Camila Romero Lameirão1
20 de setembro de 2024
Marcando as eleições municipais de 2024, o Boletim Lua Nova convidou pesquisadoras e pesquisadores de diferentes capitais do Brasil para analisarem e comentarem sobre o pleito em suas cidades. Os textos desta série especial podem ser encontrados aqui.
A ocorrência de eleições municipais costuma fomentar o interesse, no debate público e acadêmico, sobre o papel e a importância do governo local no âmbito da federação brasileira. Assim, a disputa marca um período de discussão sobre as competências do município e o escopo de suas ações em diferentes áreas, como educação, saúde, mobilidade, meio ambiente, geração de emprego, ordenamento do território, entre outras. Trata-se de um evento que direciona a atenção dos principais veículos de comunicação, e da população, em geral, para a política local, em um país cujo centro da cobertura é correntemente a política nacional. Esta oportunidade permite que se aborde e difunda para um público mais amplo, além de algumas características da disputa eleitoral nos municípios, o contexto sob o qual ocorre a competição. Adiante, é sobre isso que pretendo tratar, tendo como objeto o maior município da região centro-oeste do Brasil.
Goiânia, capital do estado de Goiás, está entre as 10 maiores cidades brasileiras em termos populacionais, com aproximadamente um milhão e meio de habitantes, segundo estimativa do IBGE para 2024, sendo a maior dos três estados do centro-oeste, região que também abrange Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. O porte do município guarda correspondência com outras posições ocupadas em comparação aos milhares de municípios brasileiros, estando, por exemplo, na 15ª posição do ranking quanto à participação no Produto Interno Bruto (PIB) nacional (IBGE, 2021), na 9ª em relação ao total de receita bruta realizada em 2023, sendo, ainda, a 10ª cidade brasileira com maior número de pessoal ocupado em atividades formais (IBGE, 2022).
Por outro lado, no quesito renda, o município apresenta resultados que o situam em posições bem distantes das melhores colocações. Notadamente, o seu PIB per capita é o 1.537º na comparação com todos os municípios do país (IBGE, 2021), e a média do salário mensal dos trabalhadores formais é de 3 salários-mínimos, o que o ranqueia na 142ª posição (IBGE, 2022).
Indo além de indicadores econômicos, o “Mapa da Desigualdade das capitais brasileiras” (2024), publicado pelo Instituto Cidades Sustentáveis, reúne um conjunto de 40 indicadores agrupados entre os 17 objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS) da ONU, e coloca Goiânia na 9ª posição em relação às capitais dos 26 estados. A capital estaria entre as 10 menos desiguais do Brasil. Este ranking identifica e informa sobre alguns dos problemas do município, considerando os indicadores que estão abaixo da média em comparação às demais capitais – um total de 9, entre eles, o percentual de famílias inscritas no cadastro único para programas sociais, a desigualdade de salário por sexo, o número de equipamentos culturais, de mortes no trânsito, a cobertura vacinal e a razão de gravidez na adolescência – e apresenta, ainda, os indicadores que colocam a cidade em boas posições comparativamente, em quesitos nos quais tem desempenho superior à média – um total de 16, sendo alguns deles, o percentual da população atendida por serviço de água, o número de domicílios em favelas, a taxa de distorção idade/série nos anos inicias do fundamental, a taxa de feminicídio, a razão de mortalidade infantil, e da população atendida com esgotamento sanitário.
Embora limitado, este panorama tem o propósito de situar e caracterizar Goiânia, oferecendo um retrato desta cidade que nacionalmente é bastante associada ao agronegócio e à riqueza deste setor. Como se percebe, a capital do estado de Goiás apresenta características que a situam com bons indicadores econômicos, mas com níveis de renda que não a projetam nas melhores colocações, comparando-se aos demais municípios. Além disso, Goiânia, a despeito de há tempos ser apontada como a “cidade mais desigual do Brasil”, em se tratando da diferença de renda entre ricos e pobres (IPEA, UN Habitat, 2010; Estado de São Paulo, 2010), ocupa uma posição (9ª) não tão constrangedora em relação aos diversos quesitos que informam sobre o seu nível de desigualdade. Trata-se de uma capital pujante, com suas contradições, e é neste contexto que transcorrerão as eleições municipais de 2024.
No corrente ano, como mostra o Quadro 1, sete candidaturas participam da disputa eleitoral para o comando da prefeitura de Goiânia, representando partidos políticos com distintas posições ideológicas, oriundos de diferentes campos da esquerda (como o PT e o União Popular) e da direita (como o Solidariedade, o PSD, o PSDB, o PL e o União Brasil), conforme recente proposta de classificação ideológica dos partidos brasileiros (Bolognesi; Ribeiro; Codato, 2023). A se considerar os resultados de pesquisas eleitorais, a algumas semanas do 1º turno, um percentual aproximado de 60% do eleitorado divide-se entre 4 candidaturas que representam partidos de direita, embora a segunda colocada da disputa seja uma mulher, filiada ao PT, partido considerado do campo da esquerda. A candidata, a única representante feminina, ao mesmo tempo em que tem um percentual expressivo de rejeição, de 43%, despontava até o início do mês de setembro como a favorita de eleitores/as de diferentes perfis – entre os homens, a população com os maiores níveis de renda e com diferentes níveis de escolaridade (tanto os que têm até o ensino fundamental como aqueles com nível superior completo e incompleto). Quem lidera as pesquisas nas últimas semanas do 1º turno é o candidato Sandro Mabel, do União Brasil, com 24% das intenções de voto.
Quadro 1 – Candidaturas para a prefeitura de Goiânia, e níveis de intenção de votos e rejeição, em ordem alfabética (set/2024)
Fonte: Tribunal Superior Eleitoral (Divulgação de candidaturas e contas eleitorais), 2024. Pesquisa Quaest, encomendada pela TV Anhanguera (filial da TV Globo), registro GO – 09481/2024, realizada entre 14 e 16 de setembro.
Desde a primeira eleição direta municipal em 1988, após a redemocratização do país em 1985, os goianienses elegeram candidatos de três partidos: PMDB/MDB, do PT e do PSDB. Quatro eleições foram ganhas pelo PMDB/MDB, a de 1988, 2004, 2016 e 2020 (sendo eleitos, Nion Albernaz, Iris Rezende, em duas delas, e Maguito Vilela, que não assumiu o cargo de prefeito, devido ao seu falecimento em janeiro de 2021); outros 3 pleitos foram vencidos pelo PT, os de 1992, 2000 e 2012 (respectivamente, por Darci Accorsi, Pedro Wilson e Paulo Garcia); e o PSDB, por sua vez, foi vitorioso em 1996 (sendo Nion Albernaz eleito). A partir de 2021, com a posse do vice-prefeito Rogério Cruz, que assume o Executivo local em razão da internação e posterior falecimento do prefeito eleito Maguito Vilela, pela primeira vez a cidade é governada por um político filiado a um partido, o Republicanos, distinto aos que usualmente comandaram a prefeitura. Atualmente, o então prefeito está filiado ao Solidariedade e é candidato à reeleição, embora a sua gestão goze de níveis consideráveis de reprovação: 55% da população consideram a sua administração ruim ou péssima (O Popular, 2024), segundo pesquisa do último mês de julho. O candidato tem cerca de 4% de intenção de voto, como mostra o Quadro 1.
A não exitosa candidatura à reeleição do atual prefeito contrasta com a alta taxa de reeleição que se projeta para este ano nos pleitos das capitais. De acordo com o levantamento da Consultoria Arko Advice, estima-se que 70% dos atuais 20 prefeitos de capitais que se lançaram à disputa consigam se reeleger. A expectativa é que esta taxa seja a maior já registrada nas eleições municipais desde o instituto da reeleição, válido a partir de 1998. Até o momento, o pleito de 2008 havia tido o maior percentual de reeleição, de 66,8% (Exame, 2024). O baixo desempenho eleitoral do então prefeito contrasta com as candidaturas locais apoiadas pelo presidente Lula da Silva e o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, respectivamente a de Adriana Accorsi e a de Sandro Mabel. Apesar de numericamente à frente da disputa, o candidato do União Brasil está, pela margem de erro das pesquisas eleitorais, empatado com a candidata do PT, na dianteira das intenções de voto. O ex-presidente Jair Bolsonaro tem declarado apoio ao candidato do seu partido, o PL, Frederico Rodrigues, que está posicionado em 4º lugar na intenção de votos. Cabe lembrar, ainda, que Vanderlan Cardoso, senador eleito pelo estado em 2018, e que se lança candidato à prefeitura de Goiânia pela terceira vez consecutiva, embora não tenha recebido o apoio formal de lideranças de amplitude nacional, posiciona-se na 3ª colocação, com 15% das intenção de votos, percentual que também o aproxima das candidaturas líderes, e demonstra a divisão do eleitorado goianiense.
Em comum, os três candidatos que estão à frente das intenções de voto acumulam experiência político-eleitoral no Legislativo. Sandro Mabel é, em comparação a todos os candidatos da disputa, quem possui a mais longa trajetória política, tendo cumprido mandatos como deputado estadual (1991-1995) e federal (1995-1999 e 2003-2015). Adriana Accorsi exerceu dois mandatos como deputada estadual de Goiás (2015-2022) e, desde 2023, é deputada federal. Por sua vez, Vanderlan Cardoso exerce o cargo de senador por Goiás desde 2019, mas acumula experiência no Executivo, tendo sido eleito para a prefeitura de Senador Canedo, município da região metropolitana de Goiânia, para o mandato de 2005-2008.
Quanto à experiência política dos demais candidatos, o prefeito Rogério Cruz, antes de assumir o atual cargo, foi por dois mandatos vereador de Goiânia (2013-2020), enquanto Frederico Rodrigues exerceu por um ano (2023) o mandato de deputado estadual de Goiás, tendo este sido cassado por decisão do TSE devido a pendências na prestação de contas de sua candidatura a vereador da capital em 2020. Os candidatos Matheus Ribeiro e Professor Pantaleão não possuem experiência em cargos eletivos.
Os planos de governo de cada candidato apresentam os principais temas e áreas de atenção, além das propostas e potenciais linhas de ação, podendo servir, em tese, como um parâmetro para conhecer as distintas candidaturas, compará-las e, considerando quem for eleito, para cobrar transparência e as ações prometidas. O Quadro 2 procura sintetizar os principais temas apresentados nos respectivos planos por cada candidatura, os quais, na maioria dos casos, se desdobram em propostas mais objetivas. Considerando a frequência destes eixos, identifica-se a convergência de todos os sete candidatos em relação a 3 temas: saúde, educação e mobilidade. Os eixos segurança, cultura, esporte e lazer, e meio ambiente foram mencionados nos planos de seis candidaturas. Outros 3 temas, desenvolvimento econômico, gestão pública e tecnologia/inovação, estruturam o plano de 5 candidaturas.
Em particular, observa-se que a maioria dos candidatos apresentou eixos novos, de alguma forma se singularizando em comparação às demais candidaturas. Adriana Accorsi propõe o tema da diversidade, infraestrutura verde e da cinza, além da segurança alimentar; Matheus Ribeiro, o do lixo, da defesa social e acesso à justiça, participação na gestão pública e infraestrutura científica; Professor Pantaleão, o da questão racial, LGBTQIA+ e das pessoas com deficiência; Rogério Cruz, por sua vez, embora esteja à frente da Prefeitura e possivelmente tenha um diagnóstico das áreas que precisam de mais investimento e atenção pública, inova apenas ao mencionar, entre os eixos, o tema dos Direitos Humanos; Sandro Mabel, o da cidade inteligente, integração metropolitana, turismo, relações internacionais, cidade empreendedora e governo digital; Vanderlan Cardoso destaca-se por propor o tema da sustentabilidade e transparência. O candidato Frederico Rodrigues não apresentou eixos temáticos novos em relação aos demais concorrentes.
Comparando-se os 7 programas examinados, o de Sandro Mabel é o que apresenta o maior número de propostas que especificam as ações de cada eixo temático, num total de 262, seguido, respectivamente, pelas seguintes candidaturas: Professor Pantaleão (205), Vanderlan Cardoso (203), Rogério Cruz (199), Matheus Ribeiro (161) e Frederico Rodrigues (73). O plano da candidata Adriana Accorsi, apesar da detalhada enumeração dos temas principais que orientam o seu programa, diferentemente das demais candidaturas, não elenca de forma objetiva (excetuando-se o eixo governança) as propostas que pretende cumprir para cada tema.
Quadro 2 – Síntese do plano de governo das 7 candidaturas para a prefeitura de Goiânia (2024)
Fonte: Tribunal Superior Eleitoral (Divulgação de candidaturas e contas eleitorais), 2024.
* O registro das palavras mais citadas de cada plano foi editado para que se desconsiderasse verbos e termos recorrentes, como município, cidade, Goiânia, plano, programa.
** Número aproximado, considerando que em algumas seções do plano não há uma diferenciação objetiva entre o que é um projeto e uma proposta de ação.
Por fim, ainda considerando as informações apresentadas no Quadro 2, ao se atentar para as palavras mais citadas em cada plano, percebe-se que a “saúde” é um tema recorrente no programa de governo dos diferentes candidatos, sendo o termo que mais se repete em 5 dos 7 planos examinados. Pode-se dizer que esta frequência vai ao encontro de uma demanda da população goianiense que, majoritariamente, avalia de forma negativa a prestação de serviços de saúde pela prefeitura. Conforme identificado pela “Pesquisa de Qualidade do Serviço Público: capitais brasileiras”, desenvolvida pelos institutos Agenda Pública e Ideia em 2023, a população de Goiânia apontou a saúde como o maior problema do município, destoando da maioria das capitais pesquisadas, na qual a segurança pública foi identificada como o problema de maior destaque. Os goianienses apresentam alto percentual de insatisfação com a disponibilidade de médicos (62,8%) e de medicamentos (54,7%), além da qualidade da infraestrutura dos hospitais (55,4%). Além disso, recentemente, veio à tona os problemas na gestão dos serviços de atendimento móvel de urgência (SAMU) na capital, que se refletem no limitado número de ambulâncias em operação em Goiânia. O Tribunal de Contas do Município vem responsabilizando e cobrando ações da prefeitura (Portal G1, 2024).
Se for considerado que a frequência das palavras em cada plano expressaria o nível de atenção das candidaturas com o referido significado, pode-se afirmar, então, que outros temas também aproximam alguns candidatos em torno da ênfase dada à palavra gestão, social, desenvolvimento e educação. As candidaturas de Sandro Mabel e Vanderlan Cardoso, da mesma forma que a de Rogério Cruz com este último, citam das 5, 4 palavras em comum. Notou-se, ainda, convergência, quanto às palavras mais citadas, entre os planos de Adriana Accorsi e Sandro Mabel, e da candidata, com Vanderlan Cardoso, compartilhando, respectivamente, três palavras. Por sua vez, Professor Pantaleão e Rogério Cruz também se aproximam por enfatizarem três termos. Nos planos de Frederico Rodrigues e Matheus Ribeiro, a maioria das palavras citadas em maior frequência (3 em cada) não são as mais repetidas pelas demais candidaturas.
Comparativamente, é possível, portanto, encontrar pontos de conexão nas propostas de alguns dos diferentes candidatos. Por um lado, isto pode ser visto com bons olhos, pois demonstra algum nível de atenção com temas caros à população em geral e à boa governança da cidade. Por outro lado, há o risco dos vocábulos serem retóricos, expressando intenções que se manifestam com frequência no período eleitoral, mas podem vir a não se efetivar na vigência de uma mandato. À pessoa eleitora, não caberia aguardar mais quatro anos para avaliar a gestão eleita, há que se avançar na discussão, e em eventuais reformas institucionais, que viabilizem à sociedade instrumentos formais de cobrança por responsividade e resultados aos governos. Os municípios poderiam dar este exemplo.
* Este texto não representa necessariamente as opiniões do Boletim Lua Nova ou do CEDEC. Gosta do nosso trabalho? Apoie o Boletim Lua Nova.
- Professora do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política e Relações Internacionais, Faculdade de Ciências Sociais, Universidade Federal de Goiás (PPGCPRI/FCS/UFG). Email: camila.romero@ufg.br ↩︎
Referência imagética: SEMDUS/Goiânia. Centro Administrativo Municipal. In: Anuário estatístico de Goiânia, 2013. Fotografia de Rafael Delfino. Disponível em: <https://www.goiania.go.gov.br/shtml/seplam/anuario2013/_html/fotos.html>. Acesso em: 16 set. 2024.