Equipe Editorial do Boletim Lua Nova
Ao encerrarmos o primeiro quarto do século XXI, é difícil sustentar o otimismo que marcou sua chegada. No plano internacional, a sensação é de uma desordem prolongada, acentuada pelo retorno de Donald Trump à Casa Branca. No Brasil, os quarenta anos da chamada Nova República passam longe de qualquer ideia de estabilidade política, de modo que a democracia segue pressionada por uma extrema direita organizada e por instituições tensionadas de forma recorrente. Nesse cenário, o pensamento crítico ganha ainda mais peso ao ajudar a nomear o que estamos vivendo e a abrir frestas de imaginação sobre política, justiça, sociedade e horizontes possíveis. Desde o seu lugar específico, o Boletim Lua Nova buscou, em 2025, acompanhar essa travessia, marcado por efemérides importantes e por um conjunto expressivo de publicações.
Foi um ano marcado por mudanças rápidas e por disputas abertas na arena pública. No Boletim Lua Nova, essa experiência se traduziu em 123 textos que percorreram temas diversos e dialogaram com debates em curso dentro e fora da universidade. Não é possível dar conta de todas essas publicações em uma retrospectiva, mas é possível reconstruir o contorno geral do que fizemos, isto é, indicar alguns eixos, destacar séries e parcerias e, ao mesmo tempo, reafirmar o compromisso que nos orienta: pensar criticamente o presente para reimaginar o futuro.
Desde 1976, o CEDEC tem caminhado junto com a história recente da democracia brasileira, atravessando avanços e crises sem abrir mão do compromisso com sua defesa e reinvenção. Foi desse esforço de ligar reflexão acadêmica e vida pública que nasceram, ao longo das décadas, iniciativas editoriais como a revista Lua Nova, em 1984, e, mais recentemente, o Boletim Lua Nova, criado em 2018 no calor da crise democrática e da eleição de Jair Bolsonaro.
O Boletim retoma, em formato digital e mais ágil, a aposta formulada no primeiro editorial de Lua Nova, qual seja, pensar a democracia de modo aberto, plural e disposto ao conflito de ideias. Ao longo desses anos, nos consolidamos como um espaço de diálogo em que pesquisas são divulgadas para além da universidade e em que uma nova geração se forma em contato com o Centro, ajudando a atualizar, em outro contexto, a mesma vocação de fundo do CEDEC.
O Boletim Lua Nova segue sendo, antes de tudo, um espaço de encontro entre trajetórias acadêmicas distintas e perspectivas plurais. Textos de graduandas/os e pós-graduandas/os apareceram lado a lado com ensaios de pesquisadoras/es com longa trajetória, num diálogo que atravessa gerações, campos disciplinares e experiências de militância e pesquisa. Dessa combinação nasce uma dinâmica capaz de acolher uma variedade ampla de temas, abordagens teóricas, métodos e estilos de escrita. É essa pluralidade, entendida como parte constitutiva do próprio trabalho intelectual, que buscamos preservar e celebrar através do conhecimento produzido em diferentes estágios da vida acadêmica, em permanente interlocução com a sociedade.
De debates sobre política nacional e rearranjos da ordem internacional a discussões em torno de cultura, memória, raça, punição, meio ambiente e teoria política, cada texto deste ano procurou, de um lado, articular olhares distintos sobre os impasses do nosso tempo e, de outro, apresentar recortes de pesquisas originais em desenvolvimento. A seguir, revisitamos algumas das publicações e séries que melhor ajudam a reconstruir a paisagem intelectual do Boletim neste ano.
O Boletim Lua Nova manteve em 2025 um compromisso com textos capazes de ligar repertórios culturais e questões de fundo da vida pública. Nesse eixo, publicamos análises variadas da crítica histórica da democratização brasileira “sob as luzes da esquina”, como em “A democratização brasileira sob as luzes da esquina: a resistência do jornal Lampião da Esquina ao regime da moral e dos bons costumes”, de Rodrigo Lopez, que revisita os mecanismos de repressão moral e o cerco jurídico à imprensa homossexual durante a ditadura, até debates sobre indústria cultural e imaginação política, como “A relação do Sertanejo Universitário com seu potencial utópico: um estudo sobre a indústria cultural brasileira”. Na mesma direção, também promovemos textos motivados por efemérides que ajudam a reabrir perguntas decisivas do nosso tempo, como os 50 anos de Vigiar e Punir, de Michel Foucault, e o centenário de nascimento de Frantz Fanon.
Em maio, iniciamos a série especial dedicada à 17ª Cúpula dos BRICS, realizada no Brasil no marco da presidência rotativa do país. Fruto de uma nova parceria com pesquisadoras e pesquisadores do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), a série reuniu análises voltadas a aprofundar o debate sobre prioridades, disputas e desafios que atravessaram esse encontro multilateral.
A colaboração com o Grupo de Estudos e Pesquisa em Política Externa (GEPEX/UEPB), coordenado por Cristina Pacheco, também foi central para publicizar as contribuições do grupo ao longo do ano. Na mesma direção, a parceria com o Grupo de Estudos sobre Conflitos Internacionais (GECI) resultou em uma série de reflexões produzidas no primeiro semestre de 2025, a partir de um ciclo de leituras e debates em torno do dossiê Debating American Primacy in the Middle East, organizado pelo Project on Middle East Political Science (POMEPS) e pelo Mershon Center for International Security Studies (The Ohio State University).
2025 também foi um momento importante para ampliar a internacionalização do Boletim. A parceria com o consórcio JUSTLA aproximou o nosso público de pesquisas produzidas por integrantes da rede internacional Justice in the XXI Century: A Perspective from Latin America, coordenada pela Universidade de Catania (Itália) e financiada pela União Europeia (HORIZON–Marie Skłodowska-Curie Staff Exchanges).
Além disso, vale destacar os textos do Especial realizado em conjunto com as professoras Lena Lavinas e Maria Paula Bertrand sobre o crescente endividamento das famílias brasileiras, uma colaboração que seguirá no próximo ano e que já se firmou como uma contribuição especialmente relevante para conectar pesquisa e debate público.
O Boletim também deu continuidade à prática de acompanhar e relatar eventos acadêmicos. Um dos destaques foi a série especial que reuniu reflexões críticas de graduandas, mestrandas e doutorandas, selecionadas por meio de edital de monitoria, que acompanharam o Colóquio Internacional “Colonialidade, Racialidade, Punição e Reparação nas Américas (Séculos XIX–XXI)”.
Por fim, as entrevistas publicadas ao longo do ano também ajudaram a compor esse panorama. Entre elas, destacam-se as conversas em torno dos 90 anos de nascimento de Lélia Gonzalez (1935–1994), referência incontornável do pensamento social brasileiro e das lutas antirracista e feminista, em entrevista com Flávia Rios (USP/Cebrap). Publicamos ainda uma entrevista com Edson Teles e Joana Barros, coordenadores do CAAF, com colaboração de Alana Moraes, discutindo a trajetória do projeto, suas bases e o princípio de decisões construídas coletivamente com familiares, militantes e pesquisadoras/es. Além disso, publicamos uma entrevista com Thaís Klein, psicanalista e professora (UFF/UFRJ), autora de Cartas a Um Velho Terapeuta (N-1).
2025 fica marcado pela riqueza e pela diversidade de textos que circularam no Boletim Lua Nova e, inevitavelmente, também por tudo aquilo que uma retrospectiva não consegue abarcar. Ainda assim, esperamos que estes parágrafos tenham conseguido reconstituir alguns dos debates que atravessaram nossas páginas e os temas que seguiram nos interpelando.



