André Scantimburgo1
4 de dezembro de 2025
Em parceria com o Observatório Político dos Estados Unidos (OPEU), o Boletim Lua Nova republica a análise do posicionamento do país em questões ambientais. O texto foi originalmente publicado em 24 de novembro de 2025, no site do OPEU.
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Em seu discurso na Assembleia Geral das Nações Unidas, em setembro de 2025, o presidente Donald Trump voltou a atacar a agenda climática global, reafirmando seu negacionismo em relação à mudança climática. Diante de chefes de Estado e de representantes de organizações internacionais, Trump classificou o Acordo de Paris como “a maior fraude já perpetrada no mundo”, além de declarar que os Estados Unidos não se submeteriam a políticas climáticas que, na sua opinião, destroem empregos e colocam em risco a soberania nacional.
Suas falas ecoaram o mesmo ceticismo que marcou sua primeira gestão, quando já havia dito que o aquecimento global era “um mito inventado pela China para prejudicar a economia americana”. O tom do discurso na ONU reafirmou a inflexão antiambiental do novo mandato, deixando clara uma posição política, na qual a questão climática é tratada como obstáculo geopolítico, e não como desafio civilizacional. Parece cada vez mais evidente que, ao rejeitar os fundamentos científicos do aquecimento global, Trump recoloca os Estados Unidos na posição de potência revisionista dentro da governança climática internacional e deixa explicito para o mundo o retorno de uma política energética centrada no expansionismo fóssil e na erosão das estruturas multilaterais de cooperação ambiental.
Medidas negacionistas de Trump 2.0
Logo após reassumir a Presidência, o governo Trump 2.0 traduziu o seu discurso negacionista em um conjunto de medidas executivas e administrativas que tem por objetivo desmantelar a arquitetura normativa e financeira criada para promover a reconversão energética nos Estados Unidos. Em 20 de janeiro de 2025, foi publicada a Ordem Executiva 14.162, intitulada “Colocando os Estados Unidos em Primeiro Lugar nos Acordos Ambientais Internacionais”, que formalizou a retirada dos EUA do Acordo de Paris e estabeleceu como política administrativa priorizar interesses econômicos nacionais em acordos ambientais internacionais. Na seção 3, letra e, afirma a OE: “O Plano Internacional de Financiamento Climático dos EUA é revogado e rescindido imediatamente. O Diretor do Escritório de Gestão e Orçamento deverá, no prazo de 10 dias a partir desta ordem, emitir orientações para a rescisão de todos os fundos congelados”.
Em seguida, por meio da OE 14.148, Trump promoveu a revogação em massa de diversas ordens e memorandos da administração anterior, incluindo instrumentos que davam sustentação a políticas de mitigação e adaptação climática, interrompendo a continuidade regulatória necessária para projetos de energia limpa, sobretudo, aquelas estabelecidas pelo Green New Deal.
Simultaneamente, o Executivo declarou a emergência energética nacional, instrumento usado para acelerar autorizações e simplificar licenças de infraestrutura voltada a petróleo, gás e carvão, sinalizando prioridade à expansão do setor fóssil em detrimento de investimentos em renováveis. No plano operacional-financeiro, o Departamento de Energia (DOE) procedeu à revisão e terminação de centenas de subsídios e auxílios financeiros destinados a projetos de armazenamento, hidrogênio verde e outras tecnologias limpas, cancelamentos que, segundo o próprio órgão, resultaram na “economia de bilhões de dólares do orçamento federal”.
Os principais projetos afetados estavam sendo desenvolvidos nos seguintes estados: Califórnia, Colorado, Connecticut, Delaware, Havaí, Illinois, Maryland, Massachusetts, Minnesota, New Hampshire, Nova Jersey, Novo México, Nova York, Oregon, Vermont e Washington, todos governados por democratas. No estado da Califórnia, por exemplo, o projeto offshore de energia eólica denominado Energia Eólica Offshore da Baía de Humboldt, já em avançado processo de execução, teve US$ 427 milhões em apoio federal retirados pela administração Trump. De acordo com informações da Bloomberg, somente no primeiro semestre de 2025, o setor privado diminuiu seus investimentos em projetos de energia limpa nos Estados Unidos em cerca de US$ 22 bilhões, principalmente, devido à reversão dos incentivos fiscais para projetos verdes que foram estabelecidos por Biden. Segundo a agência, mais de 16.000 projetos de energia sustentável foram abandonados, e mais de 5.000 pessoas ficaram desempregadas no setor.
No âmbito regulatório-científico, o governo Trump tem atuado para submeter à reavaliação a determinação de risco ambiental da Agência de Proteção Ambiental (EPA, na sigla em inglês). No caso, são medidas que removem ferramentas técnicas essenciais para valorar economicamente as emissões e para justificar normas de controle de gases de efeito estufa. A EPA anunciou, inclusive, o encerramento do seu escritório de justiça ambiental e direitos civis externos e colocou em licença administrativa dezenas de funcionários envolvidos em iniciativas de justiça ambiental, diminuindo a capacidade institucional de implementação e de fiscalização de políticas que amparam a transição e a inclusão social na energia limpa.
As medidas citadas têm gerado efeitos econômicos imediatos e de médio prazo com capacidade para aumentar o risco regulatório para projetos de energia limpa, além de incentivar a realocação de capital em direção ao setor fóssil. Além de gerar perdas diretas de financiamento, a decisão do DOE de rescindir dezenas de projetos de conversão energética interrompeu cadeias de fornecimento e projetos que eram essenciais para escalonar armazenamento, hidrogênio e outras tecnologias limpas. Dentro da perspectiva negacionista do clima adotada, o governo Trump trata o tema como economia de recursos que estavam sendo gastos em “projetos que não atendiam às necessidades energéticas da população americana, não eram economicamente viáveis e não gerariam um retorno positivo sobre o investimento do dinheiro dos contribuintes”.
Ao mesmo tempo, a desarticulação das ferramentas técnicas que internalizam o custo das emissões – notadamente, o desmantelamento do Grupo de Trabalho Interagências e a retirada da consideração do Social Cost of Carbon das análises regulatórias – reduz a capacidade dos formuladores de políticas de justificarem, economicamente, medidas de mitigação. Isso enfraquece análises de custo-benefício que antes favoreceriam investimentos em baixa emissão. Do ponto de vista regulatório, a proposta e os atos formais de reconsiderar as determinações de risco ambiental da EPA, que fornece a base legal para regular emissões veiculares, criam incerteza jurídica estrutural. Sem esse fundamento, normas futuras de controle de emissões ficam mais frágeis, o que eleva o custo de capital de projetos renováveis que dependem de estabilidade normativa e de previsibilidade de mercado.
Essa combinação de cancelamentos de financiamento, reversões regulatórias e enfraquecimento de métricas econômicas também traz repercussões no comportamento dos investidores e do sistema financeiro. Relatórios de mercado e análises setoriais indicam uma redução de 36% em compromissos de investimento em energias renováveis nos Estados Unidos em 2025, recalibração de avaliações de risco por bancos e fundos, e movimentos de atores financeiros a favor de estratégias que valorizam ativos fósseis ou que buscam maior proteção contra risco político doméstico. É evidente a influência direta do capital fóssil sobre o desenho e a velocidade dessas medidas. Doações eleitorais, lobbying intenso e entrada de executivos do setor de petróleo em cargos-chave do governo sugerem que as decisões de política energética recentes beneficiam interesses estabelecidos da indústria petrolífera, de gás e carvão, ao ampliarem a percepção, entre investidores e formuladores, de que o ambiente regulatório dos EUA favorece o capital fóssil em detrimento do financiamento público e privado para a transição limpa.
Simbiose indústria-lobby-política na Casa Branca
O secretário de Energia nomeado por Trump é Chris Wright, ferrenho defensor dos combustíveis fósseis e fundador e CEO da Liberty Energy, uma empresa de serviços para campos petrolíferos em Denver. O secretário do Interior é o ex-governador da Dakota do Norte Doug Burgum, historicamente ligado ao setor de petróleo e gás, sendo uma das figuras mais próximas da indústria petrolífera nos Estados Unidos. Ele liderou um dos estados mais dependentes da exploração de petróleo e gás do país, o que o colocou em constante colaboração com grandes companhias do setor, como ExxonMobil, Hess e Continental Resources. Durante seu governo estadual, defendeu políticas de incentivo à perfuração e ao fraturamento hidráulico na região da Bacia de Bakken, argumentando que o petróleo era vital para o desenvolvimento econômico e a independência energética americana. Figura às vezes contraditória, Burgum já chegou a prometer que iria tornar o estado da Dakota do Norte um lugar neutro em carbono. De qualquer forma, sua nomeação por Trump reflete a inserção dos interesses de petróleo e gás no setor de energia, já que Burgum é visto como um aliado da indústria de combustíveis fósseis e um defensor da redução de regulações ambientais que afetam a produção de petróleo e gás.
Outra figura de destaque ligada ao petróleo é Francis R. Fannon, o primeiro secretário-assistente de Estado para recursos energéticos nos EUA, de maio de 2018 até janeiro de 2021, no primeiro governo Donald Trump, que voltou ao cargo na gestão atual. Antes disso, trabalhou em empresas ligadas ao setor energético, tendo sido diretor sênior na Murphy Oil, empresa de petróleo/gás, e líder de assuntos empresariais da BHP nos EUA. Em sua função no Departamento de Estado, Fannon coordenou políticas internacionais que tangenciam petróleo e gás, segurança energética e governança de recursos, inclusive lançando iniciativas como a de Governança de Recursos Energéticos (ERGI, na sigla em inglês).
Como se vê, por trás dessa arquitetura de retrocesso ambiental, observa-se uma forte influência do capital fóssil sobre a formulação de políticas públicas e regulatórias. Grandes empresas do setor, como ExxonMobil, Chevron, Koch Industries e Marathon Petroleum, intensificaram o lobby junto ao Congresso e à Casa Branca durante a transição presidencial e os primeiros meses do novo mandato, alcançando posições estratégicas em conselhos e secretarias de Energia e Meio Ambiente. Essa política reflete o alinhamento ideológico e financeiro entre a administração Trump e o complexo energético tradicional, que financia campanhas republicanas e sustenta o discurso da “independência energética” como pretexto para bloquear políticas de transição limpa. A convergência entre discurso político, financiamento corporativo e decisões administrativas indica um padrão de captura estatal pelo capital fóssil, no qual o Estado atua como instrumento de reprodução dos interesses de um setor específico, em detrimento da sustentabilidade econômica e ambiental de longo prazo.
Impacto internacional
Ao retirar os Estados Unidos, novamente, do Acordo de Paris e reduzir os compromissos de financiamento climático, Trump fragiliza um dos pilares do regime global, ou seja, a confiança na previsibilidade e na continuidade das contribuições dos EUA, tradicionalmente centrais para viabilizar fundos multilaterais de adaptação e mitigação em países em desenvolvimento. Na COP30, os Estados Unidos optaram por uma postura de abandono simbólico, ao não enviarem autoridades de alto escalão para Belém, o que demonstra o desinteresse oficial do governo Trump por acordos multilaterais ambientais. O secretário de Energia Chris Wright chegou a afirmar que a COP30 “é essencialmente uma farsa”. Uma das questões que ficam é sobre até que ponto essa postura tende a desincentivar compromissos adicionais de outros países do Norte Global, a ponto de criar um efeito dominó de retração diplomática e orçamentária em fundos como o Fundo verde para o Clima e o Fundo de Perdas e Danos.
Por um lado, a mudança de postura dos EUA também pode ampliar o espaço de competição geopolítica na arena ambiental. Ao abdicar da liderança climática exercida durante o governo Biden, os EUA permitem que atores, como União Europeia e China, imponham um maior protagonismo nas negociações e na definição de padrões tecnológicos da economia verde. Seria também o momento de o Brasil apresentar políticas de transição energética mais consistentes e aproveitar para articular alianças regionais para manter a agenda climática viva, mesmo diante do vácuo de liderança dos Estados Unidos.
Por outro, a adoção de uma postura abertamente antiambiental por parte dos Estados Unidos tem também grande potencial de enfraquecer a legitimidade do multilateralismo climático e desestimular novos compromissos financeiros para a transição energética global, especialmente em um momento em que o colapso climático exige ação coordenada e solidária.
A inflexão antiambiental promovida por Donald Trump revela mais do que uma simples divergência de orientação política, pois se trata de uma reconfiguração estratégica que expõe a tensão entre a preservação da hegemonia energética dos Estados Unidos e a transição sistêmica rumo à economia verde global. Ao buscar reafirmar o poder hegemônico dos EUA por meio da revalorização do petróleo, do gás e do carvão, setores nos quais o país mantém supremacia histórica, Trump reafirma um modelo de dominação energética baseado na extração e no controle de recursos fósseis. Esse movimento ocorre, porém, em um contexto de transição tecnológica global que redefine as bases materiais da hegemonia. Enquanto a China amplia investimentos em energia limpa e lidera cadeias produtivas de tecnologias renováveis, os Estados Unidos, ao retrocederem em suas políticas de inovação climática, correm o risco de comprometer sua centralidade na disputa tecnológica do século XXI.
Observando-se as estratégias ambientais do governo Trump, temos aqui uma contradição com a lógica estrutural da acumulação capitalista contemporânea, cada vez mais dependente de tecnologias verdes, inovação e sustentabilidade. Ao insistirem em uma matriz fóssil como instrumento de poder, ao mesmo tempo que desestimulam projetos de conversão energética sustentável, os Estados Unidos correm o risco de se tornarem uma potência tecnologicamente defasada e economicamente vulnerável em relação aos polos de inovação energética emergentes. Fica a questão se essa possível defasagem, somada à perda de legitimidade política nas negociações multilaterais e ao enfraquecimento da liderança moral no enfrentamento da crise climática, pode implicar um declínio gradual de sua hegemonia global – não por perda militar ou econômica direta, mas por obsolescência estratégica diante da transição energética em curso.
A política ambiental de Trump não apenas desestrutura os mecanismos de governança climática interna e internacional, mas também ameaça reposicionar os Estados Unidos na hierarquia do poder global. Em vez de liderar a transformação energética, a insistência em proteger o capital fóssil doméstico indica uma inversão paradoxal. Em sua tentativa de garantir a soberania energética e reafirmar o excepcionalismo americano, o país pode abrir mão, no setor energético, de um dos elementos que historicamente sustentaram sua hegemonia, ou seja, a capacidade de inovar e de moldar as regras do sistema internacional em torno de novas tecnologias e paradigmas produtivos.
* Este texto não reflete necessariamente as opiniões do Boletim Lua Nova ou do CEDEC. Gosta do nosso trabalho? Apoie o Boletim Lua Nova!
Referência imagética: (Arquivo) ‘Trump gosta de carvão’, diz cartaz (tradução não literal), em comício em Baton Rouge, Louisiana, em 9 dez. 2016 (Crédito: Tammy Anthony Baker/Flickr).
- André Scantimburgo é pós-doutorando em Relações Internacionais pelo Programa Interinstitucional San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP e PUC-SP) e doutor em Ciências Sociais, na linha de pesquisa Relações Internacionais e Desenvolvimento, pela UNESP. Contato: scantimburgo.andre@gmail.com. ↩︎



