso que nos orienta: pensar criticamente o presente para reimaginar o futuro.
O Boletim Lua Nova é, sobretudo, um espaço em que trajetórias acadêmicas diversas e perspectivas plurais se interseccionam. Aqui, textos de graduandas/os e pós-graduandas/os — que trazem o frescor das pesquisas em andamento — confluem com reflexões de pesquisadoras/es com carreiras consolidadas. Essa combinação gera uma dinâmica rica, capaz de apresentar uma ampla variedade de temas, abordagens teóricas, métodos e estilos. Celebramos essa pluralidade como uma demonstração do conhecimento acadêmico em sua forma mais viva e transformadora, atravessando diferentes estágios e experiências de quem o produz.
Essa pluralidade de vozes e abordagens ficou evidente ao longo de 2024, permeando as análises e reflexões publicadas no Boletim Lua Nova. De questões relacionadas à política nacional e internacional a debates sobre cultura e teoria política, cada texto refletiu, por um lado, o compromisso de articular diferentes perspectivas acadêmicas para compreender os desafios de nosso tempo e, por outro, apresentar amostras de pesquisas originais e relevantes que estão em desenvolvimento. A seguir, revisitamos algumas publicações dos principais temas que marcaram esse ano.
Política Nacional
Em 2024, o Brasil rememorou os 60 anos do golpe militar de 1964, e o Boletim Lua Nova dedicou uma série especial para refletir sobre esse marco histórico e suas consequências. Os artigos abordaram temas como a promoção de uma política de esquecimento em relação ao período ditatorial, a reabilitação dos presos políticos durante a ditadura, o papel da Anistia Internacional no combate à tortura praticada pelo regime militar, e o legado da Comissão Nacional da Verdade no Brasil. Além disso, foi analisada a persistência da impunidade em relação aos crimes cometidos pelos militares ao longo dessas seis décadas e seus impactos na democracia brasileira.
As eleições municipais também foram um momento central. Mais de 150 milhões de eleitores/as foram às urnas para escolher prefeitos/as e vereadores/as em 5.570 municípios. O Boletim Lua Nova buscou acompanhar esse processo democrático, com diversas contribuições sobre diferentes aspectos das eleições em sete capitais de diferentes regiões do país. Assim, por exemplo, foram abordados temas como o retorno da política tradicional frente à antipolítica em Curitiba; a divisão do eleitorado e a excepcional dificuldade de um incumbente em se reeleger em Goiânia; a maneira como a agenda de direitos (contemplando assistência social, direitos humanos e das minorias e meio ambiente) compareceu nas campanhas a prefeito/a do Rio de Janeiro; a desigualdade política das mulheres na disputa em Manaus e a subrepresentação de grupos de grupos historicamente marginalizados em São Paulo; e a polarização familiarista observada nas cidades de Belo Horizonte (MG) e José da Penha (RN), exemplo de como dinâmicas familiares desempenham um papel significativo em disputas políticas subnacionais. Ao final da série foi feito um balanço sobre os desafios da reeleição, indo além das emendas parlamentares e examinando fatores determinantes para a continuidade de mandatos.
Outras questões centrais da política nacional foram abordadas pelos textos do Boletim Lua Nova. Um dos artigos destacou como a violência política de gênero afeta a trajetória de mulheres em posições de destaque, evidenciando os desafios enfrentados por elas no cenário político brasileiro. Outro texto revisitou os protestos de junho de 2013 à luz do pensamento de Clóvis Moura, proporcionando uma compreensão crítica das manifestações e suas implicações para o futuro político do país. Além disso, foram analisadas mudanças na politização da burocracia federal entre 1999 e 2021, bem como as prioridades de atuação do Ministério Público nas últimas décadas.
Política Internacional
Em 2024, o Brasil sediou a Cúpula do G20 nos dias 18 e 19 de novembro, no Rio de Janeiro, reunindo líderes das principais economias mundiais para discutir temas cruciais da agenda global. Nesse contexto, o Boletim Lua Nova, em colaboração com o Grupo de Reflexão G20 no Brasil do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília, apresentou uma série especial de análises aprofundadas sobre os principais desafios e oportunidades enfrentados pelo Brasil durante sua presidência do G20. Foram 19 artigos que abordaram, entre outros assuntos, a criação da Aliança Global de Biocombustíveis, destacando o papel do Brasil na promoção de energias renováveis; o financiamento sustentável para a Amazônia, enfatizando a necessidade de recursos internacionais para a conservação; e a contabilidade de carbono e a descarbonização, analisando as implicações dos biocombustíveis para o Brasil e o G20. Além disso, a série examinou a importância de uma perspectiva territorial nas agendas urbanas do G20; refletiu sobre o trabalho no contexto do neoliberalismo ultra-tardio e as políticas financeiras do grupo; e avaliou a governança global frente à crise climática sob a liderança brasileira.
Cultura e Política
O centenário de nascimento de James Baldwin, celebrado neste ano, trouxe a oportunidade de revisitar a obra e o impacto desse que é um dos maiores escritores e ativistas dos Estados Unidos. Nascido no Harlem, em Nova York, Baldwin destacou-se por sua habilidade única em expor, com profundidade e sensibilidade, questões raciais, sociais e sexuais em seus romances, ensaios e contos. Autor de obras marcantes como Go Tell It on the Mountain e Giovanni’s Room, Baldwin também foi uma voz central nos movimentos por direitos civis, confrontando as estruturas de opressão racial em seus textos e discursos. Em celebração ao seu legado, o Boletim Lua Nova publicou uma série especial, incluindo uma análise de “The Evidence of Things Not Seen“, que examina os assassinatos de crianças negras em Atlanta entre 1979 e 1981, e um estudo sobre o conto “Going to Meet the Man“, que aborda o trauma da violência racial. Essas reflexões reafirmam a atualidade de Baldwin e sua importância nos debates contemporâneos sobre igualdade e justiça social.
Além de celebrar artistas internacionais, publicações do Boletim Lua Nova dedicaram-se a pensar as relações entre cultura e política no contexto brasileiro. Um dos artigos examinou como o samba, durante o regime militar, refletiu e resistiu às estruturas racistas no Brasil, destacando a importância de pesquisadores negros na compreensão dessa história. Outro texto abordou a luta das mulheres indígenas contra invisibilidades e estereótipos, enfatizando a necessidade de uma comunicação decolonial que valorize suas narrativas e combata representações coloniais. Além disso, revisitou-se a obra de Oswald de Andrade, especialmente seus ensaios sobre a antropofagia, propondo uma leitura que combina teoria da história e pensamento político brasileiro para entender a temporalização dos conceitos no vocabulário oswaldiano e os compromissos ético-políticos derivados de sua interpretação da história universal e brasileira.
Oficinas e Eventos
O DesJus (Seminários de Pesquisa em Desigualdades e Justiça) é uma iniciativa do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) que promove debates e formações sobre temas centrais para a justiça social e a democracia. Em 2024, o DesJus organizou um Ciclo de Oficinas de Formação, abordando questões cruciais para o desenvolvimento urbano e social. O Boletim Lua Nova acompanhou de perto essas atividades, oferecendo relatos sobre cada encontro. Uma das oficinas discutiu “Segurança Alimentar, Cinturões Verdes e Resiliência Climática”, destacando a importância de políticas integradas para enfrentar desafios ambientais e garantir o acesso a alimentos saudáveis. Outra sessão focou na “Participação Social por uma Cidade mais Democrática: Desenhos e Desafios”, enfatizando a necessidade de fortalecer mecanismos participativos na gestão urbana. O tema “Orçamento Público e Combate às Desigualdades” também foi abordado, analisando como a alocação de recursos pode influenciar a redução das disparidades sociais. Além disso, as oficinas trataram da interseção entre justiça social, questão climática e habitacional, propondo uma agenda integrada para enfrentar esses desafios. Por fim, o ciclo de oficinas discutiu as eleições em São Paulo, buscando construir uma agenda para a cidade no contexto do Sul Global.
A divulgação dos debates acadêmicos por meio de relatos de eventos permanece como uma das práticas do Boletim Lua Nova. Entre os destaques está o lançamento do livro The British Conservative Party: Ideology and Citizenship, de Lenon Campos Maschette, que analisa a evolução ideológica do Partido Conservador britânico e suas implicações para a cidadania. Outro evento importante foi o lançamento de O Segundo Círculo: Centro e Periferia em Tempos de Guerra, organizado por André Singer, Bernardo Ricupero, Cícero Araújo e Fernando Rugitsky, que oferece reflexões sobre crises contemporâneas a partir de uma perspectiva histórica e filosófica. Por fim, mas não menos relevante, foi possível prestigiar os 50 anos do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Unicamp, enfatizando sua vocação heterodoxa e rebelde dentro do campo disciplinar brasileiro.
Teoria Política
Ao completar 50 anos da publicação de Anarquia, Estado e Utopia (1974), de Robert Nozick, o Boletim Lua Nova lançou uma série especial dedicada a essa obra seminal da filosofia política. Nozick, filósofo norte-americano e professor da Universidade Harvard, é reconhecido por sua defesa do libertarianismo e por suas contribuições em ética e epistemologia. A série explorou a evolução intelectual de Nozick, destacando como ele revisitou e, em alguns casos, reformulou suas posições originais ao longo de sua carreira. Além disso, analisou as convergências e divergências entre as teorias de Nozick e Friedrich Hayek, oferecendo uma compreensão mais profunda dos alicerces do pensamento libertário contemporâneo.
A teoria política foi amplamente contemplada ao longo de 2024, com publicações e especiais que revisitaram obras, pensadores clássicos e abordagens contemporâneas. Um dos textos analisou a contribuição de Raymond Aron, destacando como ele recusou soluções simplistas do livre mercado, buscando um liberalismo político que equilibrasse liberdade individual e justiça social. Além disso, foram publicados dois especiais em comemoração ao centenário de obras clássicas neste ano de 2024. O primeiro a respeito da Teoria Geral do Direito e Marxismo, de Evguiéni Pachukanis, em que os autores e autora buscaram avaliar o legado teórico, as influências e as formas de ler o autor. Outro especial celebrou o centenário da obra A Ideia de Razão de Estado na História Moderna, de Friedrich Meinecke, refletindo sobre o impacto desse clássico na compreensão do conceito na teoria política contemporânea e da relação entre poder e moralidade na política moderna. Por fim, um artigo comparou as perspectivas de Trotsky e Adorno sobre democracia, destacando as tensões e potencialidades de suas visões críticas em momentos históricos distintos.
Entrevistas
As entrevistas publicadas pelo Boletim Lua Nova em 2024 destacaram importantes reflexões sobre cultura, política e sociedade no Brasil. Na conversa com Ivo Paulino Soares, discutiu-se o papel das fundações culturais no país, enfatizando como essas instituições podem contribuir para a democratização do acesso à cultura e para a valorização das produções locais. Já a entrevista com Vanessa Oliveira, professora de Jornalismo na PUC-SP e no Mackenzie, teve como tema Cuba, os legados e limites da Revolução e a necessidade de superar abordagens superficiais e redutoras em se tratando do país caribenho. Por fim, na conversa com Douglas Barros, filósofo e ativista, foram abordados temas como a relação entre o pensamento crítico e as práticas de resistência, bem como os desafios colocados pela desigualdade e pelo racismo estrutural.