Jefferson dos Santos Estevo[1]
Laís Forti Thomaz[2]
Amanda Duarte Gondim[3]
24 de abril de 2024
Este texto faz parte de uma série especial do Grupo de Reflexão G20 no Brasil do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília. Leia o texto anterior aqui.
A Índia e transição energética, Aliança Global de Biocombustíveis e G-20
Em outubro de 2023, durante a 18ª Cúpula do G-20 na Índia, foi lançada a Aliança Global de Biocombustíveis (AGB)[4]. O país anfitrião, então detentor da presidência rotativa do G-20, que é composto por 19 países e 2 blocos regionais, teve a oportunidade de definir os principais temas da agenda de discussão, articulados em torno de dois pilares: o Pilar Financeiro, centrado em questões econômicas, e o Pilar Sherpa, abordando uma ampla gama de tópicos da agenda internacional, como mudanças climáticas, agricultura, saúde e transição energética. O lema da cúpula indiana, “Uma Terra, Uma Família, Um Futuro”, refletia o compromisso com a proteção ambiental e a promoção de ações globalmente transformadoras em prol de um futuro mais limpo, verde e sustentável (Estevo, Ribeiro, 2024).
A iniciativa de criar a AGB partiu dos três principais produtores e consumidores globais de biocombustíveis: Estados Unidos, Brasil e Índia. A ideia central da AGB é estabelecer padrões internacionais para a produção sustentável de biocombustíveis, promovendo práticas de produção social e ambientalmente responsáveis. Isso não apenas fortalece a segurança energética global, mas também contribui para a redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE) em todo o mundo (India, 2023; Brasil, 2023). Segundo Laís Garcia, que é chefe do Ministério das Relações Exteriores (MRE) para Energias Renováveis, “Para criar um mercado global é necessário ter regras comuns, precisamos entender como vamos avaliar a intensidade de carbono desses combustíveis. Isso faz diferença, por exemplo, para premiar produtos que são mais sustentáveis” (EPBR, 2024).
A Aliança inclui os principais produtores, com destaque dos Estados Unidos e do Brasil, primeiro e segundo colocados, com a Índia como sétimo maior produtor (Statista, 2022). Também fazem parte outros 18 países e 12 organizações internacionais[5] (India, 2023; Brazil, 2023). Aproveitando sua posição como país anfitrião do G-20, a Índia liderou o lançamento dessa nova aliança cooperativa internacional, complementando suas políticas voltadas para a transição energética, especialmente no que diz respeito ao uso de etanol. Em 2020, a Índia implementou o programa Gasolina com Etanol, com o objetivo de aumentar a proporção de etanol de cana-de-açúcar na gasolina em até 20% até 2025. Essa medida visa reduzir a dependência de importações de petróleo, impulsionar a indústria de etanol e contribuir para a mitigação das mudanças climáticas (India, 2024).
A presidência do Brasil no G-20 , transição energética e Combustível do Futuro
Em dezembro de 2023, o Brasil assumiu a presidência do G-20 e da 30º Conferência das Partes, programada para 2025 na cidade de Belém, Pará. Com isso, o Brasil liderará dois eventos internacionais de grande importância, consolidando a posição de destaque nos temas da transição energética e das mudanças climáticas em sua política externa. Como destacado no texto anterior de Veiga e Siqueira (2024, n. p) “na 18ª cúpula realizada do G20, (…) na abertura a intervenção de Lula, mesmo falando de muitos temas, a agenda ambiental climática foi seu fio condutor (…) chama atenção para os problemas ambientais globais e a repercussão da crise climática”. Os temas centrais no G-20 no Brasil incluem o combate à desigualdade e à fome, a abordagem das mudanças climáticas e a reforma da governança internacional.
Ao final da COP 28 em 2023, um acordo foi alcançado, marcando o “início do fim” da era dos combustíveis fósseis. Esse acordo enfatiza a importância da transição energética para manter as temperaturas globais abaixo de 1,5°C (UNFCCC, 2023). Desta forma, os dois temas são essenciais para a agenda do Brasil e sua presidência no G-20. Segundo o Embaixador André Corrêa Lago, do MRE, “O G20 pode ser a oportunidade de resolvermos em nível técnico e científico várias questões que são levantadas sobre biocombustíveis. É um ano em que o Brasil também se prepara para a COP 30 [em 2025, no Pará] e que eu espero que seja histórica” (UDOP, 2024, n. p).
A agenda de biocombustíveis é de vital importância para o Brasil, que se destaca como líder global em produção, com sua vasta experiência e conhecimento nesse campo, desempenhando um papel fundamental na mitigação das mudanças climáticas. É de suma importância destacar isso, pois muitas discussões nacionais e internacionais frequentemente negligenciam o papel fundamental que os combustíveis renováveis podem desempenhar na luta contra as mudanças climáticas. Além disso, para muitos países, os biocombustíveis representam uma alternativa crucial para garantir a segurança energética e reduzir a dependência do petróleo. Segundo o Ministro de Minas e Energia, “Agora que o Brasil assumiu a presidência do G20, temos o fórum necessário para consolidar os biocombustíveis como vetores importantes para promover a transição energética” (Silveira, 2024, n. p).
A Índia conseguiu consolidar um tema doméstico fundamental, a transição energética, com sua agenda externa, sobretudo na criação da AGB e sua presidência do G-20. No caso do Brasil, existe a mesma possibilidade. O tema dos biocombustíveis e da transição energética está na pauta do governo federal, sobretudo com o lançamento, em 2023, do Projeto de Lei “Combustível do Futuro” (CF), iniciativas voltadas para a integração de combustíveis sustentáveis no setor de transportes nacionais, como a do teor de etanol na gasolina, variando de 22% a 30%; formalização do Programa Nacional de Diesel Verde, para incorporar gradualmente esse combustível na matriz energética nacional; estabelecimento do arcabouço regulatório para atividades geológicas de captura e armazenamento de dióxido de carbono; e criação do Programa Nacional de Combustível de Aviação Sustentável (ProBioQAV), no qual os agentes do setor aéreo devem reduzir as emissões em 1% a partir de 2027, com aumento gradual para 10% até 2037 (MME, 2023).
No último dia 13 de março, a Câmara dos Deputados do Brasil aprovou o Projeto de Lei do CF, com uma excelente margem, com 429 votos favoráveis, 3 abstenções e 19 contrários, entre os 513 deputados federais (Câmara dos Deputados, 2024). O texto agora será discutido no Senado Federal, com a relatoria do senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB), com a tendência de aprovação, ainda mais com o tema sendo destaque nas discussões do G-20.
Para o Brasil, um ponto de destaque está na transição energética no setor de aviação civil. O CF representa uma medida inicial para promover a redução de emissões no setor, que contribui com 0,67% das emissões nacionais de CO² (ANAC, 2024). Globalmente, o setor de aviação responde por cerca de 2% das emissões, um número relativamente baixo, mas espera-se um aumento tanto globalmente, quanto no Brasil. A transição energética por meio do SAF é vista como a melhor alternativa. Para tanto, junto à Organização Internacional de Aviação Civil (OIAC), algumas rotas tecnológicas foram aprovadas para produção. As rotas principais de SAF[6] são HEFA, ATJ, FT e SIP (Thomaz, Pimental, 2022)
O Brasil, com sua robusta capacidade de produção agrícola, é um dos principais produtores de biocombustíveis globalmente. O país possui um potencial significativo, especialmente na rota HEFA, utilizando óleo de soja e gordura animal. Além disso, o Brasil possui uma posição proeminente como grande produtor de cana-de-açúcar, posicionando-o para se destacar na rota ATJ, concedendo-lhe uma vantagem competitiva no SIP. Além disso, o Brasil tem amplas oportunidades para alavancar a biomassa agrícola, florestal e urbana na rota FT (RBS; Agraicone, 2021; Thomaz, Pimentel, 2022; Estevo, 2023). Segundo um estudo da RBS e Agraicone (2021), o Brasil tem o potencial de produzir até 9 bilhões de litros de SAF, sendo a maioria nas rotas ATJ e FT. Essa quantidade será mais do que suficiente para atender à demanda doméstica, com potencial para o país se tornar um exportador, tornando-se uma potência no setor, como já acontece com outros biocombustíveis.
Considerações Finais
A presidência do Brasil no G-20 é um importante momento para consolidação da política dos biocombustíveis, junto com o avanço da AGB, que ainda está em momento inicial. Para tanto, a consolidação desta agenda no plano doméstico é substancial, para que o país aproveite este momento, em uma área em que o país é uma das lideranças globais. Como já destacado em dois artigos (Estevo; Ribeiro, 2024; Veiga; Siqueira, 2024) desta série do Boletim Lua Nova, também o tema das mudanças climáticas é central na agenda da política brasileira, no âmbito doméstico e internacional, sendo um dos temas-chave da agenda da sua presidência do G-20.
O Projeto de Lei CF é um indicativo da interação entre os dois níveis, projetando um avanço nacional na produção dos biocombustíveis e promovendo a imagem do país na mitigação de emissões, por meio de combustíveis sustentáveis. E ainda lançando novas alternativas, como o RBQAV, onde o país tem grande potencial na produção e utilização de SAF. Trata-se de um mercado em expansão, já em avanço nos países desenvolvidos, mas que ainda se apresenta de forma nascente no Sul global. Para o Brasil, a consolidação da agenda em torno da mudança climática e dos biocombustíveis é essencial para a sua política exterior, onde ambos temas têm recebido destaque na gestão de Lula da Silva, com sua relevância na presidência do G-20 e também para a COP-30.
* Este texto não representa necessariamente a opinião do Boletim Lua Nova ou do CEDEC.
Referências bibliográficas
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[1] Pesquisador pós-doutor em Ciência Política na Universidade Federal de Goiás, Brasil. Bolsista do CNPQ e da FAPEG. Membro do Grupo de Reflexão G20 no Brasil do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília. Email: jeffersonestevo@ufg.br
[2] Assessora na Secretaria Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis do Ministério de Minas e Energia do Brasil.Membro do Grupo de Reflexão G20 no Brasil do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília. Email: thomaz@mme.gov.br
[3] Professora de Química do Petróleo na Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Email:amandagondim.ufrn@gmail.com
[4] Global Biofuels Alliance (GBA), em inglês.
[5] Países membros do G-20: Argentina, Brasil, Canadá, Índia, Itália, Japão, África do Sul, e Estados Unidos da América. Países convidados do G20: Bangladesh, Singapura, Mauritânia e Emirados Árabes Unidos. Não membros do G20: Islândia, Quênia, Guiana, Paraguai, Seychelles, Sri Lanka, Uganda, Finlândia, Tanzânia e Filipinas. Organizações Internacionais: Banco Asiático de Desenvolvimento, Fórum Econômico Mundial, Organização Mundial do GLP, ONU Energia para Todos, UNIDO, Plataforma de Biofuturos, Organização Internacional de Aviação Civil, Agência Internacional de Energia, Fórum Internacional de Energia, Agência Internacional de Energias Renováveis, Associação Mundial de Biogás, Banco Mundial.
[6] Fischer-Tropsch hydroprocessed synthesized paraffinic kerosene (FT), cujas fontes são o carvão, gás natural e biomassa; Synthesized paraffinic kerosene from hydroprocessed esters and fatty acids (HEFA), que possui como fontes Bio-óleos, gordura animal e óleo reutilizado; Synthesized iso-paraffins from hydroprocessed fermented sugars (SIP) cuja fonte é biomassa da produção de cana-de-açucar; Alcohol to jet synthetic paraffinic kerosene (ATJ-SPK), que possui como fonte Biomassa proveniente da produção de etanol ou isobutanol.
Fonte imagética: Wikimedia Commons. Global Biofuels Alliance at G20 New Delhi 2023. Fotografia de Casa Rosada/Argentina. Disponível em: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Global_Biofuels_Alliance_at_G20_New_Delhi_2023.jpg>. Acesso em: 16 abril 2024.