Originalmente publicado em: https://bras-center.com/the-2020-brazilian-municipal-elections-as-a-test-for-bolsonaros-increasing-popularity/
Publicado em 12 de outubro de 2020, o texto foi atualizado em 03 de dezembro de 2020.
Jayane Maia[1]
O primeiro turno das eleições municipais no Brasil aconteceu em 15 de novembro, com mais de um mês de atraso devido à pandemia do coronavírus. Todos precisaram esperar um pouco para desvendar as expectativas que acompanharam estas eleições. Sem dúvida, cada eleição envolve certo grau de incerteza, especialmente em um país como o Brasil, onde há uma elevada fragmentação partidária, um sistema partidário instável e, consequentemente, um alto nível de incerteza sobre quem serão os vencedores. Contudo, dois fatos contextuais tornaram estas eleições ainda mais interessantes tanto aos olhos dos cidadãos como dos acadêmicos. Primeiro, esta é a primeira eleição, desde a redemocratização, que aconteceu durante uma pandemia e foi acompanhada por todos os seus desafios. Segundo, é a primeira eleição municipal desde que Jair Bolsonaro foi eleito presidente em 2018.
Esses dois fatos seguramente trouxeram ainda mais instabilidade às eleições. Suas consequências no longo prazo ainda estão por ser conhecidas, ainda que algumas delas possam ser previstas com base em dados coletados e nos acontecimentos políticos recentes.
A pandemia atingiu o Brasil de diversas maneiras, mostrando, ou melhor, intensificando suas maiores fraquezas. Ela colocou, e ainda coloca, à prova a resiliência não só dos cidadãos brasileiros, mas também da administração de Jair Bolsonaro. Não há dúvidas (ou não deveria haver) de que o governo federal, representado por ele como Presidente da República, tem agido de forma medíocre com relação às medidas para prevenir o alastramento da pandemia pelo país. O seu estágio inicial foi marcado por ações desordenadas tomadas pelo governo federal, cujas consequências foram letais: enquanto escrevia este artigo, mais de 150.000 brasileiros haviam perdido suas vidas devido à COVID-19. Enquanto isso, Bolsonaro demonstrou maior preocupação com sua segurança pessoal e de sua família (o que resultou na resignação do Ministro da Justiça Sérgio Moro em abril) do que com a contenção do vírus que, no mesmo mês, já tinha reclamado mais de 3.300 vidas.
Agora, mais de sete meses depois, a taxa de infecção diária pelo coronavírus no Brasil tem desacelerado desde a primeira semana de setembro enquanto a aprovação de Bolsonaro sobe: pela primeira vez desde maio de 2019, o índice de aprovação do presidente é maior do que sua rejeição.[2] Isso confirma a tendência do aumento da sua popularidade registrada em julho. Embora eu pudesse me concentrar em tentar explicar as razões desse aumento (dentre elas certamente está o auxílio emergencial, recebido por cerca de 45% das famílias brasileiras desde abril), é mais interessante analisar mais a fundo suas possíveis consequências, especialmente no âmbito político.
Obviamente, devemos contar com as pesquisas de opinião para prever não somente o comportamento dos eleitores, como as estratégias utilizadas pelos partidos políticos e suas lideranças. Contudo, foram as eleições municipais que nos apontaram se a popularidade de Bolsonaro é forte ou não. Foram elas que revelaram as reais chances de o Bolsonarismo vingar.
Estudos recentes já demonstraram a influência da arena nacional sobre a subnacional. Se considerarmos as eleições locais como de segunda ordem, elas podem funcionar como um barômetro para as próximas eleições nacionais e/ou refletir os resultados dos últimos pleitos (Swenden e Maddens, 2009). Neste caso, considerando a eleição de Bolsonaro em 2018 e o atual contexto de ascendência de sua popularidade, um cenário possível era o de que seus aliados a nível local conquistassem o poder na maior parte dos municípios. É válido ressaltar, por exemplo, que o oposto ocorreu com o Partido dos Trabalhadores (PT) em 2016: a crise pela qual o partido passou a nível nacional custou a ele a perda de mais de metade dos municípios que governava. Logo, era possível que os aliados de Bolsonaro se valessem da sua crescente aprovação, vinculando-se à sua imagem, a fim de se elegerem em novembro. Marcelo Crivella (Republicanos), prefeito do Rio de Janeiro, utilizou essa estratégia[3], e concorreu novamente ao cargo, apesar da incerteza com relação à sua elegibilidade, devido às acusações de abuso de poder político.
Contudo, a ideia de eleições de segunda ordem não é a única abordagem utilizada para analisar as eleições locais. A literatura existente também aborda a autonomia da esfera subnacional como uma arena de competição eleitoral (Gibson e Suarez-Cao, 2010; Došek e Freidenberg, 2013). Em outras palavras, devemos considerar que o contexto local, isto é, estados e municípios possuem dinâmicas políticas próprias, as quais não necessariamente dependem do que acontece no nível nacional. De acordo com esta perspectiva, os eleitores podem ver as eleições locais como tendo sua própria relevância, considerando-as como uma oportunidade para pautar questões locais e seguir em uma direção diferente da arena nacional. Um bom exemplo da independência da disputa eleitoral subnacional no Brasil é o fato de o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) ser o partido que tem ocupado o maior número de cargos de prefeito e de vereadores desde 2000, apesar de ainda não ter sido eleito para o poder executivo nacional. Desse ponto de vista, a recente aprovação de Bolsonaro poderia não assegurar a vitória de seus aliados (não podemos nomear um partido, dado que o presidente não possui um atualmente). Além disso, os eleitores podem ter visto as eleições municipais como uma forma de recompensar ou punir autoridades políticas com base nas suas ações (ou falta delas) relativas à pandemia. Na realidade, o desacordo entre as autoridades governamentais nos níveis nacional e subnacional foi, infelizmente, uma característica dos esforços para conter a propagação do vírus no Brasil.
Por fim, quando se trata de eleições e política no Brasil, um futuro incerto ainda nos aguarda. Porém, uma coisa é certa: Bolsonaro sabe que sua reeleição depende do suporte de políticos locais que estão mais próximos dos eleitores e que podem servir como cabos eleitorais decisivos. Não foi sem intenções que ele apoiou algumas candidaturas, como a de Celso Russomanno (Republicanos), que concorreu à prefeitura da cidade de São Paulo, o maior colégio eleitoral no país. Afinal, uma lição que Bolsonaro aprendeu com a pandemia é a de que boas alianças podem manter políticos no poder, independentemente de seus erros.
Notas:
[1] Investigadora do German Institute for Global and Area Studies (GIGA) e estudante de doutorado em Ciência Política na Universidade de Hamburgo na Alemanha. É bolsista do Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico (DAAD). E-mail: jayane.maia@giga-hamburg.de
[2] Ver https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,aprovacao-de-bolsonaro-chega-a-37-maior-desde-marco-de-2019-mostra-pesquisa-xpipespe,70003402719
[3] Ver https://oglobo.globo.com/brasil/eleicoes-2020/bolsonaro-da-aval-para-crivella-usar-sua-imagem-na-campanha-no-rio-2-24665746?utm_source=globo.com&utm_medium=trilho_destaques
Referências bibliográficas:
Došek, Tomás and Freidenberg, Flavia. 2013. “La congruencia de los partidos y los sistemas de partidos multinivel en América Latina: conceptualización y evaluación de algunas herramientas de medición”. Politai: Revista de Ciencia Política, no. 7, pp. 161-178.
Gibson, Edward L. e Suarez-Cao, Julieta. 2010. “Federalized Party Systems and Subnational Party Competition: Theory and an Empirical Application to Argentina”. Comparative Politics, 43(1), pp. 21-39
Swenden, Wilfried and Maddens, Bart. 2009. “Territorial Party Politics in Western Europe: A Framework for Analysis”. In: Territorial party politics in Western Europe, eds. Wilfried Swenden and Bart Maddens. UK: Palgrave Macmillan, pp. 1-30.
Referência imagética:
Wikipédia